Liberdade na internet na China pode estar nas nuvens

03/02/2014 12:42 Atualizado: 03/02/2014 12:42

Liberdade Colateral” pode soar como uma operação militar, mas seus defensores diriam que é exatamente o oposto. Trata-se de uma nova tentativa de arrombar a internet chinesa, que o regime comunista tenta manter isolada de influências externas incômodas.

“A liberdade de expressão está garantida na Constituição chinesa”, diz Charlie Smith, um dos ativistas por trás do projeto. Se ele e seus colegas do GreatFire.org tiverem sucesso, a nova iniciativa dissolverá o controle do Partido Comunista Chinês sobre a internet.

Na China, quando você clica num link para um website que os censores da internet do Partido Comunista não querem que você veja, a página não carregará. Uma forma comum de contornar isso é instalar softwares como o FreeGate ou o UltraSurf que abrem brechas na Grande Firewall.

Este novo método, que está sendo testado pelo GreatFire.org, um grupo sem fins lucrativos dedicado a combater a censura chinesa, é copiar todo o website e torná-lo “inbloqueável”. A liberdade é colateral.

Neste cenário, o caminho para uma internet mais livre na China poderia começar com um link que pareça como isto: https://s3.amazonaws.com/ O ‘S3’ refere-se ao serviço de armazenamento em nuvem da Amazon, enquanto o ‘AWS’ significa ‘Amazon Web Services’.

O GreatFire está hospedando websites na plataforma que são de outro modo bloqueados na China. Até agora, os censores chineses não se aventuraram a bloquear esses sites-cópias, ou “espelhos”, dos sites originais.

Hospedagem em nuvem (cloudhosting)

A ideia de hospedar sites inteiros e torná-los inbloqueáveis desenvolveu-se na equipe GreatFire após suas próprias experiências com censura.

No ano passado, eles fizeram um aplicativo para iPhone que permitia acesso à internet sem censura. Usuários na China podiam baixá-lo por meio da AppStore.

Uma vez que as autoridades chinesas ficaram sabendo disso, no entanto, eles forçaram a Apple remover o aplicativo. Muitas empresas ocidentais descobriram que cooperar com o regime de censura das autoridades chinesas é uma das condições para fazer negócios na China. (Um fato que pode se tornar relevante para o novo empreendimento do GreatFire.)

Logo depois, a equipe GreatFire observou como o Github, um repositório de código de computador, foi bloqueado pelas autoridades chinesas.

Tendo em conta que seu próprio navegador foi bloqueado, assim como um grande website fora da China, “nós percebemos que poderíamos aproveitar a computação em nuvem para levar espelhos de websites à China que seriam inbloqueáveis”, diz Charlie Smith, um ativista que trabalha em tempo parcial para o GreatFire, em entrevista por telefone.

“Desde então, nós desbloqueamos nosso próprio Free Weibo, desbloqueamos o website Reuters China dois dias depois de ele ser bloqueado e também o China Digital Times. Nós colocamos a teoria em prática”, disse ele. “Até agora isso está funcionando.”

Smith diz que seria extremamente inconveniente para os negócios na China se as autoridades fossem bloquear os serviços de nuvem da Amazon inteiramente. “Haveria graves consequências econômicas para muita gente.” Entre os usuários do AWS na China estão: o Qihoo 360, que administra um grande navegador de internet; a Xiaomi, uma empresa popular de smartphones; e o Funplus Game, que cria jogos de socialização.

Não há garantias, no entanto. Mas se o Partido Comunista acabar bloqueando o AWS, Smith disse que simplesmente pularia para o próximo serviço. “Nós então nos moveríamos para o Google. A mesma coisa ocorreria. Então para a Microsoft. A mesma coisa ocorreria. Então para o Rackspace. Em seguida, milhares de outras empresas de computação em nuvem.”

Um conjunto de serviços

O GreatFire surgiu em 2011, quando um grupo de amigos online com laços com a China – Smith diz que eles não se encontraram no mundo real – se reuniram para tentar monitorar e derrotar a Grande Firewall do regime chinês.

