As motivações psicológicas, embora sejam um fator relevante por trás de muitos trabalhos artísticos, não operam no vácuo, nem são independentes de limitações externas. As circunstâncias econômicas influenciam a capacidade dos artistas de expressar suas aspirações estéticas. Especificamente, a independência artística requer independência financeira e um mercado comercial forte. Beethoven escreveu: “Não desejo de forma alguma ser um agiota musical, como vocês pensam, que escreve apenas para enriquecer! Apesar disso, gosto de uma vida independente, e não posso tê-la sem uma pequena renda.”
O capitalismo gera a riqueza que permite aos indivíduos se sustentar por meio da arte. As profissões artísticas, um fenômeno relativamente recente na história humana, florescem com o crescimento econômico. O aumento dos níveis de riqueza e conforto libertou os indivíduos criativos dos cansativos trabalhos braçais e forneceu-lhes meios para tentar realizar suas fantasias.
As sociedades ricas geralmente consomem quantidades maiores de diversões não-pecuniárias. A capacidade da riqueza de satisfazer nossas necessidades físicas básicas eleva nossos objetivos e nossos interesses estéticos. De acordo com esse mecanismo, o número de indivíduos que podem se sustentar como artistas em tempo integral tem crescido constantemente por séculos.
Talvez ironicamente, a economia de mercado aumenta a independência do artista em relação às demandas imediatas do público consumidor de cultura. O capitalismo financia fontes alternativas de apoio financeiro, permitindo aos artistas que invistam em suas habilidades, iniciem projetos de longo prazo, sigam a lógica interna do gênero ou nicho que escolheram ou que desenvolvam suas capacidades mercadológicas. Uma sociedade comercial é uma sociedade próspera e confortável e que oferece uma grande variedade de nichos, nos quais os artistas podem encontrar meios de satisfazerem seus desejos criativos.
Muitos artistas não conseguem obter sustento a partir de sua arte e precisam de fontes externas de apoio financeiro. Ao contrario do que pensam muitos outros comentaristas, eu não vejo nesse fenômeno uma falha do mercado. Os mercados de arte, às vezes, não reconhecem os méritos de grandes artistas, porém, uma economia rica, como um todo, é mais bem preparada para enfrentar esse tipo de falha de julgamento do que uma economia pobre. Uma economia rica dá aos artistas um grande número de outras fontes de potenciais apoios financeiros.
As fundações privadas, as universidades, as heranças de parentes ricos e os empregos comuns, que destruiriam o impulso artístico, têm dado apoio a criadores iniciantes. Jane Austen vivia da riqueza de sua família, T. S. Eliot trabalhou no banco Lloyd’s, James Joyce foi professor de línguas, Paul Gauguin acumulou uma poupança através de seu trabalho como corretor, Charles Ives foi um executivo de seguros, Vincent Van Gogh recebia apoio de seu irmão, William Faulkner trabalhou numa usina energética e mais tarde foi roteirista em Hollywood, Philip Glass era motorista de táxi na cidade de Nova York. William Carlos Williams trabalhava como médico em Rutherford, Nova Jersey, e escrevia poesias entre visitas a seus pacientes.
O poeta americano Wallace Stevens seguia uma carreira, em tempo integral, na indústria de seguros. Quando lhe ofereceram uma cadeira para lecionar e escrever poesia na Universidade de Harvard, Stevens recusou. Ele preferia trabalhar com seguros a dar aulas, e não desejava sacrificar sua posição na firma. Certa vez, um colega de trabalho acusou Stevens de trabalhar em sua poesia durante seu expediente na companhia. Ele respondeu: “Eu penso em problemas com fiadores nos sábados e domingos, enquanto passeio pelo Elizabeth Park. Então, ficamos quites.”
Boa parte da revolução cultural anti-establishment foi financiada pelas próprias famílias dos artistas. Os principais artistas franceses do século XIX viviam de recursos familiares – vários gerados por meio de atividade mercantil – durante parte de suas carreiras. Essa lista inclui Delacroix, Corot, Courbet, Seurat, Degas, Manet, Monet, Cézanne, Toulouse-Lautrec e Moreau. Os escritores franceses Charles Baudelaire, Paul Verlaine e Gustave Flaubert foram ainda mais longe em suas atitudes anti-establishment, ainda que às custas de seus pais.
