Quando o grupo rebelde M23 se rendeu no início de novembro, após sua derrota para o Exército congolês, observadores internacionais exaltados declararam o fato o início do fim do mais longo e mortífero conflito desde a 2ª Guerra Mundial.
Isso é verdade?
Relatos da mídia têm se centrado nos momentos dramáticos: como o Exército congolês – com a ajuda de forças de intervenção rápida das Nações Unidas da África do Sul, Tanzânia e Malawi – derrotou o grupo rebelde tútsi M23 perto de Goma, em Kivu do Norte, uma província rebelde no Leste da República Democrática do Congo (RDC). E eles têm justificadamente celebrado a rendição em 6 de novembro de 1.700 soldados rebeldes e de seu líder Sultani Makenga em Uganda.
Em alguns aspectos, o verdadeiro fim do M23 começou em março passado, quando o líder rebelde Bosco “O Exterminador” Ntaganda lutou com outra facção do M23, foi derrotado e entregou-se na embaixada dos EUA em Kigali para ser julgado por crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional. O cálculo que ele fez foi simples: melhor estar vivo em Haia do que morto em Kivu do Norte. Mais de mil de seus soldados se renderam em Ruanda com ele.
No entanto, mesmo que o M23 tenha sido derrotado, a razão para sua existência não foi tratada. Com esta vitória militar, o governo congolês agora tem menos incentivo para resolver os problemas profundos que fazem Kivu do Norte um foco de violência. Outro grupo rebelde tútsi certamente se formará no lugar do M23 e dezenas de outros grupos armados continuam foragidos.
Três guerras sobrepostas
A luta entre o Exército da RDC e o movimento M23 foi apenas um ato de um drama maior. Na verdade, com um número estimado de 45 grupos rebeldes apenas em Kivu do Norte, pode-se dizer que o M23 era pouco mais de 2% do problema. Pelo menos três guerras interligadas continuam.
A primeira guerra tem suas raízes na vizinha Ruanda. Quando a Frente Patriótica de Ruanda, liderada por tútsis, conquistou Ruanda em 1994, ela pressionou os soldados hútus e as milícias jovens interahamwe que perpetraram o genocídio em Kivu do Norte, onde formaram as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR) para se opor ao novo governo em Kigali. Este grupo rebelde ainda está ativo hoje, quase 20 anos após o fim do genocídio. Ele sobreviveu a várias tentativas dos exércitos congoleses, ruandeses e ugandenses de derrotá-lo.
As FDLR sobrevivem por meio de manobras ágeis. Quando atacadas, as FDLR evaporam entre a população local e ressuscitando para se vingar quando as forças atacantes recuam. Esses tútsis que ainda vivem em Kivu do Norte continuam a temer a aniquilação pelos genocidas hútus, de modo que eles se armaram e formaram milícias para autodefesa. A divisão hútus e tútsis em Kivu do Norte não foi resolvida com a derrota do M23. Enquanto essa insegurança permanecer, outro grupo tútsi provavelmente se formará em seu lugar.
A segunda guerra envolve as numerosas tribos congolesas de língua suaíli que se organizaram em pequenos grupos armados conhecidos coletivamente como Mai Mai. Porque eles consideram que os ruandeses estão invadindo seu território, explorando os recursos de Kivu do Norte e mantendo a região em constante conflito, eles procuram expulsar todos os ruandeses – tútsis e hútus – de Kivu do Norte. Para este fim, eles cometeram atrocidades contra as pessoas de fala kinyarwande, a língua ruandesa. Esses massacres provavelmente continuarão independentemente da dissolução do M23.
A terceira guerra é o que impulsiona todos os outros conflitos: a guerra pelo controle dos recursos minerais para o mercado internacional. Kivu do Norte tem centenas de minas de estanho, carvão, ouro e outros minerais. Estas são pequenas operações de tipo picareta e pá em que os trabalhadores são mal pagos, o trabalho forçado é comum e crianças trabalham ao lado de adultos. Não há proteção de saúde ou ambiental. Consequentemente, os lucros destas operações de mineração são substanciais. Para sobreviver e obter fundos para a compra de armas e munições, milícias rebeldes e outros guerreiros empreendedores lutam para controlar o território das lucrativas operações de mineração ou as rotas de comércio onde possam extrair “impostos”. O M23 era tão ameaçador em parte porque controlava as estradas que levavam os saques para Uganda, Ruanda e o resto do mundo.
Essa guerra não tem qualquer componente étnico: os 45 grupos rebeldes, além do próprio exército congolês, competem uns com os outros pelo controle desses recursos, formam alianças improváveis e em constante mudança, conforme as condições de exploração exigem. Mesmo as forças da ONU em Kivu do Norte foram acusadas de vender armas e munições para vários grupos rebeldes que deveriam estar controlando.
Vitória duvidosa
Dadas as raízes do conflito em Kivu do Norte, qualquer vitória militar particular equivale à troca de um grupo de exploradores por outro. O status quo tem muitas vantagens para os grupos armados que controlam o território e as minas. Esta é sua forma de subsistência – assim também para Ruanda e Uganda, que suportam várias milícias e se beneficiam de “impostos de trânsito” quando os recursos atravessam seus países.
Este arranjo também beneficia os mercados internacionais, pois os preços desses minerais são mantidos baixos. E, embora a área seja rica em recursos, as limitadas perspectivas de emprego formal em Kivu do Norte significam que há sempre homens jovens dispostos a participar de um grupo rebelde.
Desde 1996, milhões de pessoas teriam morrido nos combates em Kivu do Norte. Mas a grande maioria deles não morreu como soldados em batalha, eles morreram no fogo cruzado ou devido à exposição às intempéries. Toda vez que há luta, as pessoas deixam suas casas carregando o que podem sobre as cabeças, costas ou em carrinhos de mão e muitos morrem por exposição a intempéries ou de doença. Aqueles que não podem fugir – idosos, doentes, jovens – também morrem em número incontável.
Essa é a verdadeira tragédia da luta contínua em Kivu do Norte. O M23 pode ter se rendido, mas a ganância não deporá as armas tão facilmente.
David Zarembka coordena a Iniciativa Africana dos Grandes Lagos dos Grupos de Amigos da Paz e vive no Oeste do Quênia
Esta matéria foi originalmente publicada pela Foreign Policy In Focus