Macau: Sacrificando o futuro da China na jogatina

29/06/2014 12:48 Atualizado: 29/06/2014 12:48

O crescimento da indústria do jogo de azar em Macau, China, continua ‘bombando’.

As receitas de jogo subiram para um novo recorde de US$ 45 bilhões no ano passado, um aumento colossal de 18,6% em relação a 2012 e o sexto ano consecutivo que a cidade de Macau apresenta lucros recordes. Casinos nesta ex-colônia portuguesa, que retornou à China em 1999, agora ganham sete vezes mais do que em Las Vegas. Empregos em casinos, que pagam 30-40% mais do que em outros setores, correspondem a quase um quarto da força de trabalho. Somem-se a isso os empregos relacionados aos casinos, como na rede hoteleira etc., e cerca de metade da população ativa nesta cidade de 600 mil está ligada a indústria do jogo de azar. O resultado é uma invejável taxa de desemprego de 1,8%.

Então, por que não deixar os bons tempos rolarem?

A monoeconomia do jogo em Macau está criando uma geração de trabalhadores mergulhados no trabalho monótono de servir cartas e girar roletas, mas com o desenvolvimento de poucas competências necessárias à economia globalizada de conhecimento de hoje. No entanto, com a economia e o mercado de trabalho cada vez mais dependente de jogadores chineses da China continental, há pouca pressão por mudança, uma situação que pode agradar a Pequim.

Enquanto alguns raros ganham uma bolada, outros pagam o preço

Não deve surpreender ninguém que o boom da jogatina na cidade, que produz 50% de seu PIB, tem gerado um lado negro. A prostituição, o crime organizado e a lavagem de dinheiro são assuntos diários. Não tão óbvio, porém, são os vários sinais de erosão que têm corroído uma sociedade tradicional que tenta lidar com o desenvolvimento urbano descontrolado, a perda de espaço verde, a disparada do vício pela jogatina e uma deterioração geral na qualidade de vida.

Para o residente médio, os desafios criados pelo boom do jogo de azar agora superam suas vantagens. Transporte deficiente, poluição do ar crescente de ônibus de casino que servem os 29 milhões que visitam a cidade e o rápido encarecimento dos imóveis são apenas alguns dos subprodutos da monoeconomia local. Médias e pequenas empresas de Macau, cerca de 95% de suas empresas, também pagam o preço pela subida dos aluguéis e a perda de funcionários e clientes para os casinos. Além disso, as taxas de criminalidade se elevaram em praticamente todas as categorias.

Apesar de todas as desvantagens, os executivos e investidores de casinos em Macau, incluindo as grandes casas de jogo americanas, veem possibilidades ilimitadas para o crescimento e expansão. Sua queixa principal? A escassez de mão de obra qualificada.

Com mais megacasinos programados para abrir em 2016, Macau precisará de pelo menos mais 75 mil trabalhadores de casino e hotelaria, dizem as autoridades. Considerando que as pequenas e médias empresas da cidade já lutam para competir com casinos mais bem remunerados por talentos limitados, Macau terá de importar não apenas trabalhadores de casino, mas também de diversas áreas.

Mas nem Macau nem o governo chinês parecem ter um plano para lidar com os crescentes défices de mão de obra da cidade, nem estão dispostos a frear o que se tornou um trem desgovernado de crescimento desregulado.

Pior, Macau está virando as costas para políticas destinadas a preparar suas gerações futuras para uma economia baseada no conhecimento mais globalizado. Se a tendência continuar, Macau corre o risco de se transformar numa sociedade de alienados cujo futuro seria destituído de profissionais educados e qualificados, com uma sociedade cada vez mais atraída pelo dinheiro fácil no trabalho entorpecente dos casinos.

Todos os meses novos relatórios apresentam terríveis advertências. Em dezembro do ano passado, uma pesquisa mostrou que quase metade das empresas pesquisadas “enfrentavam dificuldades no recrutamento de profissionais de TI” e previu que a escassez “pode piorar ainda mais”. Em abril passado, um relatório econômico mencionou a falta de profissionais de contabilidade, com “acréscimo ínfimo” desde 2007. Outro estudo reclamou que na cidade “faltam engenheiros e profissionais técnicos afins”. Tudo isso aponta para uma sociedade no ponto de ruptura, que está hipotecando suas gerações futuras em troca de ganhos de curto prazo.

Mesmo os legisladores de Macau agora se queixam de que o boom está construindo castelos de areia. No ano passado, o legislador José Coutinho disse à imprensa: “Macau é uma completa ilusão de prosperidade, porque o que estamos construindo são apenas casinos, salões e algumas lojas de marcas famosas.” Mas ele e outros críticos têm uma visão minoritária numa Assembleia Legislativa em que 12 dos 33 membros são eleitos indiretamente por entidades da indústria e outros 7 são nomeados pelo chefe-executivo de Macau, selecionado a dedo por Pequim.

Apontando tudo no jogo de azar

Enquanto as autoridades de Macau eventualmente falam da boca para fora sobre a necessidade de reequilibrar a economia e sugeriram uma série de propostas, nada foi feito até agora para efetivar a transformação necessária que ponha a cidade numa nova trajetória.

Uma das propostas mais comentadas recomenda que Macau atraia para si mais “reuniões, incentivos, conferências e exposições” da região. Mas isso tem sido demasiadamente lento para decolar e depende desproporcionalmente do setor de jogo de azar. Por exemplo, a maior feira de negócios de Macau é a Exposição Global de Jogo da Ásia. Um plano para desenvolver a ilha Hengqin nas proximidades como uma zona de livre comércio também fará pouco para ajudar a maioria das pequenas empresas de Macau, devido a sua ênfase em projetos de grande escala.

Mas o principal obstáculo a um modelo econômico mais sustentável é que Macau continua a engordar com o jogo de azar chinês, e os líderes chineses ainda veem Macau como um polo importante para os ricos e a classe média do país. O resultado é que ninguém em posição de autoridade sequer contempla o dia em que a economia da China desacelerará, quando os jogadores pararão de chegar e o boom acabará, mesmo que a história tenha mostrado que, quanto maior o boom de uma monoeconomia, maior é o potencial para ruína e desastre.

Enquanto a China diz que quer ver Macau reequilibrar sua economia, a relutância de Pequim em impor prescrições políticas ou oferecer incentivos para ajudar a diversificar a economia não é surpreendente. Isso porque Macau e suas regiões periféricas podem estar exatamente onde Pequim deseja que estejam – sociedades cada vez mais dependentes da China continental para sua prosperidade e, portanto, menos dispostas a fazer exigências irritantes por coisas como democracia e maior autonomia.

Nascido em Hong Kong, Martin Murphy é um ex-diplomata americano e foi chefe da Seção Político-Econômica no consulado dos EUA em Hong Kong entre 2009-2012. Ele pode ser encontrado no website HongKongReporting.com. Esta matéria foi originalmente publicada pelo Foreign Policy in Focus