Mesmo os artistas mais isolados acabam por depender secretamente da riqueza capitalista. Marcel Proust se isolou para escrever num quarto forrado com cortiça, cobrindo-se com cobertores e não se arriscando sair por mais de 15 minutos por dia. Ainda assim, dependia da riqueza de sua família, obtida por meio do mercado de ações parisiense. Paul Gauguin deixou o mundo artístico francês em direção à ilha tropical do Taiti, sabendo que suas pinturas se valorizariam enquanto estivesse ausente, o que lhe concederia um retorno triunfal. Gauguin nunca extinguiu sua incansável autopromoção e, durante suas estadas no Pacífico, monitorava constantemente o valor de suas pinturas na França.
A riqueza e a segurança financeira dão aos artistas espaço para rejeitarem valores sociais. O boêmio, o vanguardista e o niilista são todos produtos do capitalismo. Eles buscaram formas de liberdade e criatividade exclusivas do mundo moderno.
Os incentivos financeiros
Muitos artistas rejeitam o estilo de vida boêmio e buscam o lucro. Os artistas do Renascimento italiano eram em primeiro lugar – e principalmente – homens de negócios. Eles produziam pelo lucro, escreviam contratos comerciais e não hesitavam em abandonar um trabalho que não lhes remunerasse suficientemente. Em sua autobiografia, o escultor renascentista Benvenuto Cellini advertia: “Seus pobres idiotas, eu sou um ourives pobre e trabalho para qualquer pessoa que me pague.”
Bach, Mozart, Haydn e Beethoven eram obcecados por ganhar dinheiro por meio de sua arte, como revela a leitura de suas cartas. Mozart chega a escrever: “Acredite, meu único propósito é ganhar o máximo de dinheiro que for possível; depois de uma boa saúde, é o melhor que se pode ter.” Charlie Chaplin, quando recebeu o Oscar em 1972, afirmou: “Entrei nesse ramo pelo dinheiro e a arte cresceu a partir disso. Se as pessoas ficam desiludidas com esse comentário, não posso fazer nada. É apenas a verdade.” As enormes recompensas financeiras disponíveis aos artistas mais bem sucedidos encorajam muitos indivíduos a tentar entrar no mercado das artes.
Os lucros sinalizam onde os artistas encontram as maiores e mais entusiasmadas plateias. Nigel Kennedy, o “violinista punk” britânico, escreveu: “Acho que se você está tocando música ou fazendo arte, você pode, de alguma forma, medir o nível de comunicação que você está conseguindo pela quantidade de dinheiro que você e as pessoas à sua volta estão ganhando.” Os artistas que desejam transmitir uma mensagem a outras pessoas devem prestar atenção nos ganhos do mercado, mesmo que tenham pouco interesse em riquezas materiais. Os milhões ganhos por Prince e Bruce Springsteen indicam o quanto eles foram bem sucedidos na propagação de sua influência.
Beethoven pensava no dinheiro como um meio para ajudar outras pessoas. Quando um amigo necessitado lhe pedia ajuda, ele às vezes escrevia uma composição por dinheiro: “Eu só tenho que sentar à minha mesa e, em pouco tempo, já consigo ajudá-lo.” O dinheiro, como um meio geral de trocas, serve a fins diferentes, não apenas aos materialistas e gananciosos.
O financiamento de materiais artísticos
Os artistas que buscam os lucros nem sempre acumulam riquezas para si mesmos. A renda de um artista lhe permite adquirir os materiais necessários para a criação artística. Os escultores iniciantes devem pagar pelo bronze, o alumínio e a pedra. Os escritores desejam viajar buscando ideias e ambientação para suas histórias e os músicos precisam de tempo em estúdios. J.S. Bach usava sua renda secundária, obtida por meio de apresentações em casamentos e funerais, para se desobrigar de seu compromisso de lecionar latim, tendo assim mais tempo para compor. Robert Townsend produziu seu famoso filme Confusões em Hollywood vendendo o uso de seus cartões de crédito a amigos. O dinheiro é um meio para os fins da expressão criativa e da comunicação artística.
A riqueza capitalista garante o sustento da produção artística. Os teatros elisabetanos, onde as peças de Shakespeare eram encenadas, visavam o lucro e eram financiados pela venda de ingressos. Pela primeira vez na história inglesa, o teatro empregava atores profissionais em tempo integral, companhias de produção e autores. Prédios eram construídos especificamente para as produções dramáticas. Shakespeare, que escrevia por dinheiro, conseguia um bom sustento como ator e escritor.
O preço de pianos, violinos, sintetizadores e mixers tem caído, em relação à inflação, desde que foram inventados. Com o advento da câmera de vídeo doméstica, até mesmo a produção de filmes passou a ser acessível atualmente. No fim do século XIX, a fotografia floresceu com as inovações tecnológicas. O preço dos equipamentos caiu drasticamente e a revelação de fotos se tornou bem mais fácil. Os fotógrafos se tornaram capazes de trabalhar com câmeras portáteis e não mais precisavam processar as fotos imediatamente após tirá-las. Os equipamentos fotográficos não pesavam mais 20 ou 30 quilos, e os custos de se manter uma câmara escura itinerante foram eliminados.
