Mens sana in corpore sano é uma frase que ecoa há séculos e sobre a qual sabemos pouco e refletimos ainda menos.
Sua tradução do latim para o português significa mente sã num corpo sadio, e é uma máxima escrita pelo poeta e retórico romano, Décimo Júnio Juvenal.
Juvenal, que viveu em Roma entre o primeiro e o segundo século ( I a II d.C.), escrevia sobre a sociedade romana, seus costumes, suas condições éticas e morais, a partir de uma visão realista e crítica, com inteligência aguda e, em geral, na forma de humor sarcástico.
A frase mens sana in corpore sano pertence ao seu texto Sátira X e reflete a sua crítica ao estilo de vida dos romanos, que, naquela época haviam se tornado, em geral, materialistas fúteis, que desejavam e pediam em suas orações coisas como poder, riqueza e filhos:
“Deve-se pedir que se tenha mente sã num corpo são,
Embora, ao revés, tu peças algo mais e prometas nos templos
As entranhas e as lingüiças divinas dos porcos brancos.
Peça um ânimo forte, isento do terror da morte,
Como quem põe o extremo espaço da vida entre os dons da natureza,
Como quem possa suportar alguns labores,
Saiba não se irritar, nada deseje e antes
Creia melhores as provações de Hércules e as penosas tarefas
Do que tanto o prazer amoroso quanto banquetes, bem como as plumas de Sardanapalo.
Eu mostro o que podes encontrar em ti mesmo: o caminho
Único da tranqüilidade certamente abre-se pela virtude de vida.
Não tens nenhum poder, Fortuna, se houver prudência.
Nós, apenas nós, te tornamos deusa, ó Fortuna, e te colocamos nos céus.”*
Aproveitando a crítica de Juvenal, pergunto se a nossa sociedade atual não se assemelha bastante à antiga sociedade romana, na qual o desejo pela opulência material, pelo poder e pelos prazeres sensoriais dirigiam as pessoas.
E o que nos mantém pateticamente anestesiados e atados a essa corrente? Podemos responder com outra máxima de Juvenal: Panem et circenses (comida e diversão). O que realmente desejamos é a saciedade e os gozos da vida, e isso os shopping centers, os campeonatos de futebol, a televisão, e a montanha de bens de consumo de última geração cumprem satisfatoriamente.
O que nos restou de um espírito são num corpo sadio? Não muito, já que a nossa mentalidade geral se igualou e até ultrapassou em termos de materialismo, frivolidades e egocentrismo a mente dos antigos romanos.
E quanto ao corpo, é inegável a degeneração maciça da saúde da humanidade atual: estamos repletos de doenças crônicas degenerativas, que nos tornam pessoas doentes, cronicamente dependentes de estimulantes, antidepressivos, sedativos, analgésicos e infinitos suplementos.
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Mas, temos uma saída?
Sim, temos. Mas, enquanto estivermos vivendo orientados pela nossa mentalidade superficial, que encara o mundo como um lugar a ser desfrutado para o prazer dos sentidos – o que exige autodefeza, poder, violência e ardis para buscar e desfrutar continuamente esses prazeres – nós não saíremos do lugar, e, pior, continuaremos lutando por uma vida sem sentido e caminhando para a nossa auto-destruição.
Nosso eu precisa estar orientado pelas questões do espírito humano – evolução da consciência e do caráter; sentimento de coletividade; aprendizado e refinamento da inteligência etc – o que fatalmente levará a novas formas de organização social, a estilos de vida consciente e naturalmente saudáveis e ao reconhecimento e eliminação daquilo que é inútil e supérfluo.
Uma postura imbuida de sentido existencial, de conexão com o seu próprio interior, de nobreza de disposição, de silêncio mental e profundidade leva ao reconhecimento do valor intrínseco das coisas, do certo e do errado, do saudável e do nocivo, e permite o surgimento de outras habilidades humanas que estão adormecidas em nós devido ao padrão materialista, obtuso e autoenclausurado no qual vivemos.
A degeneração humana atual, que compreende a nossa decadência psicológica e o decréscimo da saúde geral das pessoas, não é fruto de nenhuma outra coisa a não ser da nossa falta (real) de sentido e conexão espiritual, que subutiliza nossas capacidades e qualidades humanas inatas (o nosso estado ideal de consciência e as nossas virtudes) e enfatiza os nossos estados mais instintivos e autocentrados.
Afinal, pelo que você está pedindo?
Pelo que estamos pedindo?
O nosso presente nos brinda com a beleza de uma mente límpida, um coração feliz e um espírito nobre e sereno?
E o que nos reserva o futuro: um caminho harmônico, profundo e inteligente?
Ou já escolhemos o embotamento, o entorpecimento e a busca incessante e incansável pelo conforto pleno, pelos prazeres e pela diversão sem fim?
A escolha entre mens sana in corpore sano ou panem et circenses é a escolha entre a integridade da consciência e a felicidade verdadeira e a ilusão do prazer contínuo e a consequente infelicidade do vazio existencial.
Espero que você escolha por uma mente sã num corpo sadio para você e todos que estão ao seu redor.
*[A SÁTIRA X, DE JUVENAL – Prof. Dr. Amós Coêlho da Silva (UERJ)]