Mercadores de ilusão

03/04/2014 12:42 Atualizado: 03/04/2014 12:42

“O que procuramos é um sistema eficiente sob um estado de direito, no qual tudo dependerá da cultura e moralidade individual dos integrantes.” – J. O. Meira Pena

Existe uma espécie de intelectual que vive num mundo de “faz de conta”. Muitos deles são pessoas de alta cultura, navegaram por grandes leituras e passaram por notáveis universidades (no Brasil e no exterior). Eles têm uma grande importância, pois dispõe do tempo que não existe quando se vive na labuta diária. A realidade é dura. Os mais notáveis, após passarem pelo mercado ou qualquer outro ofício (privado ou estatal), nos ajudam a abstrair e refletir. Outros tentam impor suas ideias após o estudo obsessivo das mais diversas teorias, com um viés um tanto quanto totalitarista.

Parte desses últimos constitui verdadeiros “Mercadores de ilusão”. Como lhes falta o sentimento prático, sentem-se no direito de “criar” uma realidade paralela, sem consideração pela natureza humana. No campo liberal isso é extremamente curioso. É complicado, na minha modesta opinião, defender ideias sem um mínimo de visão sobre a realidade. Ainda que de relance, isso contribui para o desenvolvimento da compreensão.

Não há dúvidas de que o capitalismo foi muito mais um fenômeno humano do que a experimentação de uma tese. Ele não nasceu em tubos de ensaio. O comunismo, por sua vez, redundou na imposição de teses aos indivíduos, desconsiderando a natureza humana. Resultado: genocídio, fim da liberdade individual, patrulhamento ideológico e por ai vai…

Antes de escrever “A Riqueza das Nações”, e.g., Adam Smith apresentou “A teoria dos sentimentos morais”. Interpreto, pela sequência das obras, que a moral de uma sociedade possui um papel importante na chamada “mão invisível”.

Pois bem. Abstraindo essas considerações iniciais, meu objetivo é tratar de um fenômeno latente: (i) o crescente pensamento anárquico (seja de esquerda ou de “direita”) que despreza o Estado como um todo; e, (ii) a condenação veemente em face de opiniões sobre ética e moral.

Vamos ao primeiro ponto: o desprezo pelo Estado. Há uma passagem muito importante do embaixador J.O. Meira Pena, em sua obra “Da Moral em Economia”, que dispõe o seguinte: “O liberalismo, como sempre sustenta o professor Og Leme, exige a força do estado de direito, theruleoflaw como dizem os anglo-saxões. O paradoxo, que nossos adversários tão dificilmente entendem, é que queremos, ao mesmo tempo, um Estado mínimo que seja igualmente um Estado forte.” (p. 251)

Em sua conclusão, o ilustre embaixador, salienta: “A tese que estamos propondo é que, em seu próprio nível, o sistema de mercado é friamente indiferente e nada tem a ver com moralidade, salvo no que diz respeito às necessárias virtudes de prudência, trabalho, parcimônia e honestidade nas transações, com respeito ao princípio legal que os contratos devem ser respeitados. Acima de tudo, o tipo ‘Contrato Social’ implícito que disciplina a sociedade.” (op. cit. p. 361)

Em outras palavras, acredito ser muito difícil – quiçá impossível – abolir o Estado. Há necessidade de um mínimo de organização, regulamentação e coerção. Há, também, que se preservar, sem intervenção estatal, um mínimo de normas morais para o convívio em sociedade. O anarquismo – em minha opinião – descambaria para a barbárie. A força de cada indivíduo seria o divisor de águas. O Estado precisa de limite e devemos manter uma vigilância constante. Devemos evitar o “Big Brother”; mas, não, destruir o estado de direito.

Quando ao segundo ponto. Para evitar qualquer mal entendido, deixo claro não defender que se legisle, indiscriminadamente, sobre questões morais ou éticas. Mas, a prerrogativa de expressar opiniões – ínsita ao conceito de liberdade – não pode ser desprezada. Libertários, liberais, socialdemocratas e conservadores têm todo o direito de tecer comentários sobre essas questões da forma que melhor lhes aprouver. De outro modo, estaríamos, contraditoriamente, limitando a liberdade de expressão, em prol de um patrulhamento ideológico liberal. Vejam o tamanho do nonsense

O garantia de poder falar uma bobagem homérica é um direito inalienável de qualquer cidadão livre, inclusive de socialistas, comunistas, nazistas e alienados. Sem isso, com uma mordaça na boca, o debate morre e a ditadura nasce. Um liberal, por exemplo, não pode estar impedido de defender pontos que concorda com um conservador. Isso é coisa de “Fla x Flu”.

Enfim, tudo o que tentei apresentar nesse texto rápido visa demonstrar minha opinião sobre: (I) a ideia anárquica; e, (II) o repúdio aos comentários sobre moral e ética. Por mais que já tenha tentado entender, não consigo conceber o funcionamento de uma sociedade anárquica. Aliás, isso seria mesmo uma “sociedade”? De outra ponta, a pluralidade de pensamento e a liberdade de expressão devem ser respeitadas. Vejam que não estou defendendo, de forma alguma, a liberdade de agressão. Por fim, mais uma opinião: acredito que a profusão de “teses sobre teses”, sem considerações empíricas, têm estimulado essa dicotomia paranoica, sem sentido que só interessa aos “Mercadores de ilusão” – que, no passado, eram os queridinhos da esquerda. Espero, sinceramente e com esperança, que o bom senso prevaleça sobre a paixão idealista, dando lugar ao pensamento crítico com uma pitada – ainda que leve – de realismo pragmático.

Leonardo Correa é advogado. LLM pela Universidade da Pensilvânia.

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Liberal