No debate ideológico brasileiro, existe um grave e recorrente engano. Muitas pessoas associam o liberalismo ao período militar. Durante anos, os movimentos mais à esquerda trabalharam para associar as ideias liberais ao período da ditadura. Com o fim do regime dos generais, essa ideia se consolidou na cabeça de muitas pessoas.
Em disputas políticas, é muito comum que adversários lancem mão de estereótipos como um forte artifício retórico. Nilson Lage explica a repetição incessante dessa construção. Segundo o teórico, as pessoas utilizam os estereótipos, porque “tais modelos estão prontos; sua aceitação é garantida. Por isso, bastam alguns pontos em comum para que se funde um reconhecimento. É por esse meio que se instaura a generalidade do particular e as notícias tornam-se exemplos de algo sobre o que há consenso ideológico”.
O ponto em comum encontrado pelos movimentos de esquerda foi encaixar em um só grupo todos que se opõem ao socialismo/comunismo. Dessa forma, entram no mesmo saco de ditadores militares até libertários e anarco-capitalistas. Estereótipos são eficientes porque simplificam uma ideia, trocando a parte pelo todo e fazendo desaparecer as diferenças dentro do segmento estereotipado. Essa simplificação ajuda na disseminação de ideias e ideologias, criando um discurso facilmente incorporável por qualquer pessoa.
Contudo, a verdade é que, em termos práticos, as experiências de governos socialistas/comunistas estão muito mais próximas do que foi visto no regime militar. Vejamos alguns pontos. Tanto a ditadura militar quanto os grupos políticos de esquerda que assumiram o poder pelo mundo (Brasil, Venezuela, Argentina, Bolívia, Cuba, etc) querem um Estado forte e que intervenha na economia e na vida social. Outro ponto em comum é o desejo de criar regulamentações para a imprensa.
Ambos os grupos coincidem também na estratégia de utilizar o ensino público como uma forma de disseminar seus valores e ideologia. É só notar que em ambos os casos (militares e esquerdistas) se dedicaram a “reformar” o currículo das escolas dirigidas pelo governo e também lançaram novas diretrizes para a educação.
Por fim, note-se que tanto governos militares quanto governos socialistas/comunistas têm aspirações hegemônicas e buscam governar de forma autocrática, passando por cima da divisão de poderes. As medidas provisórias, guardadas as devidas proporções, são muito similares aos atos institucionais do regime militar. Os dois instrumentos têm como objetivo sobrepor a influência dos poderes Legislativo e Judiciário e permitir que o Executivo implante suas ações sem passar pelo crivo dessas duas instâncias.
A estratégia de muitos grupos de esquerda – de associar o liberalismo à ditadura – foi bem sucedida. Cabe agora aos que defendem o verdadeiro liberalismo divulgar os verdadeiros valores liberais como o respeito à liberdade individual e de imprensa, defesa da propriedade privada, limitação da ação estatal, liberdade de escolha, responsabilização e meritocracia. É preciso mostrar que, apesar de terem sido opositores, governos militares e comunistas/socialistas compartilham da mesma linha ideológica, que visa expandir a ação governamental em detrimento do bem-estar da sociedade como um todo.
Pedro Valadares é jornalista e especialista do Instituto Liberal