O líder chinês Xi Jinping pode não tão ter uma postura linha-dura sobre o massacre da Praça da Paz Celestial (Tiananmen) como pensado amplamente, a julgar por declarações recentes de um blogueiro chinês que parece agir como um porta-voz não oficial de Xi e de alguns de seus aliados, além da visita de Xi Jinping a um professor aposentado e a própria postura política de seu pai.
Em 3 de junho, o blogueiro “Niu Lei”, que mantém um perfil no website de Duowei News, escreveu: “Xi Jinping não tem razão para carregar o fardo do 4 de junho. Ele também simplesmente não deixará que o 4 de junho seja um embaraço para o Partido Comunista a cada ano.”
O blog de “Niu Lei” apareceu em 2012, durante a crise entre o ex-membro do Politburo Bo Xilai, o braço-direito deste Wang Lijun e o então líder chinês Hu Jintao, o premiê Wen Jiabao e Xi Jinping, que naquela época era o indicado a próximo chefe do Partido Comunista. Analistas suspeitam que “Niu Lei” escreve em nome da camarilha de líderes, como um canal oficial para exporem certas ideias e assim orientar a opinião pública de forma que seja favorável a seus interesses. Em diversas ocasiões, “Niu Lei” publicou – se divulgou ou previu não está claro – informações que mais tarde se revelaram verdadeiras.
O artigo dizia que Xi Jinping tentará “encontrar um caminho político para resolver este problema histórico fundamental”. Claro, isso em si pode não revelar-se como a tão esperada retratação da atrocidade, considerando a forma como o Partido Comunista tem tradicionalmente tratado seus crimes históricos.
A conclusão oficial sobre o presidente Mao Tsé-tung, por exemplo, alcançada na “Resolução sobre algumas questões da história do nosso Partido desde a fundação da República Popular da China”, diz que as “contribuições [de Mao] para a revolução chinesa superam seus erros”. Isto apesar do fato de Mao ser responsável pela morte não natural de dezenas de milhões de chineses.
Mas há outros sinais de que Xi pode ter uma inclinação conciliatória sobre o massacre de jovens desarmados em 1989. Em 4 de maio, Xi convocou o conhecido professor de filosofia Tang Yijie, durante sua visita oficial à Universidade de Pequim. Com 87 anos, Tang é conhecido por sua participação no movimento estudantil em 1989, assinando em conjunto com outros acadêmicos um apelo ao Partido Comunista pela libertação dos presos políticos. Após a visita de Xi, a mídia estatal Xinhua publicou com destaque fotos mostrando Xi cumprimentando Tang e conversando com ele.
Questões simples como visitas oficiais ou participação em eventos públicos, como memoriais, funerais e reuniões oficiais, são formas como o povo chinês e analistas políticos interpretam a direção dos ventos sobre questões políticas sensíveis. O ambiente repressivo da mídia chinesa e sensibilidades políticas que cercam certas questões no Partido Comunista significam que altos funcionários do regime e seus familiares muitas vezes utilizam ações simbólicas para demonstrar sua posição.
Tal pai, tal filho?
Hu Yaobang, o líder de mente liberal e orientado à reforma, foi o secretário-geral do Partido Comunista de 1982 a 1987, mas foi manobrado por um grupo informal de outros líderes que o consideraram insuficientemente linha-dura. Quando Hu Yaobang morreu dois anos depois, em abril de 1989, foram os encontros para comemorar sua morte que desencadearam o movimento estudantil da Praça da Paz Celestial, que ocupou a praça até a sangrenta repressão de 4 de junho.
O pai de Xi Jinping, Xi Zhongxun, teria se oposto fortemente a exclusão de Hu Yaobang.
Jia Juchuan, autor da Biografia de Xi Zhongxun, explicou isso numa entrevista com jornalistas chineses em outubro de 2013. Numa reunião do Politburo no início de 1987, Li Peng começou a criticar Hu Yaobang. Xi Zhongxun bateu na mesa e disse: “O que você está fazendo? Você não está tentando forçar a queda do líder?” De qualquer forma, Hu Yaobang foi demitido do posto de secretário-geral, apesar da oposição de Xi Zhongxun. Jia Juchuan disse que seu relato se baseia em documentos históricos e extensas entrevistas.
Xi Jinping compartilha uma estreita relação com o filho mais velho de Hu Yaobang, Hu Deping. Durante a visita de Hu Deping ao Japão em abril deste ano, a mídia japonesa informou que a visita foi por causa de seus laços estreitos com Xi Jinping. Os dois são conhecidos por terem laços antes de Xi se tornar líder do Partido Comunista, segundo a Reuters em setembro de 2012. A Reuters relatou que Xi visitou Hu Deping para discutir o caso de Bo Xilai, em algum momento entre 1º e 14 de setembro, quando Xi desapareceu temporariamente da vista pública.
Um contraste
Se Xi realmente abriga mais visões liberais sobre reconhecer a falha do Partido em torno do massacre da Praça da Paz Celestial, isso constituiria um contraste com a postura do ex-líder chinês Jiang Zemin, que assumiu o poder em 1989 e exerceu influência sobre a política e o governo na China durante a maior parte do reinado de seu sucessor Hu Jintao.
Jiang Zemin subiu ao poder em grande parte por causa de sua repressão firme e proativa dos protestos em Shanghai. Jiang demitiu o editor de um jornal em Shanghai que reportou sobre a morte de Hu Yaobang e mais tarde usou intensamente os jornais de Shanghai para propagandear a linha do Partido Comunista alegando que os protestos estudantis eram um “motim contrarrevolucionário”.
Além de Hu Yaobang, outro nome sensível é o de Zhao Ziyang, o sucessor de Hu Yaobang na liderança do Partido Comunista, pelo menos oficialmente. (Deng Xiaoping foi em ambos os casos o verdadeiro poder por trás do trono). Zhao também foi banido, quando falhou em adotar uma postura linha-dura sobre os estudantes reunidos na Praça da Paz Celestial. Ele foi logo posto em prisão domiciliar, onde permaneceu até sua morte em 2005.
Apesar de Zhao ter sido transformado num pária político, a mãe de Xi Jinping, Qi Xin, enviou um buquê para seu funeral no próprio nome e no de seus filhos. Esses atos são interpretados pelo povo chinês como declarações de postura política – neste caso, uma expressão corajosa de simpatia por Zhao Ziyang, devido ao contexto.
Mas as reais intenções de Xi Jinping em torno da questão da Praça da Paz Celestial permanecem obscuras. Rowena He, que leciona um curso sobre o movimento da Praça da Paz Celestial em Harvard, disse: “As ações são mais audíveis do que palavras”, em resposta a uma pergunta de um repórter sobre a postura de Xi, numa conversa recente.
Muitos ativistas de direitos humanos apontam para os últimos cerceamentos, espancamentos e sentenças de prisão para dissidentes na China, incluindo uma limpeza em antecipação ao 4 de junho. “Niu Lei” tenta desculpar Xi, dizendo que o objetivo da repressão é para a “manutenção da estabilidade”. Além disso, “Niu Lei” escreveu que Xi ainda não pode reparar o 4 de junho por razões políticas complexas, incluindo a grande resistência que tal movimento enfrentaria no Partido Comunista atual. A implicação parece ser que isso pode mudar com o tempo.