Livro “Basta Ya” analisa origem do conflito armado na Colômbia

26/07/2013 20:18 Atualizado: 26/07/2013 20:18
Uma história tocante de quem foram as vítimas e quem protagonizou e motivou a comissão responsável por enormes violações de direitos humanos e mais de 200 mil assassinatos em cerca de meio século
Capa do livroBasta Ya”, apresentado pelo Centro Nacional de Memória Histórica (CNMH)

O Centro Nacional de Memória Histórica da Colômbia revelou em 24 de julho seu Relatório Geral de Memória e Conflito com o livro “Basta Ya“, que narra em seis capítulos sua “compreensão da origem e das transformações do conflito armado colombiano”. Este conflito clamou cerca de 220 mil vidas nos últimos 60 anos.

“Em 17 de janeiro de 2001, ocorreu algo marcante, algo que não se apagará das mentes”, disse um dos numerosos testemunhos de sobreviventes. “Foi o massacre de Chengue, o lugar onde isso ocorreu foi na praça principal de Chengue, e… os autores eram paramilitares e foi algo muito terrível de contar, porque houve mortes muito feias.”

“Eles reuniram as pessoas no parque, ou seja, os homens e algumas mulheres, porque os que conseguiram sair fugiram e se foram […] Neste momento, eles levaram os homens, havia crianças de 12 a 14 anos, estes defendemos como pudemos para que não fizessem nada, mas eles os chutaram; depois que mataram as pessoas, puseram-nos numa casa e começaram a queimar as outras”, diz a memória de uma das vítimas do conflito.

A equipe de investigação, composta por um filósofo, um advogado, um economista, um sociólogo, um jornalista, um assistente social, um padre, um antropólogo e acadêmicos de ciência política, desenterrou estas verdades dolorosas do país, lembrando que a motivação é evitar que tragédias como esta não acorram novamente.

A advogada Patricia Linares, da Universidade de São Tomás de Aquino e integrante da equipe, disse na publicação: “É importante para qualquer sociedade conhecer a realidade da guerra do conflito armado que houve e, principalmente, no caso da Colômbia, por se tratar de 60 anos de conflito, de 60 anos de guerra.”

A pesquisadora ressaltou que são “quatro gerações de colombianos formados na guerra e com estas perspectivas. Quatro gerações que tiveram de viver imersas num ordenamento jurídico concebido e desenvolvido para enfrentar a guerra e não conhecemos outra realidade. … Por isso, é importante saber em detalhes, por mais doloroso que seja.”

Para Patricia Linares, saber exatamente por que isso ocorreu, o que ocorreu e quem protagonizou e motivou tal violação dos direitos humanos é importante porque “entende-se que este é o caminho para evitar que muitas coisas se repitam”, disse ela.

O jovem Juan Pablo Rivera, entrevistado pelo Centro Nacional de Memória, acredita que o conhecimento da história ajuda “em parte sim e em parte não”. “Conhecer a história ajuda as crianças a aprenderem e saberem mais, mas, para algumas pessoas diferentes, isso ajuda a estimulá-las.”

Vinte e três camponeses foram assassinados pelas AUC em dois num conflito em Yolombo (Jesús Abad Colorado)

Outra comissão em 1962 apresentou o relatório “A violência na Colômbia”, no entanto, o investigador Andrés Suárez, um sociólogo da Universidade Nacional da Colômbia e mestre em Estudos Políticos, observa que as classes políticas e a cidadania não o apropriaram no momento oportuno e deixaram-no passar como outra página na história.

“O que temos agora é um relatório que nos fala do conflito armado e nos deixa uma tarefa, se simplesmente o deixamos passar ou se o apropriamos e tentamos enxergar as lições para não se repitam novamente”, disse Andrés Suárez.

O livro “Basta Ya” tem seis capítulos que começam com as dimensões e modalidades da guerra na Colômbia e retratam os números impressionantes da tragédia. O segundo capítulo discute as razões da guerra e o terceiro trata do sistema legal e da justiça. O quarto capítulo retrata os danos e os impactos sobre as vítimas e o quinto apresenta as dramáticas memórias dos sobreviventes. A equipe de pesquisa encerra com o sexto capítulo: Recomendações, como fazer para que esta história não se repita.

Como resistir

A história de alguns grupos que resistiram e perseveraram destaca uma realidade que é frequentemente desconsiderada. “No fim de 2003, já não éramos capazes de resistir”, disse uma testemunha, explicando que “houve um período de 16 dias que foi o último”.

Devido ao medo de serem surpreendidos até mesmo em suas casas, as atividades eram noturnas e durante o dia eles tentavam prevenir que os filhos chorassem para manter silêncio total.

“Nós plantávamos bastante mandioca, 2 a 3 mil pés. Então, saíamos cuidadosamente, colhíamos a mandioca e comíamos às 2, 3 ou 5 horas da madrugada.”

“Como estávamos no canhão, ninguém nem nenhum grupo armado chegou a ir lá… Durante o dia não tínhamos o que comer e brigávamos com as crianças para que não chorassem e, de qualquer maneira, que deus nos ajudasse”, concluiu o relato.

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