Antes de falar do genocídio, analisemos as causas, desde as primeiras tensões entre os grupos étnicos: Hutus e Tutsis.
Os Tutsis e Hutus seguem tradições parecidas, têm idioma em comum e vivem nas mesmas áreas. No entanto, os tutsis são um pouco mais altos e magros e de pele um pouco mais clara. Mas não são essas meras diferenças físicas que incitaram o ódio étnico em Rwanda.
Os Tutsis foram levados pela Alemanha, então colonizadora, no fim do século XIX, convencidos a migrar da Etiópia para Rwanda. Os alemães fizeram isso por considerarem os Tutsis como superiores aos Hutus e melhores para funções administrativas e de alto escalão. Não à toa o monarca passou a ser Tutsi e esta etnia privilegiada com todo tipo de benefício, desde educação até sistema de saúde melhor para eles do que para os Hutus.
Após perder a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha entregou para a Bélgica o domínio da região, onde os belgas tomam posse como novos colonizadores em 1916, mantendo o mesmo esquema anterior dos alemães, privilegiando os Tutsis e considerando-os superiores em detrimento dos Hutus. Nesta altura, o leitor pode pensar: “então, para variar, o homem branco opressor beneficiou uma etnia em detrimento de outra por causa da primeira ter a pele um pouco mais clara”. Não! O Estado Alemão e, depois, o Estado Belga, através de seus burocratas, definiu que os Tutsis eram superiores aos Hutus por critérios como estrutura física, capacidade técnica, etc, entre os quais possivelmente estava o tom mais claro da pele. Obviamente que tal julgamento é ruim, independente se ele ocorre entre etnias africanas, caucasianas, indígenas, asiáticas, etc, e nada de bom poderia resultar de uma decisão do Estado, muito menos com critérios mais absurdos que de costume.
As tensões entre as duas etnias se intensificaram ao longo dos anos, até que em 1936 missionários católicos (que antes davam preferência aos Tutsis, influenciados pelo Estado) começaram a dar mais atenção aos Hutus em suas missões, levando educação e saúde com um pouco mais de qualidade (sem interferência estatal). Os Hutus sempre foram maioria e quando os Tutsis começam a perder a preferência dos belgas, no começo dos anos 1950, e estes iniciam um fortalecimento dos Hutus, os resultados foram os confrontos de 1959, que levaram, com apoio da Bélgica, à destituição do monarca Tutsi, eleições comunais que estabeleceram maioria Hutu no governo e a independência do país africano, em 1962.
De 1962 até 1973 os Tutsis passaram a ser os bodes expiatórios de todas as crises e massacrados pela maioria Hutu. Em 1973 há um golpe de Estado e Juvénal Habyarimana assume o poder. Durante seu governo, terminado com seu assassinato em abril de 1994, diminui sensivelmente a violência contra os Tutsis, sendo que muitos que partiram para o exílio antes de 1973 (aproximadamente 20 mil Tutsis foram assassinados no período e tantos outros fugiram para Burundi, Tanzânia e Uganda) decidem retornar às suas terras quando a popularidade de Habyarimana começa a cair no começo dos anos 1990, o que culmina na criação do Rwandan Patriotic Front (Frente Patriótica Ruandense ou RPF), que pretende derrubar o presidente. O líder do RPF era Paul Kagame, Tutsi e atual presidente de Rwanda.
De 1990 até 1993 houve intensas negociações entre o Habyarimana e as RPF, até que foi assinado em 1993 um acordo de cessar fogo. No entanto, o desgaste das relações entre Hutus e Tutsis, a briga entre Hutus extremistas e as RPF e o apoio de Hutus moderados a este grupo, já era grande demais e explodiria a qualquer momento. O estopim ocorre em o6 de abril de 1994, quando o avião do presidente Habyarimana é abatido e todos a bordo morrem. Atualmente, investigações francesas indicam que o grupo de Kagame não pode ser o responsável pelo ataque, contudo, foi o RPF o responsabilizado na época e ainda há muitas dúvidas sobre o caso. Kagame negou o ataque e colocou a culpa em grupos de extremistas Hutus que queriam uma desculpa para iniciar uma guerra contra os Tutsis. Bem, a desculpa apareceu independentemente de quem tenha atacado o avião.
