Líder chinês sai, crise fica

06/09/2012 09:13 Atualizado: 06/09/2012 09:13
O líder chinês Hu Jintao no Grande Salão do Povo, em 19 de julho, em Pequim, China. (Andy Wong/Getty Images)

O líder do Partido Comunista Chinês (PCC), que conclui seu mandato no fim deste ano, está deixando escapar uma chance única em sua carreira de 10 anos de fazer algo realmente bom pela China e realizar mudanças significativas no PCC. A falha de Hu Jintao de deixar sua marca no PCC pode abrir a porta para a instabilidade.

A tentativa de deserção em 6 de fevereiro de Wang Lijun, o ex-chefe de polícia de Chongqing, no consulado dos EUA em Chengdu deu a Hu Jintao a oportunidade de marginalizar os adversários políticos que haviam restringido seu poder em cada oportunidade.

Wang Lijun, o braço-direito do ex-chefe do PCC em Chongqing, Bo Xilai, teria revelado como ele encobriu o assassinato do empresário britânico Neil Heywood pela esposa de Bo Xilai, Gu Kailai. Wang Lijun também teria revelado questões de importância muito maior: um golpe planejado por Bo Xilai e o chefe da segurança pública Zhou Yongkang; e o envolvimento de Bo Xilai e Gu Kailai nas atrocidades da colheita forçada de órgãos e a venda de cadáveres.

Hu Jintao reagiu às revelações habilmente isolando Bo Xilai, privando-o do poder e rebaixando seus comparsas. O julgamento de Gu Kailai foi visto por observadores como uma sinalização para os outros crimes mais graves que ela havia cometido.

No entanto, Gu Kailai teve sua sentença de morte suspensa, que pode ser comutada para prisão perpétua e reduzida por bom comportamento. O nome de Bo Xilai foi mantido completamente fora do julgamento. Se o julgamento de Gu Kailai foi de natureza política, ele errou o alvo óbvio ou serviu a um propósito totalmente diferente. O julgamento acabou dando uma repreensão formal a Gu Kailai e Bo Xilai e preservou sua viabilidade, mesmo que tal viabilidade esteja pendurada por um fio.

Outro sinal da aterrissagem suave de Bo Xilai é que ele sobreviveu à única reunião do Congresso Nacional Popular antes do próximo Congresso do PCC em outubro, sem ser desqualificado como um representante. Isso significa que ele ainda está protegido de acusações criminais.

Culpa da facção

Hu Jintao poderia ter usado as revelações de Wang Lijun como uma arma para marginalizar ainda mais seus adversários políticos. A facção de Jiang Zemin dominou o PCC durante todo o mandato de Hu Jintao. Essa facção foi definida pela decisão de Jiang Zemin de erradicar a prática espiritual do Falun Gong.

O Falun Gong envolve praticar cinco exercícios suaves de meditação e viver segundo os princípios da verdade, compaixão e tolerância. Depois que ele foi ensinado publicamente em 1992, espalhou-se muito rapidamente para todos os cantos da China. No início de 1999, 100 milhões de chineses o estavam praticando.

Jiang Zemin, preocupado com o grande número de adeptos, mais que os membros do PCC, temia que o povo chinês preferisse os ensinamentos morais tradicionais do Falun Gong à ideologia do PCC.

A colheita de órgãos de dezenas de milhares de praticantes do Falun Gong é o pior dos crimes da facção de Jiang Zemin. Mas além desta matança, a facção tem torturado e feito lavagem cerebral em milhões de chineses e ignorado todos os direitos de dezenas de milhões. Os praticantes têm sido rotineiramente presos, roubados, multados e privados de seus empregos e escolas.

Para tornar isso possível, a facção presidiu a destruição de qualquer movimento em direção ao Estado de Direito na China e à reforma do PCC, enquanto a corrupção dentro do PCC explodiu.

No entanto, Hu Jintao escolheu tratar a criminalidade de Bo Xilai, seja lá como isso é definido, como um caso isolado.

Oportunidade perdida

Se Bo Xilai estava envolvido no planejamento do assassinato de Heywood não é conhecido, mas ele tinha tanta razão quanto Gu Kailai para desejar o britânico morto. Mas eventualmente a verdade virá à tona sobre o envolvimento de Bo Xilai e Gu Kailai na colheita de órgãos e na venda de cadáveres de praticantes do Falun Gong para fábricas em Dalian que transformam os corpos em objetos de exposição.

Hu Jintao aparentemente escolheu o caminho de menor atrito ao não resolver agora a questão da culpa de Bo Xilai por crimes contra a humanidade e, através de um processo contra Bo Xilai, a culpa da facção de Jiang Zemin, da qual Bo Xilai foi um dos principais membros.