O GreatFire oferece uma variedade de serviços para contornar a censura na internet chinesa: um serviço de monitoramento que pode testar o que é bloqueado e o que não é, e a extensão do que é bloqueado; um serviço Free Weibo, que recolhe postagens do Weibo, um serviço popular chinês similar ao Twitter, e as exibe, mesmo depois de terem sido censuradas pelas autoridades; e agora o projeto Liberdade Colateral.

A organização sem fins lucrativos é, compreensivelmente, silenciosa sobre os aspectos de suas operações. Charlie Smith é um pseudônimo. Smith disse que trabalhou para o GreatFire em tempo parcial, mas além disso ele não revelaria sua localização ou qualquer informação pessoal.

Smith disse que há apenas um punhado de funcionários, dos quais apenas um em tempo integral. Ele disse que desde 2011 a organização foi autofinanciada, e que no ano passado recebeu uma concessão do Departamento de Estado dos EUA.

Smith não forneceu quaisquer detalhes sobre a concessão – como quando foi dada ou seu tamanho. O Departamento de Estado, em seu website, anuncia uma série de subsídios que apoiam o desenvolvimento de ferramentas de liberdade na internet. A subvenção mínima para as partes em 2013 foi de US$ 500 mil e o website dizia: “Prêmios superiores a US$ 1,5 milhão são incomuns.”

O Departamento de Estado não respondeu, até a publicação deste texto, a um pedido de comentário sobre sua relação com o GreatFire. Um pedido de informações ao departamento está pendente.

Smith diz que as ferramentas de espelhamento do GreatFire são uma tentativa do grupo de fazer algum dinheiro para financiar suas operações.

Borda do espelho

A viabilidade da utilização do método de espelho para desbloquear praticamente todos os websites que as autoridades chinesas possam querer bloquear não está clara.

Pode ser uma opção econômica: embora Smith não discutisse qualquer um dos detalhes financeiros, custos de hospedagem do AWS não são particularmente caros.

Se um website fosse receber 100 mil acessos únicos por dia, ele só custaria cerca de US$ 549 em hospedagem por mês (calculado em 1,5 megabytes por página carregada). Banners publicitários não são afetados pelo espelhamento.

O GreatFire agora está espalhando sua oferta para organizações de mídia e notícia que têm interesse em ter seu conteúdo diante de olhos chineses.

“Estamos batendo em muitas portas”, disse Smith. “O New York Times, por exemplo, que fez investimentos no mercado da China; acho que se eles soubessem que há uma maneira para as informações serem entregues na China, eles deveriam insistir para que a informação seja entregue, mesmo que apenas do ponto de vista econômico.”

Ironicamente, um dos obstáculos para o sucesso do plano será a autocensura por parte das empresas ocidentais, cujas plataformas eles buscam aproveitar para expandir a liberdade na internet na China.

A Apple, por exemplo, remove softwares de sua AppStore que julga estar em conflito com a lei chinesa – exercendo efetivamente a censura em nome das autoridades chinesas.

A Amazon diz que está “fazendo parceria com organizações governamentais chinesas para avançar a computação em nuvem na China”. Se isso significa que eles também poderão ser pressionados para encerrar os websites-espelho do GreatFire e como eles responderão a essa pressão, não está claro. A Amazon não respondeu a um pedido de comentários por e-mail até a publicação deste artigo.

Outra questão é simplesmente a natureza do mecanismo: ela é estática.

De acordo com Bill Xia, que administra a Dynamic Internet Technology, fabricante do FreeGate: “Acho que qualquer coisa estática pode ser bloqueada. O AWS é estático. É preciso ser dinâmico.” Ele acrescentou: “O AWS é uma pequena escala válida, uma solução em curto prazo para visitar websites de notícias.”

Mas independentemente dos problemas, Smith está confiante de que espelhar websites pelo menos abrirá uma nova frente na batalha contra a censura do Partido Comunista Chinês. Se a Amazon cortar seu serviço, eles simplesmente mudarão para outro sistema de nuvem.

“O que a China fará? Ela se isolará da internet mundial?”, perguntou Smith retoricamente. “Isso não ocorrerá.” Ele acrescentou: “Eu sou um otimista. Outros discordariam de mim neste momento.”