Leopoldo López: o calvário de um preso político latino-americano

09/03/2015 10:55 Atualizado: 09/03/2015 11:46

A irmã do líder da oposição venezuelana, Leopoldo López, disse que seu irmão é acusado de homicídios e violência nos quais não teve parte. Ele está preso na penitenciária militar Ramo Verde fora de Caracas, na solitária, portanto é restrito o contato com outras pessoas.

Antes de sua prisão em 19 de fevereiro de 2014, López era conhecido por reunir centenas de milhares de manifestantes nas ruas de toda Venezuela. Pós-graduado em Harvard, López, 43, é ex-prefeito de um município de Caracas.

Desde sua prisão, López tornou-se um ícone dos direitos humanos e um dos presos políticos mais proeminentes da América Latina. Muitos analistas da região disseram que López atingiu a estatura de principal oponente político do governo socialista bolivariano do presidente Nicolás Maduro.

Leia também:
Militar denunciou prefeito de Caracas ‘sob tortura’, diz advogado
Venezuela: grande ‘Marcha pela paz e pela vida’ toma ruas de San Cristóbal
Elías Jaua treina exército de 20 mil cubanos na Venezuela, denuncia general

Em 26 de fevereiro, marcando o aniversário de sua prisão, Adriana López defendeu seu carismático irmão no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) em Washington D.C., EUA.

Adotando o mesmo tom de voz auto-confiante e desafiador de seu irmão, Adriana disse: “Eu acho que o governo [Maduro] teme qualquer um que não tenha medo…. [Leopoldo López] não tem medo de enfrentar o governo”, disse ela.

Ela disse que quando o visitou há três semanas, ele estava otimista. “Adriana, eu estou bem. Eu tenho me preparado para isso há muito tempo”, López disse a ela. Ele estava se referindo ao tempo em que foi perseguido pelo falecido Hugo Chávez, a quem Maduro substituiu.

Crueldade

Mantido em uma pequena cela, as visitas estão restringidas a membros próximos da família e advogados. Embora ele não esteja fisicamente sendo torturado como outros prisioneiros políticos na Venezuela, ele está sujeito à crueldade. Mantido em confinamento solitário, ele permanece sem ver a luz do sol por vários dias. Adriana López disse que os guardas jogam excremento e urina sobre ele e, em seguida, desligam a água e a electricidade, de modo que ele não possa se limpar.

Eles sabem o quanto ele quer ver sua irmã Adriana, então as visitas algumas vezes lhe são negadas, disse ela.

É claro que ele sente falta de seus dois filhos, agora com 5 e 2 anos de idade. Em um momento de partir o coração, sua filha perguntou-lhe uma vez: “Você vai morrer na prisão?”

Confronto

López foi acusado de provocar tumultos, incêndio criminoso e danos à propriedade pública. Os promotores públicos disseram a López que ele foi o responsável pelos tumultos e pelas 43 mortes que ocorreram durante protestos, que antecederam uma grande manifestação no centro de Caracas, em 12 de fevereiro de 2014.

Durante duas semanas, López conclamou os venezuelanos para ir às ruas em uma campanha chamada “A Saída” ou “A Solução” – tradução aproximada do espanhol.

López argumenta que só promovia uma mudança constitucional, exigindo que Maduro se demitisse em resposta ao descontentamento público massivo expresso nos protestos pacíficos.

“Para os venezuelanos, uma mudança na liderança do país pode ser realizada inteiramente dentro de um quadro constitucional e legal”, ele escreveu em uma carta ao New York Times.

Durante uma semana após a manifestação de 12 de fevereiro, ele passou a se esconder. Ele se entregou às autoridades em 18 de fevereiro de 2014, na frente de milhares de seus partidários, quando disse:

“Se a minha prisão serve para despertar o povo, serve para despertar a Venezuela… então valerá a pena a infame prisão imposta a mim, com covardia”, gritou ele através de um megafone do alto de uma estátua do século 19 do herói da independência cubana José Martí em uma praça de Caracas, de acordo com notícias da CBS.

As manifestações em massa promovidas por López têm uma semelhança com os protestos que eclodiram durante a Primavera Árabe, que começou em dezembro de 2010, quando manifestantes tomaram as ruas na Tunísia, seguido por Egito, Líbia, Bahrein e Síria, em um esforço para derrubar seus governantes autoritários.

Muitos da oposição mais moderada na Venezuela se opõem a essas táticas de rua, porque segundo eles isso desvia a atenção dos venezuelanos dos problemas econômicos, de acordo com um relatório da Reuters.