A queda dos preços dos materiais colocou a arte ao alcance de milhões de entusiastas e de possíveis profissionais. Em épocas anteriores, até mesmo o papel era caro, limitando o desenvolvimento tanto da escrita quanto da pintura a famílias que possuíssem uma condição financeira relativamente melhor. Vincent van Gogh, um asceta solitário que ignorava o gosto popular, não conseguiria manter seu estilo de vida em outros tempos. Seu inconformismo só foi possível porque o progresso tecnológico reduziu os custos das tintas e telas, o que lhe permitiu persistir como artista.
As mulheres artistas, como Berthe Morisot e Mary Cassatt, também obtiveram vantagens com a queda dos custos materiais para entrada no mercado. No fim do século XIX, as mulheres passaram a poder pintar em seu tempo livre sem ter de gastar quantias exorbitantes com materiais. A força de vontade artística se tornou mais importante do que o apoio financeiro externo. Essa mudança garantiu às vitimas de discriminação acesso ao mundo da arte. A presença de mulheres nas artes visuais, na literatura e na música tem aumentado constantemente à medida que o capitalismo avança.
A queda dos preços dos materiais pode explicar porque a arte foi capaz de se distanciar do gosto popular no século XX. No início da história da arte, tintas e materiais eram muito caros; os artistas eram limitados pela necessidade de conseguirem trabalhos e de os venderem imediatamente. Com a queda dos preços, os artistas puderam buscar mais inovação e expressão pessoal, em detrimento da satisfação dos clientes e dos críticos. A arte moderna se tornou possível. Os impressionistas não precisavam da aceitação imediata do salon francês, e os expressionistas abstratos podiam continuar trabalhando, mesmo quando Peggy Guggenheim era sua única compradora.
O próprio bem-estar e a saúde do artista, uma forma de “capital humano”, constitui um recurso especialmente importante. A modernidade melhorou a saúde e estendeu a vida dos artistas. John Keats não teria morrido aos 26 anos, vítima de tuberculose, se possuísse acesso à medicina moderna. Paula Modersohn-Becker, uma das pintoras mais talentosas que a Alemanha já produziu, morreu de complicações de um parto aos 31 anos. Mozart, Schubert, Emily Brontë e muitos outros, que nem chegaram a começar uma carreira, também são parte das tragédias médicas que seriam evitadas nos tempos modernos. A capacidade que uma sociedade rica possui para fornecer sustento às vidas de um número maior de pessoas, comparada à das sociedades pré-modernas, tem fornecido estímulos significativos tanto do lado da oferta, quanto do lado da demanda nos mercados de arte.
A maioria dos avanços na saúde e na expectativa de vida ocorreu mais recentemente. Nos Estados Unidos de 1865, um dos países mais ricos e saudáveis daquela época, um menino recém-nascido não possuía uma expectativa de vida maior do que 39 anos. Apesar disso, muitos dos maiores compositores, escritores e pintores chegaram ao auge após seu quadragésimo aniversário.
As tecnologias de controle de natalidade, em geral disponíveis apenas nas últimas décadas, concederam às mulheres um controle maior sobre suas vidas e condições domésticas. A maioria das pintoras famosas do passado, por diversas razões intencionais e acidentais, teve poucos filhos ou mesmo nenhum. As responsabilidades da maternidade mantinham as mulheres fora do mundo da arte. Hoje, artistas iniciantes possuem mais controle sobre a possibilidade de ter filhos ou não. A crescente proeminência das mulheres na música, na literatura e nas artes visuais nos fornece um dos argumentos mais convincentes em favor do otimismo cultural. Na maior parte da história da humanidade, pelo menos metade da raça humana foi excluída de várias formas artísticas importantes, e as mulheres estão apenas começando a instaurar o equilíbrio.
As artes ficam para trás em matéria de produtividade?
William Baumol e William Bowen, dois economistas que estudaram as artes cênicas, acreditam que o crescimento econômico impõe uma “doença de custos” sobre a produção artística. Eles afirmam que o aumento da produtividade aumenta os custos relativos da arte enquanto porcentagem da renda nacional. As artes supostamente não gozam da mesma forma dos benefícios dos progressos técnicos. Levava-se 40 minutos para se executar um quarteto de cordas de Mozart em 1780, e ainda se leva 40 minutos hoje. À medida que os salários crescem na economia, o custo relativo de se apoiar a arte aumenta, segundo essa hipótese.
