Tentar adivinhar resultado de eleição com 12 meses de antecipação é como tentar adivinhar o resultado de uma disputa de pênaltis: você pode saber as estatísticas do confronto, o contexto da disputa e a história de cada um dos envolvidos, mas o que sobra no fim das contas é apenas adivinhação e um pouco de torcida. No final da janela de transferências, a movimentação de Marina Silva, e principalmente de Eduardo Campos, confundiu um pouco os espectadores e ampliou o leque de possibilidades para as eleições presidenciais do ano que vem.
As disputas presidenciais concentradas em candidatos do PSDB e candidatos do PT acostumou boa parte dos observadores da política a verem as articulações em preto e branco. Até o aparecimento de Marina Silva em 2010, e com a exceção das candidaturas de Roseana Sarney e Ciro Gomes ainda no início da campanha em 2002, nenhum outro candidato conseguiu se colocar de fato como alternativa viável a tucanos e petistas. Focando a análise em apenas duas forças majoritárias, as atenções se concentravam no crescimento de um lado e no consequente enfraquecimento do outro, sem muito espaço a terceiros ou quartos partidos que pudessem desempenhar o papel de kingmakers no segundo turno.
As coisas ficaram um pouco mais complexas desde que Marina Silva, ex-senadora e ex-ministra, rompeu com o PT em 2009, depois de quase 25 anos de filiação. No ano seguinte, Marina obteve quase 20 milhões de votos nas eleições presidenciais, mesmo tendo direito a menos de dois minutos no horário eleitoral obrigatório. Marina pode não ser a cara nova cheia de virtudes da política nacional, como imagina ser. É provável que ela também não seja a aproveitadora que usa o discurso da novidade para iludir o eleitor, enquanto faz política tradicional por baixo dos panos, como acusam seus detratores. O que Marina é, ou foi em 2010, um o fato novo. Ela encontrou, com poucos recursos, quase 20% dos votos em um país dividido entre tucanos e antitucanos, entre petistas e antipetistas. E isso não é pouca coisa, apesar do tom quase paternalista com que tratam seus eleitores, os sonháticos – os sonhadores, claro, são sempre os outros.
Marina queria o seu próprio partido, a Rede Sustentabilidade, um movimento que, segundo ela, estaria fora da política, apesar de registrado como um partido político e ter políticos entre os seus membros. A motivação dos seus co-fundadores parecia ser diversa: Marina Silva queria uma legenda pura; Alfredo Sirkis preferia que o movimento permanecesse uma rede e não um partido político; Miro Teixeira procurava uma alternativa ao sufocamento político que sofria no PDT fluminense e concorrer ao governo do estado. Quando o tribunal anunciou que rejeitava o pedido do grupo de Marina, Campos ofereceu-lhe um plano B: abrigo para ela e seu grupo no PSB, garantias de que o partido não entraria na justiça para pedir os mandatos dos marineiros eleitos pela legenda e parceria para concorrer à presidência da república. Nada mal para um plano B.
Do desabrigo depois da decisão do TSE até o anúncio do acordo com Campos, Marina passou dois dias reunida com dirigentes de vários partidos. Indo para o PSB, ela não só contrariou todas as previsões dos analistas – cujas previsões colocavam-na em partidos inexpressivos ou no PPS –, mas juntou forças com ex-menino de ouro e atual ovelha negra da coalizão governista. Mesmo que as pesquisas ainda não mostrem avanços da candidatura de Campos,mas o contrário, os estrategistas petistas, e principalmente os tucanos, devem saber que Marina e Eduardo têm chances de ameaçar o protagonismo que PT e PSDB exercem nas eleições presidenciais desde 1994.
A narrativa dos governistas parece prever que a chapa Campos e Marina, ou Marina e Campos, dividirá os votos da oposição, o que acabaria enterrando a candidatura de Aécio Neves e entregando a reeleição à presidente Dilma. A narrativa da parte da oposição que apóia Aécio faz referências “às oposições”, no plural, como se elas se vissem como partes do mesmo campo e aliados naturais em um eventual segundo turno, apesar de admitirem diferenças nos seus projetos.
Nos próximos meses, deveremos observar com atenção dois movimentos. Um deles é a disputa entre as chapas do PT e do PSB pelo posto que chamaremos de “centro-esquerda moderada”, visando empurrar o adversário para o campo “esquerda indesejável”. O primeiro passo já foi dado por Marina Silva que, ao anunciar a sua adesão à chapa de Eduardo Campos, menciona o “chavismo que se instalou no Brasil”. O campo de Dilma deverá contra-atacar com as consequências indesejáveis que as ideias ecológicas de Marina poderiam trazer às indústrias e ao desenvolvimento.
O outro movimento que devemos observar será a estratégia da candidatura de Aécio Neves. O candidato do PSDB tem a possibilidade de se colocar como “a única verdadeira alternativa de mudança na política econômica”, concorrendo como uma alternativa mais liberal contra duas candidaturas de centro-esquerda. Será que Aécio dobrará as suas apostas na economia de mercado, no empreendedorismo, na apresentação de uma proposta menos estatista para as eleições de 2014 ou repetirá o erros das últimas três candidaturas tucanas à presidência, disputando com o PT, e agora com Campos Marina, a centro-esquerda?
Magno Karl é Diretor de Políticas Públicas do Instituto Ordem Livre e autor do blog Menos Política.
Esse artigo foi originalmente publicado pelo Instituto Ordem Livre