Um tribunal federal canadense confirmou a decisão de deportar o fugitivo chinês Lai Changxing para a China na noite de quinta-feira.
Lai, que é acusado de comandar uma rede de contrabando de bilhões de dólares na China, lutava contra uma ordem de deportação decretada contra ele no início deste mês após quatro anos de deliberações, poucos dias antes da viagem à China do ministro das Relações Exteriores canadense John Baird.
Em sua decisão, o Juiz Michel Shore disse que Lai não conseguiu provar que será executado ou torturado se for deportado, citando as garantias dadas pelas autoridades chinesas.
Durante a audiência, o advogado de Lai, David Matas, que está atualmente na Alemanha, disse ao tribunal através de uma teleconferência que os esforços do regime chinês para ter Lai extraditado são uma “campanha política” para mostrar que está combatendo a corrupção.
Matas disse que seu cliente não receberia um julgamento justo na China e enfrentaria tortura. Ele mencionou o caso de Tao Mi, uma testemunha no caso de Lai na China, como um exemplo do porquê Lai não deve ser deportado.
Testemunha supostamente morta
Em certo momento, Tao Mi foi empregada por Lai e prestou depoimento em seu caso às autoridades chinesas.
Matas estava preocupado que os depoimentos dela e outros envolvidos no caso fossem feitos sob coerção. Em 2001, ele perguntou a Clive Ansley, um advogado canadense com escritório em Shanghai, para obter testemunhos de Tao e de outras testemunhas para depois apresentar num tribunal canadense como evidência.
Funcionários da Cidadania e Imigração do Canadá (CIC) garantiram que os depoimentos serão mantidos em sigilo e não seriam entregues às autoridades chinesas.
Ansley abriu o primeiro escritório estrangeiro de advocacia em Shanghai em 1984. Durante seus 14 anos de prática na China, ele lidou com cerca de 300 casos de litígio envolvendo tribunais chineses em nome de clientes estrangeiros. Ele também atuou como presidente do Fórum Empresarial Canadense em Shanghai e do Conselho Empresarial Canadá-China, no Capítulo de Shanghai, por dois mandatos.
Ansley diz que Tao veio até ele em seu escritório e depois de ser assegurada que as autoridades chinesas não saberiam sobre seu depoimento, disse-lhe que seu testemunho às autoridades chinesas não era verdade. Ela disse que foi forçada a testemunhar contra Lai porque as autoridades ameaçaram-na de não permitir ver seu filho de 2 anos novamente caso ela não cooperasse.
Tao disse a Ansley que ela foi torturada pela polícia chinesa enquanto estava em custódia por dois meses. Ela disse que foi acorrentada a uma cama e autorizada a usar somente roupas íntimas. Mesmo quando ia ao banheiro, ela era assistida por um policial masculino.
Ansley diz que apesar das garantias dadas pelas autoridades canadenses, a identidade de Tao, assim como sua própria identidade e a de dúzias de outras testemunhas que prestaram depoimento a ele em seu escritório, não foram mantidas confidenciais. Tao foi presa e Ansley foi convidado a deixar a China.
Num vídeo apresentado durante um tribunal canadense durante essa época, Ansley diz que viu Tao sendo interrogada por autoridades canadenses na presença da polícia chinesa, e ser perguntada se havia se encontrado com um advogado canadense em Shanghai.
Ansley diz que eles não têm ouvido falar de Tao e se preocupam que ela tenha sido morta pelo regime chinês.
“Tao Mi me disse pelo menos cinco ou seis vezes que se os policiais chineses descobrissem que havia falado comigo, ela estaria morta. E, de fato, nós achamos que ela está morta”, diz Ansley.
Um porta-voz da CIC se recusou a comentar sobre a questão dizendo, “Partes dos processos e registros neste caso são confidenciais.”
Sistema Judiciário chinês “longe de ser independente”
Quando Lai apresentou seu pedido de refugiado, as autoridades chinesas e o então Primeiro-Ministro Zhu Rongji reagiram imediatamente, buscando a extradição de Lai e prometendo publicamente que Lai não enfrentará a pena de morte se for deportado, de acordo com o jornalista e ativista dos direitos humanos Sheng Xue, que escreveu um livro sobre Lai.
“No entanto, enquanto o Primeiro-Ministro Zhu fez esta promessa, oito pessoas envolvidas no caso já foram condenadas à morte. Lai é o principal suspeito do caso”, disse Sheng.
“Embora o principal suspeito estivesse ausente, os cúmplices foram condenados à morte. Não seria injusto para os cúmplices se o principal suspeito não recebesse a pena de morte? Por outro lado, se Lai for realmente condenado à morte, então a promessa do governo chinês seria vista como uma mentira.”
O escândalo de contrabando de Lai implicou cerca 500 oficiais. Vinte e um foram condenados à morte, e oito pessoas foram executadas. Vários foram relatados como tendo cometido suicídio, enquanto outros, incluindo o irmão mais velho de Lai, morreram misteriosamente na prisão.
Sheng diz que o sistema judicial da China está “longe de ser independente” e que as promessas do regime chinês não são confiáveis.
“Para quem a corte chinesa se prostra? […] É o PCCh [Partido Comunista Chinês] que está controlando o tribunal”, disse Sheng.
Sheng diz que o PCCh o manterá vivo por um período de tempo, mas vai submetê-lo à tortura física e mental.
“O PCCh é muito astuto em tais coisas.”
Reportagem adicional de Teng Dongyu.