A decisão da Microsoft de oferecer serviços de computação em nuvem na China pode ter causado um grande impacto na mídia na semana passada, mas também levanta uma série de perguntas sobre a problemática da responsabilidade corporativa quando se trata de um regime tirânico.
Na semana passada, a Reuters informou que a Microsoft contrataria 1.000 pessoas na China como parte de um esforço operacional, em que 600 deles trabalhariam num “grande centro de computação em nuvem em Shanghai”.
O Financial Times opinou que a Microsoft perde uma tonelada de dinheiro no país asiático devido à pirataria, afirmando que “a receita total da empresa na China nem sequer corresponde à na Holanda, um país com uma população de apenas 1,3% da China”.
O Times também destacou que “a crítica aberta e agressiva é uma coisa complicada na China… executivos de empresas norte-americanas e europeias são extremamente relutantes em criticarem Pequim abertamente”.
Apenas um dia após o anúncio do novo centro de Shanghai, Bill Gates, cofundador da Microsoft, foi indicado ao lado de Kofi Annan para o Prêmio Paz de Confúcio da China.
No ano passado, o prêmio foi para o presidente russo Vladmir Putin, que atualmente enfrenta a ira internacional sobre a decisão da Rússia de prender três membros de uma banda de rock que o criticavam.
A estratégia da Microsoft para prestação de serviços de computação em nuvem levanta uma série de questões preocupantes que deveria ser óbvia para qualquer um que entenda como a economia mais ampla da internet funciona hoje.
Onde outros temem pisar
Mesmo que o uso da internet na Ásia e China aumente rápido, os operadores de internet, de operadores de cabo e serviços, como AT&T até provedores de aplicações web como o Facebook, têm cautela quando se trata de prestação de serviços de rede ou de software na China. A maioria dos ISPs e empresas web mantem pontos de presença (POPs) em lugares como Taiwan, Japão e Singapura, com alguns poucos bravos estabelecendo operações menores em Hong Kong.
A maioria dos provedores prefere evitar a China, mas não devido a uma falta de entusiasmo econômico (embora a economia chinesa dê falsas esperanças segundo muitos especialistas). A hospedagem de redes e serviços de software em curso na China é uma caixa de Pandora cheia de problemas políticos, muitos intimamente relacionados com a censura do regime do Partido Comunista Chinês (PCC) e as repercussões brutais contra cidadãos presos que tentam romper essa censura.
“É esperado e exigido das empresas ocidentais que negociam na China que cumpram as ‘leis’ chinesas, incluindo leis e regulamentos que restringem os direitos do povo à liberdade de expressão e de crença, criticar funcionários do governo e até mesmo meditar em espaços públicos”, disse o Dr. Frank Tian Xie, professor-assistente de Marketing na Escola de Administração da Universidade da Carolina do Sul–Aiken. “Pouco tempo atrás, empresas estrangeiras, como suas homólogas chinesas, foram solicitadas a demitir ou não contratar praticantes do Falun Dafa, uma prática espiritual baseada nos princípios da verdade, compaixão e tolerância. Infelizmente, algumas empresas estrangeiras seguiram essa ordem, ainda que fosse contra a lei em seus próprios países.”
Devido a vários riscos de mercado, financeiros e legais associados com a operação nos limites do mercado chinês, o Facebook ainda não estabeleceu operações na China, embora tenha testado as águas num relacionamento de longa data com o gigante chinês Baidu.
O Twitter atualmente também não entrou e seu anúncio em janeiro de 2012 de que poderia censurar mensagens “seletivamente” em certos países foi recebido com enorme repercussão online enquanto usuários perguntavam se o microblogue estaria planejando estrar na China com esse recurso.
O Google tomou o passo mais corajoso em janeiro de 2010 quando decidiu sair do negócio de busca na China, após a “Operação Aurora”, que seria um ataque de hackers sancionado pelo Estado chinês contra o gigante da busca.