Hu Jintao pode ter temido que uma revelação completa dos crimes de Bo Xilai danificaria o PCC além da possibilidade de reparo. Ele também pode ter temido que aliados políticos de Bo Xilai se vingassem dele pela forma como lidasse com Bo Xilai ou mesmo impedissem Hu Jintao de agir.

Por contemporizar, Hu Jintao deixou a questão da culpa de Bo Xilai e da facção de Jiang Zemin como uma bomba-relógio que explodirá no futuro com repercussões desconhecidas.

Aliando-se com o premiê Wen Jiabao, que se descreve como uma voz solitária pela reforma, Hu Jintao poderia ter interrompido as políticas de perseguição que tanto prejudicam a vida nacional da China, previnem que mudanças saudáveis ocorram e impedem que a China se torne verdadeiramente uma grande potência.

Em vez disso, até agora, Bo Xilai foi deixado com uma carreira política. Tal carreira pode estar em suporte vital, mas outros fizeram retornos extraordinários após quase serem eliminados. Considere Deng Xiaoping. Ele chegou ao poder depois de ter sido fundamental rebaixado três vezes.

Hu Jintao sai

Como Hu Jintao lavou as mãos sobre a culpa da facção de Jiang Zemin, ele também parece ter recuado da responsabilidade completamente. Há rumores de que Hu Jintao deixará todos os seus cargos.

Deng Xiaoping e Jiang Zemin mantiveram o controle dos militares depois de deixarem a liderança do PCC. Essa prática assegurou que o ex-líder do PCC continuasse a ter poder real.

Hu Jintao aparentemente pretendia seguir os passos de Deng Xiaoping e Jiang Zemin. Ele fez todos os esforços para conquistar a lealdade dos líderes militares da China na expectativa de continuar como presidente do Comitê Militar por mais dois anos.

Mas agora, em vez de manter a presidência do Comitê Militar, Hu Jintao estaria promovendo seu favorito, o próximo premiê Li Keqiang, para ser o vice-presidente do Comitê Militar. Li Keqiang não tem vínculos anteriores com os militares ou qualquer experiência militar.

Se Li Keqiang ganhar o posto, ele não terá nenhum poder real e sua possibilidade de sobreviver a uma luta de poder ao longo do caminho é questionável.

O rebaixamento recente de ex-chefe de gabinete de Hu Jintao fortalece a impressão de que Hu Jintao é uma figura que está rapidamente desfazendo-se de qualquer poder que possa ter.

Ling Jihua sem dúvida tem servido Hu Jintao habilmente nos últimos cinco anos, com a reputação de ser o conselheiro mais confiável e procurado de Hu Jintao. Ling Jihua é o único que fez o trabalho duro de derrubar aqueles que serviram Bo Xilai.

Ling Jihua está sendo substituído como chefe de gabinete por Li Zhanshu, a opção de Xi Jinping. Isso é natural, já que Xi Jinping, que será o próximo líder chinês, desejará ter seu próprio homem de confiança nesta posição sensível.

Observadores esperavam que Ling Jihua se tornasse o próximo chefe do PCC em Pequim. Nessa posição, ele seria uma escolha certa para o Politburo e um candidato futuro para o Comitê Permanente do Politburo, o corpo de elite que dirige o PCC.

Em vez disso, o PCC anunciou em 28 de agosto que Ling Jihua seria desviado para uma posição de menor influência. Ele liderará o Departamento da Frente Unida, uma agência que procura isolar os inimigos do PCC e formar alianças com outras organizações, particularmente fora da China.

Analistas sobre a China estão se esforçando para entender a marginalização de Ling Jihua. Uma escola pensa que Hu Jintao tomou a decisão porque ele está elevando a importância do Departamento da Frente Unida. Outros reivindicam que Hu Jintao enfrenta forte resistência de seus adversários e está perdendo o controle.

Naturalmente, a política do regime chinês ocorre principalmente numa caixa preta e sem informação privilegiada, ninguém está realmente certo do que está acontecendo.

Com a aproximação do 18º Congresso do PCC e a instalação da nova liderança chinesa que ocorre uma vez numa década, a notícia sobre Hu Jintao sugere um vácuo de poder num momento crítico.

Desde que o escândalo de Wang Lijun e Bo Xilai eclodiu, os líderes militares fizeram apelos públicos exigindo que os soldados e oficiais fossem leais ao PCC e ao próprio Hu Jintao. A necessidade de apelar desta forma sugere que a lealdade dos militares não é garantida.

Uma notícia de 29 de agosto aprofunda a sensação de que as coisas estão desmoronando em Pequim.

O voo CA981 da China International Airlines voava há sete horas de Pequim para Nova York quando teve de virar e voltar a Pequim. Os rumores são de que um alto oficial tentava desertar ou fugir. Testemunhas viram três pessoas presas no Aeroporto de Pequim. Outro escândalo político ainda está para ser revelado.

Michael Young é um escritor chinês-americano que vive em Washington DC e escreve sobre a China e as relações sino-norte-americanas.