Contrariando o que afirmam Baumol e Bowen, as evidências sugerem que as artes obtêm grandes benefícios do progresso tecnológico. A prensa tipográfica, as inovações na produção do papel e, agora, a internet aumentaram a disponibilidade da palavra escrita. Os impressionistas franceses adquiriram cores novas a partir de inovações na indústria química. As gravações e o rádio, duas inovações importantes, aumentaram a produtividade da orquestra sinfônica. As produções sinfônicas alcançam agora milhões de ouvintes, com mais facilidade do que antes. Esses avanços tecnológicos não são acontecimentos definitivos, que apenas adiam o início da “doença de custos”. Pelo contrário, o progresso tecnológico beneficia as artes de uma forma contínua e cumulativa.
O argumento da doença de custos negligencia os aspectos benéficos do crescimento econômico. As artes se beneficiam mais dos avanços tecnológicos do que pode parecer. A produção de um concerto sinfônico, por exemplo, envolve mais do que simplesmente colocar a orquestra numa sala e pedir que os músicos toquem Shostakovich. Os participantes devem descobrir a existência uns dos outros, cuidar de sua saúde e de sua mente, providenciar transporte para os ensaios e apresentações, além de receber opiniões de qualidade de críticos e professores. Em cada um desses aspectos, o mundo moderno ultrapassa com facilidade a produtividade das épocas anteriores, e isso ocorre, em grande parte, por conta dos avanços tecnológicos.
Mecanismos de mercado em apoio à diversidade artística
Os mercados bem desenvolvidos dão suporte à diversidade cultural. Uma breve visita a qualquer megaloja de CDs ou livros é suficiente para derrubar a crença de que os gostos literários e musicais se tornam, a cada dia, mais homogêneos. As lojas de varejo usam a seleção de produtos e a diversidade como estratégias primárias para a atração de consumidores. Mesmo os itens que não geram lucros diretos ajudam a atrair negócios e visitas à loja e, dessa maneira, contribuem para a capacidade do empreendimento de oferecer uma ampla variedade de produtos.
A variedade de produtos artísticos disponíveis não deveria nos surpreender. Adam Smith enfatizou que a divisão do trabalho e, dessa forma, o grau de especialização, é limitada pela extensão do mercado. No caso da arte, um mercado maior derruba os custos das atividades criativas e facilita o descobrimento dos nichos de mercado. Por outro lado, quando existe apenas um mecenas, o artista deverá satisfazer os gostos daquela pessoa ou não obterá nenhuma renda.
Os mercados crescentes de música, literatura e belas artes têm libertado os artistas da dependência do patrocínio. Um patrocinador, ao contrário de um cliente, apoia um artista com seu próprio dinheiro, sem necessariamente adquirir o produto artístico. Samuel Johnson, escrevendo no século XVIII, descrevia um mecenas como “um infeliz que apoia com insolência e é pago com bajulação”. Entretanto, nem mesmo Johnson acreditava que os mecenas eram intrinsecamente maus; o problema surge apenas quando os artistas são completamente dependentes de um único mecenas. As relações de patrocínio, que atualmente atingem seu ápice histórico, tornaram-se mais benéficas à criatividade artística através dos tempos. O tamanho e a diversidade das fontes modernas de financiamento concedem ao artista poderes de negociação, visando à criação de espaços para sua liberdade criativa.
O crescimento do mercado libertou os artistas não apenas do mecenas, mas também da potencial tirania do gosto predominante no mercado. Diferentemente do século XVIII, hoje um livro não precisa ocupar o topo da lista dos mais vendidos para garantir uma remuneração satisfatória a seu autor. Os artistas que acreditam estar à frente de seu tempo podem entregar-se a seus próprios gostos e liderar uma nova tendência. Hoje em dia é mais fácil do que nunca a obtenção de sustento focando-se apenas num nicho artístico e rejeitando as tendências populares.
No âmbito da cultura, os mecanismos do mercado fazem mais do que simplesmente dar aos consumidores o que desejam. Os mercados garantem aos produtores uma liberdade maior para educar seu público. A arte consiste num diálogo contínuo entre o produtor e o consumidor; esse diálogo ajuda as duas partes a decidir o que desejam. O incentivo mercadológico para a conclusão de uma venda lucrativa fornece, simultaneamente, um incentivo para o engajamento de produtores e consumidores num processo de apuro dos desejos. O crescimento econômico aumenta nossa capacidade de desenvolvimento de gostos sofisticados e especializados.
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ordem Livre