De abril de 1994 até junho de 1994, por 100 dias, foram assassinadas 800 mil pessoas em Rwanda, a maioria Tutsi, seguidos por Hutus moderados, que os apoiavam. Foi o maior massacre desde então e um dos maiores da história e que só parou com a vitória da RPF de Paul Kagame, que está até hoje no poder, que pouco depois de vencer decretou um cessar fogo, mas até hoje ataca “grupos de extremistas Hutus” estabelecidos no Congo (ex-Zaire), país para o qual fugiram aproximadamente 2 milhões de Hutus após o genocídio.
Tudo foi motivado pelo ódio étnico que não existiria sem o incentivo estatal via benefícios para uns em detrimento de outros. O ódio étnico foi plantado por decisões estatais dos colonizadores, que levaram um grupo de outro país para a colônia, o estabeleceram como dominante e encheu de benefícios, em detrimento dos que ali já estavam e eram maioria. Em tempo, se levassem a maioria Hutu ao poder e enchessem de benefícios em detrimento da minoria Tutsi, o resultado não seria diferente. Então, a primeira lição clara que temos é que tornar uns mais iguais que outros, concedendo-lhes benefícios em detrimento dos demais, fomenta uma luta de classes que não existe sem esse incentivo.
A segunda lição é que o incentivo pode ser colocar etnias umas contra as outras, como Hutus contra Tutsis, Arianos contra “não arianos”, asiáticos contra ocidentais, brancos contra negros, etc, mas poderia ser também de gênero (mulheres x homens, gays x héteros) ou de classes sociais (pobres x ricos, pobres x classe média), etc. Basta que o Estado e grupos a ele ligados decidam tornar alguns mais iguais que outros, dando benefícios para “minorias” em detrimento de uma “maioria”, sem perceber (ou ignorando) que todas essas minorias, se somadas, são uma maioria pujante.
A terceira lição é que são os grupos no poder que geram o mal estar proposital entre etnias, gêneros, credos, classes, etc. A ideia é sempre “dividir para conquistar”, tornar alguns mais fortes, para enfraquecer o todo e exercer o completo controle sobre a sociedade. O genocídio em Rwanda é monstruoso, mas não é nada se comparado às mortes de mais de 100 milhões de chineses durante o Governo Comunista de Mao Tsé-tung, ou os quase 40 milhões de mortos pelo regime da União Soviética, principalmente o massacre de 14,5 milhões de Ucranianos entre 1933 e 1934, patrocinado pelo psicopata Joseph Stalin (principalmente) por fome forçada e execuções.
Mas a maior lição que tiramos do genocídio de Rwanda faz parte da lição histórica de que fomentar a luta de classes, seja através de más decisões estatais (como se houvesse alguma boa além de diminuir o próprio Estado), através de pré-conceitos, ou por ideologias assassinas como o comunismo, sempre resultou e resultará em episódios tão nefastos como o ocorrido há 20 anos no país africano.
Por isso, me preocupo hoje com os rumos da política nacional brasileira, mas ainda mais, quando vejo políticas que claramente pretendem fazer no Brasil, aquilo que alemães e belgas fizeram em Rwanda e que os comunistas fizeram durante todo o século XX. Foram benefícios estatais a uns em detrimento de outros que iniciaram o processo histórico que levou ao ódio étnico (que não existiria sem esse fomento) e culminou com o genocídio em Rwanda.
Estamos adentrando pelo mesmo caminho no Brasil, incitando um ódio étnico em nossa sociedade, através da política de quotas que garante que aqueles que tiverem desenvoltura pior nos concursos públicos tirem o lugar dos que forem melhores, desde que sejam negros. Não cabe ao funcionalismo público ser local de caridade, e nem de retificação de injustiças raciais e, como podemos ver claramente no caso de Rwanda, beneficiar uma “raça” em detrimento de outra, criando artificialmente uma etnia onde havia/há só um povo, sempre acaba mal.
Ironicamente, a Lei de Quotas para Negros no Funcionalismo Público foi aprovada no mesmo dia do aniversário de 20 anos do genocídio de Rwanda.
Se continuarmos assim, a pergunta que me surge é: quantos serão os nossos mortos?
Roberto Lacerda Barricelli é autor de blogs, jornalista, poeta e escritor. Paulistano, assumidamente Liberal, é voluntário na resistência às doutrinas coletivistas e autoritárias
Esse conteúdo foi originalmente publicado no portal do Instituto Liberal