Não apenas os provedores de serviços de aplicações enfrentam esse dilema. Fornecedores de serviços de hardware que fornecem serviços em longo prazo, incluindo provedores globais como AT&T, também enfrentam esse desafio. Qualquer pacote que transite de sua rede na China está sujeito às mesmas políticas que o regime chinês usa para seus objetivos políticos internos, para abafar o debate de determinados temas e prender dissidentes, como praticantes do Falun Gong e ativistas de direitos humanos, por exemplo.
Enquanto o cheiro do dinheiro pode ser sedutor, a maioria das empresas no Ocidente tem sido forçada a pensar duas vezes sobre prestar tais serviços na China.
Se o fizerem e cumprirem com os ditames do regime chinês, elas poderiam enfrentar uma reação pública em casa, entrando em conflito com políticas de seus países de origem e enfrentando pesadas multas. Por esta razão, a maioria das empresas tem permanecido fora da China e estabelecido suas operações em países vizinhos da China, assim fornecendo serviços à China e outros países asiáticos, enquanto evitam problemas complicados.
Agora, isso não representa um problema para revendedores atacadistas de hardware e software, como Microsoft, Dell e Cisco Systems, porque podem continuar a vender seu hardware ao negar responsabilidade pela forma como é usado.
Essa tática pode absolvê-los da responsabilidade em alguns casos, mas não de toda. A ação movida na Califórnia no ano passado pela Fundação Legal de Direitos Humanos em nome de praticantes do Falun Gong acusou a Cisco de modificar seus produtos para rastrear praticantes. A ação alegou que praticantes foram torturados e, em um caso, espancado até a morte, como resultado da ajuda que a Cisco deu ao regime.
O caso legal chocou da indústria de tecnologia e levou muitos grandes fornecedores varejistas a repensar sua estratégia na China.
Acordo faustiano da Microsoft na China
Mas nada disso parece ter detido Redmond, a sede de Washington da Microsoft. A gigante de software, que foi duramente atingida pela desaceleração na demanda por PCs, manteve-se rentável através de uma série de medidas que deixou alguns observadores confusos.
Pouco depois de o Google sair da China, o CEO da Microsoft, Steve Ballmer, teria dito alegremente que sua empresa viu isso como uma oportunidade para expandir sua participação no mercado de motores de busca da China, mesmo que isso significasse se conformar com as regras opressoras da internet chinesa.
Pouco depois de sua aquisição do Skype por 8,5 bilhões de dólares, a empresa registrou uma patente para tecnologia de “interceptação legal”, que foi projetada especificamente para ser usada com serviços VOIP como o Skype, e também falhou em responder ou negar relatos de “espionagem do Skype”.
Já em 2008, uma equipe de pesquisadores descobriu que o Skype havia ajudado o PCC a interceptar e monitorar informações sensíveis compartilhadas em redes Skype.
Os planos da Microsoft de computação em nuvem são motivo para mais preocupação. A maior concorrente da Microsoft e o gorila peso-pesado no mercado de nuvem, a Amazon.com, tem POPs asiáticos no Japão e Cingapura e não comentou sobre qualquer plano para se mudar para a China.
Com a crescente demanda por serviços de computação em nuvem, juntamente com a penetração lenta da Microsoft em computação em nuvem na maioria dos mercados, a empresa parece estar empurrando o envelope para fornecer tais serviços na China, um lugar onde outros temem pisar.
O movimento, naturalmente, significará que todos os serviços que a Microsoft oferece na China correm o risco de serem usados pelo regime para repressão. A Microsoft pode não ter a intenção que sua nuvem faça o Estado policial chinês mais eficaz, mas, uma vez que a Microsoft se apresente, é um risco que se corre.
Talvez o cofundador do Google, Sergey Brin, comente melhor sobre isso numa entrevista dada logo após o Google sair da China em 2010. Destacando especificamente a Microsoft, ele disse, “Espero que as empresas maiores não coloquem o lucro à frente de todo o resto. Geralmente, as empresas devem prestar atenção a como e onde seus produtos são utilizados.”