Massacre em Kunming: Autoridades prontamente controlam narrativa

07/03/2014 11:38 Atualizado: 07/03/2014 11:38

Não muito tempo depois de um grupo de oito homens e mulheres vestidos de preto, armados com facas longas, matar pelo menos 29 pessoas e ferir 143 numa estação de trem no Sul da China, os censores chineses logo assumiram o comando firme da narrativa histórica.

Artigos e fotografias sangrentos apareceram inicialmente em quantidade desde o massacre em 1º de março, mas o alvoroço foi rapidamente reprimido, não devido à falta de interesse público, mas por ordem do Departamento Central de Propaganda do Partido Comunista.

A ordem diz, segundo o China Digital Times: “A mídia que reportar sobre o incidente com faca que ocorreu em 1º de marco na Estação Ferroviária de Kunming deve aderir estritamente à versão da Agência de Notícias Xinhua ou à informação fornecida pelas autoridades locais. Não dedique grandes manchetes a história, não publique fotos chocantes.”

A reportagem oficial da Xinhua de 3 de março, que a mídia chinesa foi obrigada a seguir, tinha apenas dois longos parágrafos. O primeiro parágrafo dizia que o chefe de segurança do Partido Comunista Chinês, Meng Jianzhu, visitou as vítimas no 1º Hospital Popular de Kunming. O segundo parágrafo descreve brevemente o ataque, classificando-o como o ato de um “grupo terrorista violento”, liderado por Abudurehim Kurban, que eles identificaram como o líder.

Nenhum dos grandes jornais diários na China fora de Yunnan publicou a história em suas primeiras páginas. Muitas mensagens da internet foram excluídas. A revista Time observou que, mesmo o Diário de Kunming, o jornal local onde o incidente ocorreu, publicou apenas o artigo de dois parágrafos da Xinhua em sua primeira página, juntamente com um breve editorial escrito no jargão padrão do Partido Comunista. De acordo com a Xinhua, quatro dos assaltantes foram baleados, uma mulher foi presa, e outros três foram capturados depois.

Eficiência perturbadora

Verificando relatos de testemunhas oculares postados em websites de microblogue da China, os assaltantes pareciam ser altamente organizados e extraordinariamente hábeis. O internauta Zuo Ruxing postou no Weibo que cada vítima foi despachada com eficiência perturbadora pelos assaltantes: “Os assassinos deram um golpe por vez antes de imediatamente passar para a próxima vítima, sem parar, constantemente à procura de novos alvos para o abate.”

Outro internauta diz ter ouvido um policial dizendo que não havia “nenhuma segunda facada” em qualquer uma das vítimas. O método sugere que os assaltantes eram bem treinados. Uma vítima é mais propensa a morrer de uma perfuração do que de um corte, e por isso a doutrina militar no uso da espada muitas vezes favorece estocadas fortes. O treinamento aparente dos assaltantes, a acusação quase que imediata – dentro de horas – de separatistas de Xinjiang, juntamente com o local do ataque, levantaram suspeitas entre os internautas chineses.

Ecos de Bo Xilai

Alguns observadores notaram que a estação de Kunming é perto da base militar nº 14 da China. A proximidade do ataque a esta base militar em Kunming pareceu acionar a emergência de rumores online sobre intrigas políticas. A base militar tem ligações com um ex-membro desgraçado do Politburo, Bo Xilai, que fazia parte da facção rival ao atual líder chinês Xi Jinping.

Segundo o Wall Street Journal, os laços de Bo com a base “alarmaram Pequim” quando ele a visitou em 2012, notando que “era o lar do 14º Batalhão do Exército, um descendente direto das forças de guerrilha lideradas por seu pai na década de 1930”. Depois que Bo Xilai caiu, o prefeito de Chongqing, Huang Qifan, expôs que Bo controlava pelo menos dois dos exércitos de campo da China.

Também houve rumores de que em meio à turbulência política que levou à condenação de Bo à prisão perpétua, o 14º batalhão em Kunming havia apoiado Bo. Os rumores foram alimentados por relatórios de que o Comitê Militar Central do Partido Comunista Chinês enviou cinco grupos para investigar as relações entre Bo e as bases militares em Kunming, Guizhou, Sichuan e Chongqing. A base do 14º batalhão em Kunming estava na lista de investigação.

Teorias de conspiração

Internautas chineses que estavam insatisfeitos com a forma como as autoridades trataram a história – sufocando a discussão e a investigação independentes, enquanto afirmavam incisivamente o vínculo dos agressores a Xinjiang – sugeriram suas próprias teorias de conspiração por trás do ataque. Como a versão das autoridades chinesas sobre os eventos, não há evidência independe verificável dessas especulações sobre a identidade e motivação dos atacantes.

O internauta Gulang Mosan comentou: “Você não acha que esses canalhas fardados parecem familiares? Assim como aquelas figuras bem-treinadas e fortes que incitaram a multidão a esmagar carros japoneses na campanha anti-Japão ‘Defendamos as Ilhas’…”

O movimento ‘Defendamos as Ilhas’ foi uma série de protestos em 2012, aparentemente de base popular, destinado a apoiar a soberania da China sobre as ilhas Senkaku, que são controladas pelo Japão. Os protestos foram autorizados pelas autoridades, mesmo depois que se tornaram extremamente violentos.

Como regra geral, o Partido Comunista não permite a liberdade de reunião. Observadores atentos notaram sinais de que alguns dos líderes mais enérgicos do protesto eram afiliados com o aparato de segurança pública do Partido Comunista. O ano de 2012 foi cheio de especulações sobre intrigas políticas na China, após a prisão de Bo Xilai e sua esposa. Alguns, portanto, associaram os protestos a remanescentes da facção de Bo, tentando criar problemas antes da transferência de poder para Xi Jinping em novembro do mesmo ano.

Outro internauta observou no Weibo que os assaltantes usavam uniformes – o que foi amplamente reportado – e vários elementos do ataque, incluindo seu aparente conhecimento sobre o uso militar de facas, sugerindo que “eles planejaram por muito tempo”. O mesmo internauta destacou que o incidente ocorreu antes das próximas “duas sessões” – o Congresso Popular Nacional e a Conferência Consultiva Política Popular – em 5 de março.