Tom Carter, um fotógrafo e editor baseado em Shanghai, publicou no ano passado uma coleção de duas dezenas de reminiscências de estrangeiros sobre a China e suas experiências no país. Colaboradores incluem escritores conhecidos no pequeno mundo de expatriados que, pelo menos momentaneamente, chamaram a China de casa.
Não há tema, e pouca prescrição parece ter sido oferecida por Carter a seus colaboradores: cada entrada é de mais ou menos uma dúzia de páginas, e consiste numa vinheta sobre a vida na China. Inevitavelmente o que se destaca é a diferença entre a realidade onipresente cujos escritores estão familiarizados em seus próprios países (geralmente os Estados Unidos) e a que os confronta agora.
Todos os testemunhos são diretos e sem retoques. Michael Levy, cujo ensaio aparece primeiro no livro, foi convidado a forjar aplicações de candidatos chineses a escolas estrangeiras por US$ 1.000 cada.
“Eu parei de respirar. Eu teria um total de dezoito alunos. Cada um de seus ensaios demoraria não mais do que algumas horas”, escreve Levy. “Meu suor piorou enquanto meus nervos se misturavam com o calor. Eu tomei um gole de café, engoliu em seco e esquadrinhei desconfiado os consumidores conspícuos na Starbucks.” Muitos dos outros ensaios são igualmente agradáveis de ler.
No caso de Levy, ele recusou a oferta por que uma coisa engraçada avivou sua consciência. Parecia incompreensível para o sr. Mao, um agente de admissões para pais chineses ricos que queriam que seus filhos frequentassem escolas privadas americanas. O cinismo generalizado de seu ambiente permitiu que o sr. Mao acreditasse que a oferta não era trapaça, mas simplesmente dar as crianças uma chance. Por um monte de dinheiro.
Matthew Polly, outro contribuidor, pagou para ser espancado por monges Shaolin (embora isso tenha sido chamado de “treino”). Para ganhar dinheiro, ele teve a ideia de vender camisetas pintadas à mão. “Uma das primeiras coisas que aprendi durante minha estadia”, escreve Polly, “é que os chineses gostam de negociar. Eles gostam tanto que, mesmo depois de chegar a um acordo, frequentemente eles reabrem as negociações apenas para poderem fazer tudo de novo.”
Ele foi derrotado por um empresário local, num negócio de camisa, apesar de compartilhar cigarros estrangeiros e embebedar o homem com licores chineses. Polly tentou se tornar tão chinês quanto os chineses, mas ele nunca seria realmente chinês, como todos os estrangeiros na China acabam percebendo.
Enamorado e sufocado
Matt Muller, um ex-fuzileiro naval, foi para a China ensinar inglês: claro, muitas situações engraçadas ocorreram. Kay Bratt escreve sobre como seus filhos aprenderam chinês brincando com outras crianças. Dan Washburn comeu orelhas de porco e ficou bêbado com vinho de milho. Kaitlin Solimine viveu com uma família chinesa num apartamento minúsculo. Rudy Kong se envolveu numa luta de hóquei no gelo. Nury Vittachi foi roubado. E assim por diante.
Todos os estrangeiros mostram como ficaram pessoalmente encantados com a China, os chineses e sua língua.
Eles também revelam os contornos da sociedade chinesa contemporânea, modelada à imagem do Partido Comunista Chinês, que governa a China desde 1949. Questões políticas ou o próprio Partido Comunista não são muito abordados, mas há uma sensação sufocante ao longo do livro de que há algo distorcido na forma como a China funciona, e como o sistema político que a sustenta parece estar sempre à espreita em algum lugar no fundo.
Graham Earnshaw, por exemplo, abriu uma empresa que administrava um website chamado ‘Shanghai-ed’, e também tentou outros empreendimentos editoriais. “Operar nos interstícios da sociedade comunista chinesa era ao mesmo tempo emocionante e incerto”, escreve ele. “Não havia regras. Ou melhor, havia apenas uma regra: que nada é permitido. Mas o corolário, que revela o verdadeiro gênio do amor da China pelo cinza – em contraste com o preto e branco do Ocidente – é que tudo é possível. Nada é permitido, mas tudo é possível.” (Se “gênio” é a palavra certa para essa contradição peculiarmente moderna é outro assunto.)
“É apenas uma questão de encontrar a forma certa para justificar o que você está fazendo”, acrescenta ele. Seu jornal foi fechado após uma publicação estatal (cujos dólares de publicidade ele estaria presumivelmente tomando) ficou sabendo a respeito. Anos mais tarde, ele teve outro negócio de publicação, que se tornou altamente rentável, mas que foi roubado por outras autoridades predadoras. E assim as coisas seguem na China.
As duas dezenas de contos documentam uma variedade impressionante de experiências, e pintam um retrato da China, que é ao mesmo tempo repugnante e fascinante. Há uma semelhança com o sentido de “peixe fora d’água” que aparece em cada ensaio, mas ao mesmo tempo a experiência da China como o Outro tem um pedigree respeitável.
Como Simon Leys, um sinólogo belga ímpar, gostava de citar André Malraux, um novelista francês que escreveu há quase um século: “A China é o outro polo da experiência humana.” “Elementos desagradáveis” mostra que isso permanece verdadeiro até hoje.