A grande maioria dos sírios foi morta em ataques com armas convencionais, como canhões e morteiros, com as crianças compondo uma grande parcela das vítimas, afirmou nesta segunda-feira (16) o grupo de trabalho da ONU que investiga a situação dos direitos humanos na Síria. Os membros do grupo pediram a suspensão do envio de armas tanto para o governo quanto para os rebeldes.
“A transferência de armas não deve ocorrer onde há um risco real de que elas sejam usadas na prática de crimes contra a humanidade, violações do direito internacional humanitário ou crimes de guerra. Na Síria, esta é uma realidade trágica”, disse o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão Internacional de Inquérito sobre a Síria, ao apresentar o relatório ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Ele observou que a falta de uma solução para o conflito levou ao aprofundamento da crise e à “expansão para novos atores e crimes inimagináveis”. Mais de 100 mil pessoas já foram mortas desde o início dos conflitos, em março de 2011.
Enquanto os combates continuam, os civis são os que mais precisam suportar seu peso. Nesse contexto, Pinheiro observou que os civis continuam a enfrentar diariamente bombardeios indiscriminados pelas forças governamentais, enquanto grupos extremistas antigovernamentais mantêm frequentemente como alvo a população civil, em ataques principalmente nas províncias do norte.
Um outro relatório da ONU — sobre o possível uso de armas químicas — foi tornado público nesta segunda-feira (16). Segundo o documento, há “provas claras e convincentes” de que gás sarin foi usado em 21 de agosto na área de Ghouta, nos arredores da capital Damasco.
Pinheiro – que preside a Comissão composta também por Karen AbuZayd, Carla del Ponte e Vitit Muntarbhorn – disse que a grande maioria das vítimas dos conflitos foi morta pelo uso de armas convencionais, como canhões e morteiros.
“O Governo [sírio] tem continuado a sua campanha implacável de bombardeio aéreo em todo o país”, disse ele.
Desde 15 de julho, a Comissão documentou ataques em 12 das 14 províncias, sendo particularmente intenso o bombardeio nas cidades e áreas ao redor de Damasco, Homs e Aleppo.
As munições ‘cluster’ – armas compostas por uma caixa que se abre no ar e espalha inúmeras sub-munições explosivas ou ‘sub-bombas’ sobre uma ampla área – continuam a ser usadas em áreas civis, principalmente na província de Idlib, disse Pinheiro.
O grupo também registrou um ataque a uma escola em Awram al-Koubra, na parte agrária de Aleppo, onde o Governo sírio lançou uma bomba incendiária no dia 26 de agosto, de acordo com relatos de sobreviventes do ataque.
Oito estudantes morreram no incêndio que se seguiu e outras 50 pessoas sofreram queimaduras fatais em até 80% de seus corpos.
“Não há nenhuma evidência de quaisquer combatentes da oposição ou alvos legítimos perto da escola”, concluiu a Comissão.
As forças do governo continuaram a lançar ataques contra o pessoal médico e os hospitais, de acordo com um documento em separado chamado, “Ataque à Assistência Médica na Síria”.
“A recusa discriminatória do direito à saúde como uma arma de guerra tem sido uma característica marcante deste conflito”, informou a Comissão, acrescentando que a inviolabilidade da assistência médica é desrespeitada e os doentes e feridos são o alvo.
Ataques contra hospitais têm ocorreram recentemente, no dia 12 de setembro, quando os aviões do governo atacaram um hospital de campanha perto da cidade de Aleppo, matando 11 pessoas segundo os relatos, e ferindo dezenas de outras.
Grupos armados antigoverno também lançaram ataques contra o pessoal médico e os hospitais, afirmou a Comissão. No dia 16 de agosto, combatentes da oposição a Assad atacaram uma ambulância curda do Crescente Vermelho em Aleppo, matando o motorista, um paciente e um paramédico.
A Síria tornou-se um lugar cada vez mais perigoso para os jornalistas, disse Pinheiro, observando um “padrão perturbador de perseguição, prisão e detenção” de jornalistas, especialmente estrangeiros.
Nas últimas seis semanas, relatos de jornalistas sequestrados por grupos extremistas armados antigovernamentais foram recebidos.
O chefe da Comissão também observou um “aumento em crimes e abusos” no norte da Síria cometidos por grupos extremistas armados antigovernamentais, juntamente com um fluxo de combatentes estrangeiros.
Centenas de civis curdos no norte de Aleppo, Al Raqqah e Al Hasakah foram feitos reféns por grupos extremistas armados antigovernamentais para a trocas de prisioneiros, segundo Pinheiro.
Em sua declaração, ele também destacou a deterioração das condições humanitárias, em particular nas áreas curdas da Síria, e do impacto das hostilidades sobre os direitos socioeconômicos dos sírios.
Estabelecido pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2011, a Comissão tem o mandato de investigar e registrar todas as violações da lei internacional dos direitos humanos durante o conflito na Síria.
A Comissão divulgará nesta quarta-feira (18) o relatório com base em 258 entrevistas e outras evidências coletadas durante o período de dois meses, entre 15 de maio e 15 de julho de 2013.
Esta matéria foi originalmente publicada pela ONU Brasil