A cada dia que passa, o caso Snowden, além de trazer piadas novas e antigas para a comunidade de inteligência nacional e internacional, coloca o Brasil em posição desconfortável nas relações internacionais, principalmente seu órgão superior de relações externas, o Itamaraty. Parece que cada nova posição de Snowden força uma situação de conflito diplomático com os Estados Unidos.
Tem hora que pede asilo, tem hora que não é asilo e sim cooperação. Snowden e seus amigos jornalistas, ou até coagentes, na verdade, geram uma grande confusão sobre um tema que para o Brasil só ajudou a mostrar o que a sociedade não sabia: que a área de inteligência brasileira está mais desguarnecida do que nunca. Não por causa de seus agentes e infraestrutura, mas sim por falta de políticas claras de inteligência e, principalmente, pelo medo que o governo federal tem do passado.
Snowden afirma em todas as suas falas, cartas, entrevistas, além dos documentos apresentados pela sua rede de jornalistas, que os Estados Unidos, através de suas agências de inteligência, principalmente pela NSA, coletam maciçamente dados de bilhões de cidadãos. O mais interessante é que o processo de análise e geração de inteligência, ou melhor, o resultado desta coleta, ainda não foi desvendado de forma mais direta. Outro ponto, Snowden até agora não falou das cooperações em massa que os serviços secretos americanos desenvolvem com os serviços de inteligência da Inglaterra, Canadá, França, Alemanha, Índia, África do Sul, Brasil, Chile, Colômbia, Argentina, e até mesmo com a China, assim os bilhões se tornam trilhões.
Mas Snowden, para muitos um “arauto” da liberdade e da democracia, que busca asilo em países que mantém até hoje ditaduras veladas, como Rússia, Venezuela e Bolívia, ainda consegue trazer alegria em sua “Carta aos Brasileiros”. Se o governo federal, através do Ministério da Educação (MEC), perceber na “carta” que a espionagem americana sabe quando um candidato passa no vestibular, o governo deveria pedir auxílio à NSA para monitorar as fraudes nos vestibulares das faculdades federais de medicina.
Com todas as denúncias que Snowden apresentou e apresentará, e colocando o Brasil em posição de xeque, será que o mesmo já conheceu as histórias do Delegado de Policia e ex-Secretário Nacional de Justiça durante o governo Lula? Será que Snowden já leu o livro “Assassinato de Reputações – um crime de Estado”, de Romeu Tuma Junior em depoimento a Claudio Tognolli?
O livro, publicado pela editora Topbooks e lançado agora em dezembro, traz uma série de denúncias e verdades sobre o ambiente de espionagem contra o próprio cidadão brasileiro e desafetos políticos criado pelo governo Lula.
O livro de Tuma Junior e Tognolli coloca a NSA americana no chinelo e as denúncias de Snowden, em uma escala dirigida ao Brasil, parecem não afetar diretamente o processo político internacional do país. Considerando que a área de inteligência brasileira sofre horrores e desmandos, e as consequências são fronteiras desguarnecidas, bioespionagem maciça na Amazônia, atuação dos serviços de inteligência franceses, chineses, alemães, paquistaneses, venezuelanos, cubanos, além dos americanos, no governo federal, nas empresas de pesquisas, nas universidades estaduais e federais.
Em entrevista ao Jornal “O Estado de São Paulo” (20/12/2013) para a jornalista Cláudia Trevisan, o ex-embaixador americano no Brasil Thomas Shannon foi categórico em afirmar que a “espionagem do Brasil é pobre”, principalmente para atender “as ambições globais” do país. Mas ao mesmo tempo, com a obra de Tuma Junior e Tognolli, a espionagem doméstica, que tanto foi criticada pelo PT durante anos, hoje tem mais intensidade e importância do que a inteligência de Estado, ou inteligência estratégica com foco internacional.
Se Snowden não leu o livro, recomendo que ele inicie de cara pelo capítulo 4, “Lula: alcaguete e aprendiz do DOPS”, e na sequência o capítulo 5, “O projeto de poder do PT de Lula”. Nesses dois capítulos, Snowden perceberá que no Brasil de hoje acontece uma verdadeira NSA doméstica, que por sinal ainda é alimentada por veículos de comunicação dotados de verbas públicas, que diariamente monitoram dados e transformam os mesmos em verdadeiros “assassinatos de reputações”. Por sinal, Romeu Tuma Junior confirma um dado: o serviço de inteligência brasileiro, ABIN, perdeu força e foi desrespeitado durante anos enquanto necessário para o Estado e Nação brasileira, principalmente nos quesitos de contraespionagem e geração de inteligência para a competitividade do Brasil no sistema internacional. Não é a toa que sofremos o que sofremos por países parceiros e até mesmo ditos “parceiros”.
O livro de Romeu Tuma Junior e Claudio Tognolli merece uma grande atenção. O mesmo demonstra uma verdadeira NSA doméstica instalada no Brasil. O que deveria ser um serviço de inteligência para a defesa do país, ou até mesmo um aparato policial para combater a violência crescente no Brasil, na verdade, alimenta um aparato de condenação e assassinato de reputações com enfoque político. O mais interessante, Romeu Tuma Junior se coloca em perfeita ordem, considerando seu histórico, inclusive com o próprio governo Lula e suas diversas esferas de poder.
Ler o livro “Assassinato de Reputações – um crime de Estado”, em um primeiro momento você acredita como um ato de vingança, mas no fim você percebe que é uma grande contribuição para mostrar os atos políticos que ainda persistem neste país. Ao mesmo tempo, o livro traz provocações do tipo, quais os resultados das “entregas” que Lula, ou “Barba” fez ao DOPS, enquanto informante da repressão? Que “companheiros” podem ter morrido com isso? Será que a “Comissão da Verdade” chamará Lula para depor? E o caso “Celso Daniel”, qual o grau de envolvimento do PT nisso tudo? Até que ponto o sistema de inteligência brasileiro ficará cuidando de assuntos domésticos e não internacionais? Por que o aparato policial brasileiro não cuida de “bandidos” e sim de problemas políticos e pessoais?
É Snowden, você deveria ler “Assassinato de Reputações – um crime de Estado”, assim sua “Carta aos Brasileiros” deveria constar o que o Tuma Junior e o Tognolli afirmam com precisão. Nós brasileiros já temos nossa NSA.
As denúncias de Romeu Tuma Junior são fortes e sérias, e acredito que os mesmos deveriam buscar uma Parte II. Acredito que neste ano, os dois sofrerão “ataques”, como no caso de Hannah Arendt quando foi acompanhar o julgamento do nazista Eichmann em Jerusalém, que gerou um das suas grandes obras “Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal”. No caso de Tuma Junior e Claudio Tognolli, “um relato sobre a banalidade da política, da inteligência e dos grampos, além das reputações”.
Fábio Pereira Ribeiro é especialista em inteligência estratégica e política internacional, desenvolve negócios nas áreas de educação e inteligência na África, Ásia e Estados Unidos. Já ministrou palestras no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e na Universidade Columbia
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Millenium