A saída de capital estrangeiro da China tornou-se uma tendência desde 2009. Nos últimos três anos, a situação se inverteu ocasionalmente, mas não o suficiente para mudar a tendência.
O que é notável é que o Diário do Povo, uma mídia estatal porta-voz do regime chinês, publicou vários artigos negando a situação e afirmando que “a fuga maciça de investimento estrangeiro é pura especulação” e “a retirada de alguns fundos estrangeiros foi apenas um ajuste temporário”.
Como o órgão de propaganda do Partido Comunista Chinês (PCC) foi mobilizado para “corrigir” a opinião pública, pode ser de interesse dar uma olhada em seus argumentos principais.
Ponto 1: Não há êxodo em massa de fundos estrangeiros
A evidência de capital estrangeiro deixando a China pode ser vista na diminuição dos “fundos forex” (fundos de mercado de câmbio) em junho deste ano. De acordo com dados do banco central da China, o balanço dos fundos forex em junho foi de 27,380 trilhões de yuanes, uma redução de 41,205 bilhões de yuanes em relação a maio. É o primeiro crescimento negativo em 2013 e alguns analistas interpretaram isso como um sinal de retirada do capital estrangeiro.
No entanto, num artigo de 22 de agosto, o Diário do Povo citou uma análise de um “departamento competente da Administração Estatal de Câmbio”, dizendo que a recente desaceleração na entrada de investimento estrangeiro é o resultado de vários fatores, incluindo políticas nacionais e internacionais, bem como mudanças sazonais, e previu que o investimento estrangeiro voltaria a equilibrar no segundo semestre de 2013. Ele também enfatizou que a saída de capital estrangeiro não é nada mais do que um ajuste temporário e teria impacto limitado na economia chinesa.
Citando dados do Ministério do Comércio, o artigo também disse que, embora o número de novas empresas iniciantes com investimento estrangeiro tenha diminuído 17,31% ano-a-ano, a quantidade real de capital estrangeiro usada aumentou 20,12%.
Logo após o artigo do Diário do Povo, o 21st Century Business Herald publicou um artigo em 6 de setembro, intitulado “Capital estrangeiro abandona quatro grandes bancos: eles conhecem bem o perigo da indústria bancária chinesa”. O artigo mencionou que em 3 de setembro, o Bank of America vendeu 2 bilhões de ações do Banco de Construção da China por mais de HK$ 11 bilhões. Imediatamente após, investimentos estratégicos estrangeiros recuaram de todos os quatro maiores bancos da China.
De acordo com a Dealogic, entre 2002 e 2010, o Bank of America adquiriu pelo menos US$ 14,8 bilhões em ações de bancos chineses, tendo enormes lucros. Entre 2009 e 2013, ele ganhou US$ 37,3 bilhões com a venda de ações.
Numa análise anterior, eu indiquei que 2007 foi uma linha divisória. Antes disso, o investimento industrial estrangeiro prevaleceu, mas, depois daquele ano, o papel dominante deslocou-se para o investimento financeiro.
De acordo com um artigo do Shanghai Security News publicado em 10 de setembro; nos últimos dez anos, a diferença de lucro entre o setor bancário e o setor industrial da China ampliou-se enormemente, o que evidencia o problema da estrutura econômica da China, ou seja, a discrepância severa entre o fictício e a economia real.
O relatório semianual para 2013 mostrou que os quatro maiores bancos da China ocuparam as quatro primeiras posições, com os mais altos rendimentos. Além disso, das 10 maiores empresas mais rentáveis listadas, três são bancos e três são gigantes da energia: a Corporação Nacional de Petróleo da China (CNPC), a Sinopec e a China Shenhua.
Embora os lucros do setor bancário da China continuaram a aumentar nos últimos dois anos, o desenvolvimento anormal do sistema bancário colateral, o alto risco da dívida dos governos locais e o colapso do mercado imobiliário em algumas áreas, criaram riscos operacionais para muitos bancos.
A julgar pelo desequilíbrio da relação entre os lucros do setor bancário e do setor industrial, o modelo econômico dominado por lucros bancários pode enfrentar desafios. Isso indica que a era de ouro do setor bancário da China acabou. Os bancos estrangeiros têm percebido o perigo e se retiraram no momento certo.
Ponto 2: A China ainda tem a vantagem de atrair o investimento estrangeiro
Este argumento tem como alvo a opinião de que o aumento dos custos trabalhistas e da terra na China é a causa da retirada do capital estrangeiro. Porque o custo da terra está inegavelmente alto, o Diário do Povo preferiu focar-se no aumento dos custos trabalhistas.
Ele afirmou que, embora os custos trabalhistas tenham aumentado, a qualidade da força de trabalho do país também aumentou e está mais adequada para trabalhos industriais de maior valor agregado. Além disso, embora a área costeira da China seja menos atraente para o investimento estrangeiro agora, as regiões central e oeste da China estão se tornando cada vez mais atraente para os investidores.
O problema com esse raciocínio é que essas “vantagens” têm de ser reconhecidas pelos investidores estrangeiros. O World Investment Report 2012 citou o relatório BCG, que comparou o custo do trabalho na China e nos Estados Unidos. Ele concluiu que, embora os custos do trabalho nas indústrias pesquisadas representassem uma parcela relativamente pequena dos custos totais, a rápido encurtamento da diferença salarial entre os dois países se tornou um fator importante. Os salários na China devem aumentar 15-20% ao ano, superando o crescimento da produção chinesa.
