Há mais de cinco décadas, o direito de ir e vir de milhões de cidadãos está entregue às mesmas empresas de ônibus, que nunca primaram pela qualidade de seus serviços e, particularmente nos últimos 20 anos, vêm recebendo sucessivos incentivos fiscais, subsídios e aumentos de tarifas acima da inflação. Tudo isso sem qualquer contrapartida em termos de melhoria nas condições de conforto, pontualidade e segurança das viagens cotidianas.
Os debates recentes, inflamados pelo clamor das ruas, têm descortinado, para muitos, o que qualquer passageiro de ônibus sempre soube: a prefeitura do Rio não tem a menor ingerência nem sobre o padrão operacional das mais de quinhentas linhas de ônibus, nem sobre os fluxos financeiros milionários que circulam pelo sistema RioCard (operado pelo Rio Ônibus).
Quando se trata dos contratos assinados em 2010, algumas perguntas têm que ser esclarecidas:
- Quais foram os estudos e critérios técnicos que embasaram a opção por esse modelo de licitação permitindo exclusividade para cada operador de atuar em grandes regiões da cidade?
- Sabendo-se que se trata de um sistema complexo, numa cidade em franca expansão de sua malha urbana, quais as justificativas técnicas e econômicas para um contrato de 20 anos?
- Se as gratuidades já estavam previstas no edital, por que o município destinou mais de cem milhões de reais em verbas públicas da Secretaria de Educação para o Rio Ônibus?
- Por que as diligências do Tribunal de Contas do Município não são respondidas a contento, quando se solicitam informações sobre o fluxo de caixa dos consórcios contratados em 2010?
São questões cruciais para se compreender como anda, de fato, o sistema de transporte público por ônibus no Rio.
Outro fato inaceitável diz respeito ao tratamento dispensado por esse setor do empresariado ao Ministério Público do Rio, que tem dezenas de ações em tramitação contra empresas de ônibus, desde 2003, e, até agora, não conseguiu decifrar as planilhas de custos das empresas.
Longe de querer ditar regras ou receitas prontas sobre como deve ser o sistema de ônibus da cidade, a CPI da Câmara de Vereadores do Rio pode ser o primeiro passo para o Poder Público retomar o controle e apontar caminhos para um novo marco de gestão voltado para o interesse público dessa função vital em qualquer metrópole.
Isso, é claro, se a CPI não for mais uma vítima das blindagens e artimanhas políticas de uma base governista avassaladora e pouco dada ao diálogo com a sociedade.
Se não fossem as manifestações de rua, a CPI não teria sido protocolada e deferida, em junho, na Câmara Municipal, e, para o resultado corresponder ao real propósito de abertura da caixa-preta do sistema, é necessária uma permanente mobilização até o final dos trabalhos da comissão.
Eliomar Coelho é vereador e líder do PSOL na Câmara do Rio
Artigo publicado originalmente em O Globo
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