Malhação: como funcionam os suplementos de creatina

31/10/2013 12:24 Atualizado: 05/11/2013 14:00

A creatina é um suplemento popular desde os anos 1990, usada principalmente como um “atalho” para ganhar massa muscular. Mas como ela funciona? Ou melhor, funciona?

“A creatina é um ácido orgânico sintetizado naturalmente no corpo humano a partir dos aminoácidos metionina, glicina e arginina”, explica Casey Jackson, personal trainer certificado de Los Angeles (EUA). “No entanto, nós não somos os únicos que a produzimos. Animais também sintetizam creatina, e, portanto, ela aparece na maior parte da carne que comemos, com bife bovino e arenque [peixe], sendo fontes particularmente boas da substância”.

O que é?

A creatina é fabricada pelos nossos rins e fígado, mas cerca de 95% dela é armazenada no nosso tecido muscular. Isso faz sentido, já que é onde é usada.

Nossos corpos contêm uma molécula chamada ATP, ou trifosfato de adenosina, formada por uma molécula de adenosina e três moléculas de fosfato. Precisamos de energia para contrair músculos. Nossa principal fonte imediata de energia é produzida quando quebramos uma molécula de fosfato na ATP, o que cria uma pequena explosão disponível nos músculos. Entretanto, uma vez que isso ocorre, somos deixados com uma molécula chamada ADP, ou adenosina difosfato, só com dois fosfatos.

Antes de podermos gerar mais energia, devemos atribuir um novo fosfato ao ADP, para que possa se tornar ATP novamente. Para nossa sorte, há uma outra molécula de alta energia chamada fosfocreatina (PCr) que dá o seu fosfato à ADP, e o processo de produção de energia pode ser repetido.

Suplementos

A creatina foi descoberta pela primeira vez em 1832, mas só ficou “famosa” no mundo esportivo a partir dos anos 1970, quando cientistas soviéticos disseram que suplementos de creatina podiam aumentar o desempenho durante certos exercícios curtos, como corrida e levantamento de peso.

Na década de 1990, ela se tornou superpopular entre entusiastas do fitness nos EUA, e logo se espalhou pelo mundo.

Carne, que é um dos alimentos mais densos em creatina, contém cerca de 4,5 gramas de creatina por quilo. Isso é mais do que suficiente para a maioria de nós, mas as pessoas que tentam ganhar músculo são frequentemente aconselhadas a comer mais de 20 gramas por dia durante os cinco primeiros dias, conhecidos como “ciclo de carga”.

Mesmo que você conseguisse comer quatro quilos de carne por dia, você provavelmente não deveria – por isso, os suplementos são o método preferido. Suplementos de creatina são permitidos pelo Comitê Olímpico Internacional, mas há ainda certas precauções que institutos de saúde tomam, bem como um desentendimento entre os cientistas sobre se é eficaz ou não.

Como realmente funciona

Há um mito persistente de que a creatina ajuda a ganhar um monte de músculo quase que instantaneamente, mas que você perderá tudo se parar de tomá-la.

Para começar, você não está ganhando músculo, apenas somando água. “A creatina atrai água para os músculos em um nível celular. Não subcutâneo (sob a pele), mas nas próprias células”, explica Jackson. “É isso que faz os caras pensarem que ganharam músculos durante a noite. Na realidade, mais água está sendo bombeada para dentro das células de seus músculos, o que faz com que eles inchem um pouco, mas certamente não os torna mais firmes ou fortes”.

Da mesma forma, os músculos gerados enquanto as pessoas tomam creatina não atrofiam mais rápido. “O que você perde quando você para de tomar creatina é a água celular, o que irá reduzir a massa de seus músculos, deixando-os menores”, diz Jackson.

Possíveis vantagens e desvantagens

A produção de energia explicada acima é usada em exercícios de alta intensidade e pouca repetição, ou atividades anaeróbicas de curta duração.

Durante uma longa repetição (8 a 12 vezes, que é o que normalmente é preciso para hipertrofia – o alargamento de um órgão ou tecido a partir do aumento do tamanho de suas células), o corpo depende de glicólise anaeróbica, que é a degradação química da glicose, fornecida não pela creatina, mas por carboidratos.

A fosfocreatina reabastece nossa ATP para que possamos continuar a fazer um treinamento de peso pesado ou corridas intensas repetidamente. Em outras palavras, ela pode ajudá-lo a suportar os rigores de um treinamento intervalado por longos períodos de tempo, permitindo-lhe ir mais longe. Mas não fará o trabalho por você – ou seja, não é ela que está lhe dando músculos.

