Mídia americana é usada em disputa de poder na China

13/01/2014 14:08 Atualizado: 13/01/2014 14:08

Uma jornalista chinesa veterana questionou a fonte de informação utilizada nas reportagens da Bloomberg News sobre a riqueza da família do atual líder chinês Xi Jinping. Ela mencionou também o New York Times, que publicou histórias semelhantes, com fontes similares, sobre o ex-primeiro-ministro chinês Wen Jiabao.

Os artigos de grande sucesso dessas mídias foram publicados em meados e no final de 2012, num ano de intensa disputa política na China. O Partido Comunista Chinês (PCC) não achou graça: o website de cada uma delas foi bloqueado imediatamente na China após a publicação dos artigos.

No Ocidente, essas reportagens foram amplamente anunciadas como pioneiras pela forma como pareciam transformar as ferramentas do jornalismo investigativo usado no Ocidente em relação ao opaco sistema político chinês e ao nexo riqueza-poder na China.

Mas os artigos da Bloomberg e do NYT na verdade serviam aos interesses da facção política agrupada em torno de ex-líder chinês Jiang Zemin, que lutava para recuperar o poder em 2012.

Gao Yu, uma jornalista chinesa experiente e premiada por seu trabalho, alegou recentemente que pelo menos a Bloomberg recebeu o material para seus artigos de uma força-tarefa policial secreta dentro do Partido Comunista, a chamada Agência 610.

A matéria de Gao Yu foi originalmente publicada na versão chinesa da Deutsche Welle, uma mídia alemã financiada pelo governo cujas notícias e informações sobre a China são geralmente consideradas credíveis.

Típico de algumas reportagens políticas chinesas, o artigo de Gao faz referências a discussões e cenas envolvendo fontes internas e membros de alto escalão do PCC, nenhuma dos quais é verificável.

Sobre o artigo da Bloomberg sobre a riqueza da família do líder chinês Xi Jinping, por exemplo, Gao Yu escreve: “Tinha de ser o mais sério golpe contra Xi Jinping, que, como futuro líder, vinha agindo com cuidado e exigiu discrição de seus parentes”, segundo uma tradução do site ChinaChange.

E continuava: “Fontes relataram que a tensão era tão grande que Xi Jinping ameaçou abandonar sua posição, e isso foi neutralizado quando sua esposa Peng Liyuan divulgou seus bens pessoalmente perante o Comitê Permanente.”

Sobre o suposto recebimento de informações privilegiadas pela Bloomberg News, Gao Yu escreve: “Pessoas familiarizadas com o assunto revelaram que, após cuidadosa investigação, foi descoberto que as informações recebidas pela Bloomberg [em 2012] vieram da Agência 610, isto é, do escritório chefiado por Li Dongsheng.”

Segundo a mídia estatal Diário do Povo, Li Dongsheng foi recentemente afastado do cargo e submetido à investigação por “graves violações de disciplina”, o que geralmente é uma referência à corrupção ou insubordinação.

“Fontes dizem que Li Dongsheng lhes enviou material sobre todos os membros do Comitê Permanente do Politburo, exceto Zhou Yongkang e Hu Jintao, mas a Bloomberg escolheu publicar apenas sobre Xi Jinping, porque era esperado que ele assumisse a liderança e porque ele estava regularmente nas manchetes”, escreveu Gao Yu. A Bloomberg não respondeu imediatamente a um e-mail solicitando comentários.

Hu Jintao foi o líder chinês antes de Xi Jinping. Zhou Yongkang é o ex-chefe da segurança interna na China e faria parte da facção que rivaliza com Xi Jinping pelo poder.

O outro nome da Agência 610 (assim nomeada pela data de sua criação: 10 de junho de 1999) é “Escritório do Grupo de Liderança Central para Lidar com Assuntos do Falun Gong”. Falun Gong é uma prática espiritual tradicional perseguida brutalmente pelo Partido Comunista. A perseguição começou um mês após a criação da Agência 610. Embora a Agência 610 tenha sido originalmente criada pelo ex-líder Jiang Zemin como uma agência secreta de segurança especificamente encarregada de erradicar o Falun Gong, seu âmbito foi alargado ao longo dos anos.

Gao Yu não alegou explicitamente que o New York Times também recebeu informações privilegiadas sobre os líderes chineses. Ela inseriu uma referência a um artigo de David Barboza, um repórter do NYT, sobre a riqueza acumulada pela família do ex-primeiro-ministro Wen Jiabao e disse que este artigo contribuiu para as “cicatrizes e hematomas” na liderança comunista antes do principal encontro político na China no final de 2012, quando a nova liderança do regime foi definida. Barboza já havia dito que ele usou apenas “documentos acessíveis ao público” em seus artigos.

Alegações semelhantes às feitas recentemente por Gao Yu surgiram em outubro de 2012 de Dong Fang, o correspondente em Pequim do serviço em língua chinesa da Voz da América. Numa transmissão de 26 de outubro, ele alegou que a informação publicada sobre Wen Jiabao foi vendida para outras mídias.

O New York Times e a Bloomberg News enfrentaram até recentemente a perspectiva de terem de fechar todas as suas agências na China, porque as autoridades chinesas retiveram as credenciais de quase todos os seus repórteres no país.