Quando falamos sobre “meridianos de energia” muitas pessoas franzem suas testas como se estivéssemos falando sobre antigas superstições sem caráter científico. A medicina oriental possui bases científicas diferentes da ciência contemporânea ocidental. Trata-se de uma ciência empírica embasada em um rico conteúdo e uma longa história de observações e experimentações clínicas.
O desenvolvimento da acupuntura e da moxabustão (aquecimento ou cauterização dos pontos de acupuntura) proporcionaram a base para o desenvolvimento da teoria dos canais. De acordo com uma teoria, a estimulação de alguns pontos proporcionavam uma sensação que se transmitia ao longo de uma linha. Outras observações interessantes é que quando surgiam alterações em uma área, tecido ou ponto, havia prejuízo funcional nesses trajetos e também produziam-se sintomas interiores. Com mais tempo de observação percebeu-se que alterações internas no organismo geravam também manifestações externas como mudança de coloração, textura, temperatura e também de funcionalidade.
O Suwen (“Assuntos Fundamentais” -livro clássico da Medicina Tradicional Chinesa) é fortemente influenciado pela escola naturalista e nos diz que tudo o que é manifestado provém da atividade sutil, imperceptível aos sentidos humanos. Buscar a resposta para essas questões pelos métodos científicos que dispomos não invalida o que está descrito nos textos clássicos, apenas comprova que a nossa ciência não é um indicador absoluto para definir tais questões.
Atualmente, consideramos que o corpo humano possui 12 canais regulares, 12 canais de conexão e 8 canais extraordinários, todos conectando órgãos, vísceras, tecidos do corpo, regiões, ligando o externo ao interno em uma circulação incessante que mantém a estrutura humana. Nesses trajetos encontramos 365 pontos de acupuntura, iguais aos dias do ano. Nos 12 canais temos uma divisão semelhante aos meses, os oito canais extraordinários nos remetem às 8 direções da rosa dos ventos (pontos cardeais). Essa classificação foi realizada visando práticas de técnicas como as da acupuntura e moxabustão.
Algumas contribuições importantes foram acrescentadas pelos praticantes de métodos que usam energia para cultivar o corpo e a mente (qigong). Algumas dessas práticas forneciam, de acordo com o seu conhecimento específico, informações sobre a circulação de energia no organismo.
As práticas de qigong variam em seus fundamentos. Algumas escolas cultivavam o interior do ser, em quietude, através de práticas como o Dao Yin. Outras faziam o cultivo externo, como é comum nas práticas marciais onde se faz o fortalecimento da superfície do corpo. Algumas cultivam simultaneamente o interior e o exterior. As principais escolas de cultivo são a Escola Buda e a Escola Tao.
No livro Zhuan Falun, de Li Hongzhi, é dito que o corpo humano tem milhares de canais de energia, que esses canais entrecruzam-se horizontal e verticalmente e estão presentes até mesmo nos espaços entre os órgãos internos.
A essa altura alguns leitores podem se perguntar: “Se há tantos canais assim, por que a descrição que temos é apenas a descrita na literatura moderna, que conta somente com pouco mais de 30 canais de energia? Na verdade, não há contradição, apenas temos o conhecimento do uso terapêutico das vias utilizadas para a prática da acupuntura, moxabustão, tui-ná, shiatsu.
Mediante uma avaliação criteriosa, podemos tratar uma afecção com um mínimo de pontos, pois todo o organismo está conectado, e um simples ponto pode provocar um estímulo em uma área, tecidos, num órgão interno, num órgão do sentido, entre outros.
Alguns estudos têm sido realizados para verificar a presença dos meridianos de energia. Estes não possuem uma base material compatível com as expectativas da ciência ocidental, que acredita que toda a atividade é transmitida pelo sistema nervoso.
Segundo Elisabeth Rochat, “Os trajetos são maneiras de expressar a função, não sendo valorizados pela expressão anatômica tangível. O canal não é uma via, mas o regulador das funções de uma área”.
Sendo assim, os canais servem como reguladores da energia vital. Alterações nos canais provocarão mudanças na funcionalidade. Traumas, cicatrizes e alguns tipos de ferimentos são potencialmente danosos à circulação de energia e podem gerar prejuízos funcionais.
Como estamos abordando uma ciência empírica, peço que estejam abertos a experimentar por si mesmos os efeitos dessas práticas e a conhecer suas teorias de base com profundidade.
No passado fui cético e possuía muita resistência à medicina tradicional chinesa, por não ser científica dentro de meu conhecimento. Quanto tive oportunidade de aprofundar meus conhecimentos, percebi o quão profundo e extenso é o conhecimento do oriente que integra o homem, a vida e o universo, que proporciona condições de compreender a natureza das afecções, sua evolução e também meios para a restauração da saúde de forma holística.
Isaac Padilha Guimarães Júnior é fisioterapeuta, especialista em acupuntura e professor titular do Instituto Brasileiro de Acupuntura e Moxabustão de Porto Alegre (Ibrampa)