Durante as manifestações, a Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e milícias armadas patrocinadas pelo governo de Maduro atacaram os manifestantes desarmados com munição real, canhões de água e gás lacrimogêneo, de acordo com Ana Quintana, da Fundação Heritage. “Os jornalistas que tentaram denunciar estes crimes foram agredidos fisicamente, tiveram seus vistos revogados, e foram até mesmo sequestrados”, escreveu ela.

Além de López, dezenas de outros prefeitos, ex-prefeitos e membros da oposição foram presos também. Recentemente, em 19 de fevereiro, “um grupo de homens com roupas camufladas, vestindo coletes à prova de balas … e alguns usando máscaras”, de acordo com o Huffington Post, arrombaram a porta do escritório do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma. Eles aprisionaram o prefeito de 59 anos sem qualquer explicação, de acordo com a sua filha Antonieta Ledezma, que fez declarações ao Al-Jazeera em 27 de fevereiro.

Devido a nenhum mandado de prisão ter sido mostrado, ela disse que seu pai tinha sido sequestrado. Ele foi acusado de planejar um golpe para derrubar o governo e parceria com os Estados Unidos, uma acusação que o Departamento de Estado americano classificou como “infundadas e falsas”.

O julgamento

Maduro pediu pessoalmente a detenção e prisão de López, uma indicação de que seu julgamento não é susceptível de ser imparcial.

A Anistia Internacional disse que a prisão foi “tentativa motivada politicamente para silenciar o dissidente”.

Tanto o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela quanto o ministro das Relações Exteriores acusaram López de ser o responsável pela violência durante os protestos antigovernamentais. No dia seguinte, foi emitido um mandado de prisão contra ele.

Essas acusações, juntamente com o pronunciamento do presidente Maduro de que López é culpado e vai pagar por seus pecados, são contrárias à presunção de inocência.

Não há nenhuma evidência de que López estava presente quando três manifestantes foram mortos em 12 de fevereiro. Na carta ao Times, ele disse: “Uma análise do vídeo feita pela organização Últimas Noticias determinou que os tiros foram disparados a partir da direção de tropas militares à paisana. ”

O advogado de direitos humanos Jared Genser disse ao CSIS que foram as forças de segurança que abriram fogo, e não os manifestantes ou López, que não estava presente no local.

Genser, que trabalha para libertar prisioneiros de consciência, é um membro da equipe de defesa de López.

A acusação está tentando provar que os discursos de López incitaram a multidão com “mensagens subliminares”, disse ele.

A defesa tinha 60 testemunhas e alguns vídeos que mostravam que as manifestações foram pacíficas. O juiz descartou todos menos duas testemunhas, e todos os vídeos, de acordo com Genser.

É improvável que López seja liberado tão cedo. Desde 2004, o governo detém o controle político sobre o poder judiciário, que “em grande parte deixou de funcionar como um ramo independente do governo”, de acordo com a Human Rights Watch (HRW).

“Em um país onde o judiciário carece de independência, o futuro de Leopoldo López está nas mãos de um juiz que poderia ser removido do cargo por um telegrama, sem qualquer explicação, como já ocorreu no passado. A decisão sobre o futuro do juiz, por sua vez, está nas mãos dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, um corpo que tem rotineiramente confirmado as políticas do governo”, afirma a HRW.

Ícone dos Direitos Humanos

“Leopoldo López é um típico prisioneiro de consciência”, disse Genser. Ele considera as acusações “ultrajantes”.

López vê o seu caso como o de quem resiste a um clima político opressivo. Um mês após a sua detenção, ele escreveu a carta supracitada, que apareceu no New York Times em 25 de março, em que ele chamou a atenção para as flagrantes violações dos direitos humanos cometidas pelo governo.

“Desde que os protestos estudantis começaram em 4 de fevereiro de 2014, mais de 1.500 manifestantes foram detidos e mais de 50 relataram que foram torturados enquanto sob custódia policial. Mais de 30 pessoas, inclusive as forças de segurança e civis, morreram nas manifestações. O que começou como uma marcha pacífica contra a criminalidade em um campus universitário expôs a profundidade da incriminação de dissidentes por parte deste governo.”

Além disso, López escreveu, “os grupos paramilitares pró-governo, ou ‘coletivos’, que tentaram silenciar os protestos através da violência e da intimidação, precisam ser desarmados.”

Além de violações dos direitos humanos, López descreve o que há de errado na Venezuela depois de 15 anos sob o governo de Hugo Chávez e seu sucessor Nicolás Maduro.

A “aleijada” economia venezuelana tem uma taxa de inflação de 57 por cento e “uma escassez de bens básicos sem precedentes em tempos de paz”, escreveu ele. E a Venezuela também sofre de uma altíssima taxa de homicídios.

Em uma entrevista à CNN em 17 de fevereiro de 2010, López disse que, em 1998, a Venezuela teve 8.620 homicídios; em 2009, esse número subiu para 19.400.