Enquanto o Instituto Nacional de Saúde dos EUA concorda e reconhece que a creatina é “possivelmente eficaz” para melhorar o desempenho atlético de jovens e pessoas saudáveis durante exercícios breves de alta intensidade, como corrida, também observa que ela não parece melhorar o desempenho em exercícios aeróbicos, ou beneficiar pessoas mais velhas, e que ainda há alguma incerteza sobre exatamente quem pode se beneficiar dela e em que dose.

Os estudos feitos até agora tiveram um pequeno número de pessoas (menos de 40 participantes), de forma que não é possível tirar conclusões definitivas.

Ao mesmo tempo, o Instituto afirma que a creatina é “provavelmente segura” para a maioria das pessoas, quando usada em doses recomendadas. Mas ela pode causar dor de estômago, náuseas, diarreia e dores musculares. Cientistas advertem, entretanto, que as doses recomendadas, embora dependam do seu peso corporal, estão mais em linha com o que as pessoas comem naturalmente em uma dieta saudável, não em suplementos.

Já quando tomada por via oral em doses elevadas, “a creatina é possivelmente insegura”, segundo o Instituto. Há alguma preocupação de que poderia prejudicar o rim, fígado ou a função cardíaca das pessoas. Contudo, uma conexão entre doses elevadas e esses efeitos negativos não foi ainda provada.

Entre outras possíveis desvantagens, há o fato de que o suplemento pode sobrecarregar o sistema corporal com um excedente de creatina, de forma que seus rins e fígado podem pensar que já tem o suficiente, e não fabricar mais o tanto que costumavam. Se você decidir parar de tomar creatina, pode de repente encontrar-se com deficiência da substância, o que vai atrapalhar seu dia a dia. Pessoas já relataram ter menos energia e sentirem-se mais fracas quando deixaram de tomar suplementos de creatina.

Além disso, ser capaz de se exercitar por mais tempo do que você deveria, por causa da carga de energia, pode levar a lesões graves. Mesmo se você for capaz de construir músculos rapidamente aumentando seu treino, a construção muscular rápida demais pode ser perigosa.

Seus músculos vão ficar mais fortes muito mais rápido do que seus tendões e ossos, porque esses sistemas não recebem tanto sangue. Quando seus músculos são capazes de fazer algo que seus ossos não podem suportar, você está pedindo por um tendão ou ligamento rompido, ou até um osso quebrado, em casos extremos. É por isso que é melhor construir sua força lentamente e em conjunto, para manter as coisas em equilíbrio.

Outra grande advertência é que o mercado dos suplementos não é bem fiscalizado, e o que você toma pode não ser nem de longe o que você espera. De acordo com Jackson, a maioria dos suplementos de creatina no mercado não são completos. “Você precisa de oito aminoácidos essenciais se quiser construir mais massa corporal magra”.

Além do mais, esse “peso de água” que a creatina oferece pode simplesmente fazer você parecer mais “gordinho”. Isso definitivamente vai ocorrer se você tomar o suplemento, mas não se exercitar.

Conclusão: devo ou não devo tomar creatina?

“Eu não recomendaria a ninguém que eu estivesse treinando. Eu diria: durma mais, coma melhor e faça atividades físicas que você realmente gosta”, diz Jackson. “A maioria das pessoas que me perguntam sobre a creatina querem músculos maiores e, como personal trainer, dou a má notícia: isso só vem com tempo e trabalho”.

Ou seja, a creatina simplesmente não funciona “te dando mais músculos”. Ela pode ajudá-lo a treinar mais e mais intensamente, mas só se aplica a um tipo muito específico de treinamento (exercícios de alta intensidade, como corridas curtas, e levantamento de grandes pesos com poucas repetições).

Com um treinamento dedicado, você pode gerar cerca de 113 a 227 gramas de músculo por semana, com ou sem creatina – geralmente, um máximo de 900 gramas por mês ou 11 kg em um ano. Esses ganhos podem diminuir ano após ano, então talvez 5 kg no seu segundo ano, etc.
Assim, suas escolhas são: treinar duro por dois anos e ganhar 16 kg de músculo, ou tomar creatina e instantaneamente adicionar 2 quilos de peso de água.

Se você quiser tentar a creatina de qualquer maneira, consulte um nutricionista e fale com o seu médico, para se certificar de que você não tem um risco maior de complicações, e de que irá tomar um produto seguro.

No final das contas, se você está atrás de músculos maiores, a receita é a mesma que sempre foi: levantar pesos e comer direito.  [Gizmodo]

Esse conteúdo foi originalmente publicado no site Hype Science