Em 4 de junho de 1989, dia em que milhares de estudantes foram abatidos pelo fogo de metralhadoras ou esmagados sob as esteiras de tanques de guerra no centro de Pequim, estudantes não foram as únicas vítimas.
Vinte e seis anos depois de o Exército Popular de Libertação, braço militar do regime chinês, ter impiedosamente silenciado as vozes dos estudantes em Tiananmen, o que mudou não foi apenas a esperança das pessoas, mas a maneira como elas veem seus governantes.
De acordo com pesquisa realizada pelo New York Times, a maioria dos chineses, incluindo aqueles que residem no exterior, concordam com os ocidentais que a China é um país não democrático, não livre e onde as violações de direitos humanos são frequentes.
O que há de perturbador nisso? Eles já não se importam mais. Ainda que apenas 5,7% dos chineses (entrevistados) que vivem no exterior achem que a China é um país democrático (um regime de “democracia consultiva”) e que quase metade tenha dito que a situação dos direitos humanos na China está “ruim” ou “péssima”, surpreendentemente, quase metade acha que a democracia poderia causar “instabilidade social” e mais da metade dos entrevistados estão satisfeitos ou muito satisfeitos com as implementações na política da China.
Cavalheiro falso, vilão assumido
Nos tempos em que a filosofia de Confúcio guiava a sociedade, os antigos chineses eram ensinados a cultivar a virtude, serem junzi – um termo derivado de “filho da nobreza” -, isto é, um cavalheiro. O oposto de junzi era xiaoren, literalmente, uma pessoa insignificante – um canalha que só pensava em si mesmo e que, em sua conduta, desconsiderava a virtude.
Se o altamente visível e simbólico massacre de estudantes de Tiananmen em 1989 (Praça Celestial) revelou o Partido Comunista Chinês como um regime de “falsos cavalheiros”, na sequência, as reformas econômicas de Deng Xiaoping – que desmantelou o modelo de planejamento centralizado ao estilo Soviético em favor de um capitalismo patrocinado pelo Estado – colocaram os últimos pregos no caixão da utópica ideologia marxista do Partido Comunista Chinês.
Enquanto o Partido Comunista se estabelecia como única autoridade política na China continental, as velhas teorias do marxismo eram invalidadas pela realidade da economia de mercado. Junto com a destruição do ideal comunista, surgiu um vácuo moral e ético na China, o qual foi reforçado e encorajado pela educação pós-1989 (pós-massacre).
Chang Ping, jornalista dissidente chinês residente na Alemanha, disse que as principais mudanças feitas no ensino chinês depois do massacre de estudantes em Tiananmen (1989) foram criar uma geração de chineses jovens que parecem “ter a faculdade de pensar independentemente”, mas que, na verdade, foram educados para desempenhar o papel pensado para eles pelo Partido Comunista Chinês numa época em que os ensinamentos de Marx e Mao já não dão ao Partido nenhuma legitimidade ou possibilidade de sobrevivência.
De acordo com Chang Ping, o evento de Tiananmen obrigou o regime a enfrentar o fato de que suas pretensões anteriores de ser justo, democrático, livre, próspero e glorioso podem ser facilmente consideradas como hipócritas. Uma mudança de tática está em curso: a propagação da assim chamada “fase inicial” [do socialismo] tornou-se a nova linha do Partido, a admissão de que a China ainda não pode ser absolutamente justa, democrática e livre.
Ao mesmo tempo, Chang observa que, enquanto as pessoas educadas no período pós-1989 não foram mais ensinadas a ver o Partido como infalível, elas são frequentemente bombardeadas com o adágio de que “todos os corvos sob o sol são pretos [que há pessoas estúpidas, fanáticas, hipócritas, etc. em todos os lugares, inclusive no Partido] e que cada país tem seus próprios problemas e ninguém deve se colocar como candidato para julgar o que é justo ou correto”.
Essa visão de mundo, planejada pela Frente Unida, é incutida em crianças desde a pré-escola, diz Chang.
Em 18 de maio, foi realizado um encontro da Frente Unida, o primeiro desde que o secretário geral do Partido Comunista Chinês, Xi Jinping, assumiu o poder. No encontro, Xi falou que a Frente Unida deve concentrar seus esforços educacionais em três grupos: pessoas que estudam no exterior, representantes das novas mídias e os filhos da elite rica da China.
Merecedores de especial atenção, Xi disse, são os estudantes no estrangeiro, que estão destinados a compor o núcleo dos talentos [necessários para o Partido].
O regime chinês também usa a Internet para promover seu programa de doutrinação. O analista político independente, Tang Jingyuan, acredita que novas campanhas para promover o uso politicamente correto da Internet têm, em última análise, o objetivo de transformar crianças em veículos para a produção de opiniões online a favor do Partido.
“Essas crianças, que não sabem discernir entre o certo e o errado e não têm noções de valores universais, irão se tornar os defensores do Partido Comunista, ou seja, propagandistas gratuitos do regime”, disse Tang ao jornal Epoch Times.
O Caminho do vilão assumido
Chen Guangchen, dissidente chinês cego que escapou da prisão em Pequim e agora reside nos EUA, foi autor de um artigo para o Washington Post no qual descreve como na China atual há menos liberdade do que em 1989.
“Contos de fadas fantásticos sobre o poderio econômico da China e seu rápido desenvolvimento encantam e deslumbram o mundo. Mas essas histórias obscurecem uma realidade mais crua: rede de relacionamentos, corrupção e fraude fizeram com que a maior parte da riqueza da China acabasse nas mãos da elite”, escreveu Chen.
De acordo com Chang Ping, o Estado chinês vem preparando e formando um grupo de pessoas que não sabe distinguir o certo do errado e que acredita no conceito de que os vencedores devem ser coroados e os perdedores desprezados.
Chen, ao que parece, está de acordo com a avaliação de Chang sobre a imagem de vilão assumido, que ele diz ser promovida na China de hoje, especialmente à luz da corrupção descarada de hoje. Segundo Chen, a corrupção não era tão predominante na década de 1980.
“‘O furtivo ladrão se tornou um ladrão assumido’ é uma frase que se enraizou na sociedade chinesa depois do massacre na Praça Tiananmen. Isso significa acelerada corrupção e degeneração moral. Ao empregar a violência como um meio de se manter no poder, a mensagem do Partido Comunista para aqueles que apreciam uma vida de privilégios é: ‘Não se preocupe – aprecie a corrupção! Temos as armas e o poder do Estado. Quem se opor a nós será reprimido”, disse Chen.