Levando-se em conta a produtividade dos EUA; até 2015, a outrora grande diferença dos custos trabalhistas entre áreas costeiras da China e áreas de baixo custo nos EUA diminuirá para 40% da diferença atual. Além disso, quando se considera os custos de transporte, logística e outros custos e a complexidade da cadeia de abastecimento global, a vantagem dos custos trabalhistas da China se tornará muito pequena.
O relatório também disse que vários fatos provaram que o custo da mão de obra doméstica na China não representa mais muita vantagem. A Huawei, a maior empresa de telecomunicações da China, informou que seu custo de contratação de engenheiros com mestrado nas províncias do interior é apenas 10% menor do que em Shenzhen. Quando a Kolcraft quis se mudar para a província central chinesa de Hubei, a empresa descobriu que os custos trabalhistas eram apenas 5-10% menores do que nas cidades costeiras.
Um entendimento comum já foi alcançado, que a era da força de trabalho ilimitada da China que trabalhará por menos de um dólar por dia já passou. O relatório também apontou outros fatores desfavoráveis à China. Por exemplo, o risco da propriedade intelectual desprotegida na China e o baixo custo do gás natural nos EUA estão atraindo fábricas de volta para os EUA.
Ponto 3: A retirada de investimento estrangeiro é uma conspiração internacional para ‘prejudicar a China’
Nos últimos meses, três agências internacionais de classificação baixaram a avaliação de crédito da China. O JPMorganChase, o Citigroup, fundos de propriedade norte-americana e outros grupos internacionais têm expressado perspectivas “pessimistas” para a economia chinesa. É desnecessário dizer que a natureza do capital tem fins lucrativos; ele vai para onde puder obter lucro e sai quando não há mais oportunidades de lucro. No entanto, as autoridades chinesas acreditam que os círculos internacionais de investimento sempre conspiraram para “prejudicar a China”.
Eles acreditam que, desde março, os bancos internacionais de investimento, agências de classificação de crédito e a mídia internacional “cooperaram para preparar secretamente a segunda rodada de ‘curto-circuito’ da China e que a China provavelmente pagará pela crise financeira dos Estados Unidos”.
Xu Yili, chefe estratégico comentarista do canal de segurança da CCTV, chegou à conclusão em seu programa de 9 de setembro que o dinheiro quente, secretamente retirado da Ásia-Pacífico, é um resultado dos Estados Unidos “estarem usando o dólar como arma de vingança e para recolher as dívidas mundiais”.
Jim Chanos, presidente e fundador da Kynikos Associates, tornou-se o culpado desta rodada de curto-circuito da China. A razão é que Chanos usou uma apresentação de 19 slides em power point numa conferência com investidores em Hong Kong em 5 de abril para explicar por que ele se sentia pessimista em relação à China e aconselhava cautela.
Seu raciocínio era que a ênfase da China no PIB criou um problema de excesso de capacidade nos setores de cimento, aço e automotivo. Os enormes investimentos em ativos fixos garantiram um alto PIB, mas diminuíram o retorno sobre o investimento por unidade, enquanto os ativos investidos se depreciaram.
O discurso de Chanos aparentemente cobriu quase todos os problemas na economia chinesa, incluindo o investimento excessivo, a expansão do crédito bancário, o sistema bancário colateral, as dívidas dos governos locais, a bolha imobiliária, a falsa urbanização, a disparidade de riqueza, a corrupção e muito mais.
O que faz as autoridades chinesas mais infelizes é que o julgamento de Chanos também se estendeu ao campo político, dizendo que uma vez que a economia chinesa tem sérios problemas, o grupo de interesse existente entrará em colapso e ruirá.
Com este julgamento político de Chanos, a liderança chinesa ficou convencida de que havia definitivamente uma grande conspiração para “prejudicar a China”. Os autores dos artigos do Diário do Povo parecem ter esquecido os princípios do capital: o capital persegue o lucro e irá para onde puder lucrar.
Parece que esses autores pensam que os investimentos estrangeiros foram à China não para lucrar, mas para ajudar a construir o socialismo na China. Agora, sua partida não é sobre a existência de menos espaço para lucro, mas por uma conspiração longamente planejada contra a China.
Para resumir, em minha opinião, o investimento estrangeiro de países desenvolvidos está de fato sendo retirado rapidamente da China. Grande parte do influxo recente de capital estrangeiro na verdade consiste do retorno de fundos originários da China que passaram por Hong Kong ou outros lugares.
A fim de mostrar que o mercado chinês ainda tem vantagens para atrair investimentos estrangeiros, o Diário do Povo não hesitou em fazer a própria propaganda. No entanto, ele não conseguiu o efeito de esclarecer as dúvidas, mas apenas o propósito de se enganar.
He Qinglian é uma proeminente autora chinesa e economista que atualmente vive nos Estados Unidos. Ela é autora de “China’s Pitfalls”, que trata da corrupção na reforma econômica da China da década de 1990, e “The Fog of Censorship: Media Control in China”, que aborda a manipulação e restrição da imprensa. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea