Enquanto o primeiro-ministro chinês Li Keqiang estava numa visita de três dias à Alemanha, ele fez uma declaração importante sobre a situação política em Hong Kong. De alguma forma, suas opiniões foram consideradas sem valor pela mídia estatal chinesa, que manteve silêncio completo sobre a questão.
Quando perguntado, durante uma conferência de imprensa em 10 de outubro em Berlim sobre as manifestações pró-democracia em Hong Kong, Li Keqiang disse que as autoridades chinesas não mudaram sua postura em relação à política de ‘um país, dois sistemas’.
Além disso, ele disse que acreditava que o povo de Hong Kong têm sabedoria e que o governo local tem a capacidade de manter a prosperidade e garantir a segurança em Hong Kong.
Na China continental, a Xinhua, o Diário do Povo e a Central Chinesa de Televisão (CCTV), as principais mídias estatais porta-vozes do Partido Comunista Chinês (PCC), ignoraram por completo e não reportaram sobre a interpretação do premiê Li Keqiang quanto à política de ‘um país, dois sistemas’ que rege as relações entre a China e a Região Administrativa Especial de Hong Kong.
O website em inglês da CCTV, que é direcionado ao público fora da China, reportou discretamente sobre as observações do primeiro-ministro.
Os comentários de Li dizem respeito ao tema que está no centro da controvérsia atual em Hong Kong. Em 10 de junho, o Escritório de Informação do Estado, um órgão chinês sediado em Pequim, publicou um ‘livro branco’ – ou um conjunto de diretrizes políticas – que interpretava a política de ‘um país, dois sistemas’ como sem peso ou sem valor real.
Essa política era a garantia de que Hong Kong por 50 anos, desde sua transferência do Reino Unido para a China em 1997, gozaria de um alto grau de autonomia, um sistema econômico capitalista, um judiciário independente e proteções às liberdades individuais.
O livro branco declarou que Pequim poderia alterar os arranjos em Hong Kong como e quando lhe interessasse. O documento também determinou que Pequim poderia reescrever a sua vontade a Lei Básica de Hong Kong, a Constituição local.
O livro branco alarmou os cidadãos de Hong Kong – cerca de 500 mil participaram da marcha pró-democracia em 1º de julho – e minou a base legal que possibilitaria o sufrágio universal em Hong Kong.
Visão da mídia oficial
A mídia porta-vozes do PCC elogiou o livro branco.
“O livro branco é um documento muito importante de grande significado histórico e moderno”, disse o Diário do Povo em 26 de junho, após um evento intitulado “Seminário sobre o livro branco para Hong Kong efetivar a política de ‘um país, dois sistemas’”.
“O próprio livro branco é um resumo e interpretação de lições aprendidas anteriormente e da experiência adquirida contemporaneamente. Ele serve como uma orientação e referência para o futuro”, afirmou o Diário do Povo.
Em 7 de julho, a Xinhua citou Maria Tam, uma membra do comitê da Lei Básica e do Congresso Popular Nacional para Hong Kong, dizendo: “O livro branco serve para esclarecer qualquer confusão que as pessoas em Hong Kong possam ter acerca da política de ‘um país, dois sistemas’. As pessoas devem usar o livro branco como base enquanto seguem a Lei Básica e para realizar eleições gerais para chefe-executivo e legisladores de Hong Kong.”
Em 8 de agosto, a CCTV informou que Lau Siu-kai, vice-presidente da Associação Chinesa de Estudos de Hong Kong e Macau, deu uma palestra em 8 de agosto em Hong Kong sobre o conteúdo do livro branco e como o documento abria o caminho para uma democracia única em Hong Kong.
Crítica silenciada?
Em 17 de junho, uma semana após o livro branco ser publicado, durante uma visita de Li Keqiang ao Reino Unido, a China e a Grã-Bretanha emitiram uma declaração conjunta que dizia que seguir o princípio de ‘um país, dois sistemas’, conservar a Lei Básica de Hong Kong e promover a prosperidade e a estabilidade na cidade-estado se harmonizam com os interesses de ambas as partes.
Como nos comentários de Li Keqiang na Alemanha, o primeiro-ministro chinês não comentou diretamente sobre o livro branco, mas suas declarações foram amplamente entendidas como uma crítica ao documento.
O líder chinês Xi Jinping também afirmou que as autoridades chinesas aderirão firmemente à política de ‘um país, dois sistemas’, numa reunião com uma delegação de magnatas e empresários de Hong Kong no final de setembro deste ano.
Na China, tanto a CCTV como o Diário do Povo foram recentemente alvos da campanha anticorrupção liderada por Xi Jinping. Essa campanha tem sido frequentemente usada pelo líder chinês remover seus oponentes sob o pretexto de limpar a corrupção.