Mídia, negócios e interesses de Estado na China

08/11/2013 13:30 Atualizado: 10/11/2013 14:59

A maioria das pessoas pensou que os artigos do jornalista Chen Yongzhou sobre as fraudes do maior fabricante de equipamentos de construção na China fossem verdadeiros.

Depois que ele foi preso por seus artigos sobre a empresa Zoomlion, baseada na província de Hunan, o jornal fez algo extraordinário e sem precedentes. O New Express duas vezes publicou manchetes de primeira página: “Por favor, libertem-no” e “Mais uma vez, por favor, libertem-no”, juntamente com uma declaração formal de apoio a ele.

Outras mídias locais também começaram a apoiar Chen Yongzhou. Mesmo o oficial da Associação de Todos os Jornalistas da China pediu às autoridades de Changsha, capital de Hunan, para darem uma explicação legal e convincente sobre a prisão.

Ainda não está claro por que algumas mídias mostraram seu apoio de forma aberta e oficialmente a um jornalista. Talvez eles pensassem que a empresa que Chen expôs fosse uma empresa de nível provincial. Ou talvez achassem que estivessem lidando com a polícia da província de Hunan e não com as autoridades estatais.

Ou talvez eles assumissem que expor a injustiça e a corrupção de um negócio se encaixaria na campanha anticorrupção atual. Ou talvez eles tenham verificado repetidamente as provas e confirmaram a credibilidade das fontes de Chen. Mas o que quer que tenham pensado, eles estavam errados.

A linha vermelha

O outro lado reagiu, embora, até agora, não esteja claro quem exatamente está por trás do outro lado.

Poucos dias depois, a CCTV Morning News transmitiu um programa de nove minutos sobre o caso. Chen Yongzhou apareceu com a cabeça raspada, algemas e traje de presidiário.

Chen confessou ter recebido suborno de alguém para difamar a Zoomlion e disse que nem sequer leu alguns dos artigos antes de publicar. Basicamente, ele admitiu a culpa na frente de milhões de espectadores antes mesmo de ter sido formalmente acusado de qualquer crime.

Mesmo num país como a China, sem estado de direito, Chen não é um criminoso, pelo menos não ainda. Colocá-lo na TV para confessar, fez as pessoas lembrarem a Revolução Cultural.

Ao fazer isso, a CCTV violou os direitos básicos de Chen. Gu Kailai, uma condenada que premeditou o assassinato do empresário britânico Neil Heywood, não teve a cabeça raspada e as mãos algemadas durante seu julgamento.

O regime chinês quer que o mundo acredite que a China tem estado de direito, mas colocar Chen Yongzhou com a cabeça raspada na TV não foi uma boa relação pública. Então, por que a CCTV fez isso? A questão não era apenas para humilhar Chen. Mais importante, o regime comunista chinês queria deixar claro à mídia, ou a qualquer um que o desafie, onde está a linha vermelha que não devem se atrever a atravessar.

Porta-voz

Depois do show da CCTV, a mídia se realinhou. A Associação de Todos os Jornalistas da China condenou abertamente Chen Yongzhou. O New Express retirou seu apoio, excluiu os artigos e começou a criticar Chen e a si mesmo.

Mas era tarde demais para o presidente e o editor-chefe do New Express, que foram demitidos dias mais tarde pela empresa-mãe, o Yangcheng Evening Group. Um dia antes das demissões, as credenciais de imprensa de Chen foram canceladas.

Numa entrevista em 2000, o então líder chinês Jiang Zemin disse a Mike Wallace do programa “60 Minutes”: “A imprensa deve ser uma porta-voz do PCC.” Não existe mídia na China que atenda aos padrões do Ocidente.

Além das mídias porta-vozes do Comitê Central do PCC – o Diário do Povo, a CCTV e a agência Xinhua – cada Comitê provincial do PCC tem sua própria mídia porta-voz. O Yangcheng Evening Group é o porta-voz do Comitê Provincial de Guangdong do PCC.

A principal função da mídia porta-voz é transmitir a propaganda do PCC. Quando a CCTV humilha Chen Yongzhou, ela não está reportando uma notícia, ela está completando uma tarefa política e não precisa dos fatos para fazer esse trabalho.

Área cinzenta

No entanto, como pura propaganda tem cada vez menos audiência, a mídia porta-voz enfrenta um desafio crescente. Eles também precisam ganhar dinheiro para sobreviver ou até para ficarem ricos.

Muitos pequenos jornais, programas e revistas foram criados pelos principais porta-vozes para atrair leitores e público. Na condição de estas subsidiárias seguirem a linha do PCC, fazer dinheiro se tornou seu principal objetivo. O New Express é apenas esse tipo de jornal.

Esta política e prática criaram uma grande área cinzenta. Por um lado, os repórteres têm mais liberdade para relatar os problemas não-políticos, como notícias de entretenimento, fofocas e afins. Não raramente, uma agência de notícias até inventa histórias para criar alguma agitação.

O New Express publicou algumas histórias falsas sobre a Coreia anos atrás e nem sequer pediu desculpas aos leitores quando as falsificações foram expostas.

Por outro lado, mais e mais jornalistas buscam notícias verdadeiras. Os oficiais e empresas corruptos geralmente são bons temas, considerando a opinião do público em geral sobre o oficialismo e a elite empresarial.

Como o próprio Estado

O alvo dos artigos de Chen, a Zoomlion, é uma empresa estatal, cujo governo provincial de Hunan possui 20% das ações. Até agora, nem o programa da CCTV nem a declaração da Zoomlion ou a polícia de Changsha mostraram qualquer evidência que contrarie a história de Chen. Qualquer crença na culpa de Chen se baseia apenas na confissão de Chen, feita sob coação.

Na China, uma empresa estatal não é apenas um negócio, mas parece mais um Estado paralelo. Ao contrário de empresários privados, que precisam do apoio do governo ou de seus funcionários corruptos, os funcionários de uma empresa estatal são nomeados pelos departamentos de organização do PCC, assim como seus homólogos no PCC e no Estado.

Quando a polícia de Changsha dirigiu mais de 640 km ao sul de Guangzhou para prender Chen Yongzhou, eles usaram um Zoomlion Mercedes-Benz. A polícia nem tentou esconder o fato de que eles são cães de guarda da Zoomlion.

Além disso, altos executivos da Zoomlion têm muitas ligações nos círculos oficiais de Hunan. De acordo com o jornal Apple Daily de Hong Kong, o pai do CEO da Zoomlion é o ex-presidente do Supremo Tribunal de Hunan, enquanto seu sogro é o ex-vice-secretário do Comitê Provincial de Hunan do PCC.

A Zoomlion seria uma plataforma para funcionários provinciais de alto escalão de Hunan. O círculo oficial de Hunan também tem fortes ligações com o círculo político-jurídico central em Pequim. Zhou Benshun, o ex-secretário do Comitê Central dos Assuntos Político-Legislativos, e Zhou Qiang, atual presidente do Supremo Tribunal, são ambos da província de Hunan.

Controlado de cima

Expor a Zoomlion provavelmente não tocaria o verdadeiro poder no topo. Mas expor a Zoomlion definitivamente inspiraria outros jornalistas a cavarem notícias similares. E isso é intolerável para o PCC.

O PCC acredita que sua campanha anticorrupção deve ser bem controlada de cima e não promovida por jornalistas ou jornais aleatórios. Até agora, as motivações políticas têm permanecido nos bastidores na maior parte das exposições de corrupção de oficiais de alto escalão. Muitos destes estão ligados ao ex-chefe da segurança pública Zhou Yongkang.

Se Chen Yongzhou e o New Express ficassem impunes, quem sabe o que ocorreria em seguida?

Será que Chen Yongzhou realmente recebeu dinheiro para publicar artigos sobre a Zoomlion, conforme confessou na CCTV? Se o sistema pode extrair confissões dos principais membros do PCC, como Bo Xilai, ou de seu ex-chefe de polícia Wang Lijun, esmagar um jornalista não deve ser um problema. Além disso, quando a cabeça raspada de Chen foi exibida pela CCTV, uma contusão reveladora era visível em seu pescoço. Quem sabe que outras contusões haveria escondidas sob suas roupas.

Mas, mesmo que Chen tenha recebido dinheiro, isso não prova que seus artigos sejam inválidos. Além disso, enquanto a acusação foi feita de que ele aceitou subornos, ninguém jamais mencionou quem lhe deu o dinheiro, nem a CCTV nem a polícia.

Na China, não há mídia normal, não há sistema legal normal e não há ambiente de negócios normal. Nesta situação anormal, o destino de Chen Yongzhou foi um negócio como de costume.