O lado negro do magnata chinês Chen Guangbiao: doações falsas, demolições forçadas e ameaças de morte

13/01/2014 16:51 Atualizado: 13/01/2014 16:51

No cartão comercial extravagante que cativou a internet, o empresário chinês Chen Guangbiao se intitula: “Mais proeminente filantropo da China”, “Modelo moral da China” e “Herói chinês de resgate de terremoto”. A imagem é de um bobalhão inofensivo com propensão à autopromoção e culto à personalidade.

A parte de bobalhão seria precisa, mas os registros factuais sobre as outras reivindicações de Chen contam uma história diferente: quando jornalistas na China tentaram verificar as doações de Chen, eles descobriram que apenas uma fração do dinheiro ou dos bens foi realmente doada. O centro para idosos que Chen disse ter construído estaria vazio. Suas alegações de ter organizado grandes missões de resgate de terremoto foram desmascaradas. E os repórteres que investigaram a fundo seu histórico foram ameaçados de morte – eles receberam fotografias de cadáveres em seus e-mails.

Doações?

Chen chegou aos Estados Unidos em 5 de janeiro, supostamente numa tentativa de comprar o jornal New York Times. E aventurou-se numa exótica conferência de imprensa que foi usada para denegrir a prática espiritual chinesa do Falun Gong. Agora, ele diz que pretende concorrer ao contrato de demolição de uma ponte em São Francisco, EUA.

Chen também fez afirmações arrogantes na China. Os jornalistas lá, após verificarem as alegações, descobriram que algumas delas eram falsas.

No início de 2011, Chen publicou um “relatório de caridade”, pretendendo mostrar suas atividades filantrópicas em 2010: ele disse que havia doado 330 milhões de yuanes (US$ 54,5 milhões) ao longo do ano. Ansiosos por fundamentar a reivindicação, os jornalistas chineses começaram a investigar.

O New Express disse em abril de 2011 que alguns dos destinatários das doações que eles contataram relataram não ter recebido o montante total que Chen havia lhes prometido publicamente. Outros recipientes simplesmente não existiam.

Por exemplo, Chen disse que doaria mil computadores para a Fundação de Desenvolvimento da Juventude da Região Autônoma Uigur de Xinjiang, no extremo noroeste da China. Mas o grupo recebeu apenas 500.

“Eu entrei em contato com o sr. Chen Guangbiao muitas vezes, na esperança de que as doações que ele prometeu fossem enviadas em breve, mas o resultado foi muito decepcionante”, disse Fei Ligang, o secretário da fundação. Fei foi entrevistado dez meses após a promessa. “Chen nem sequer responde aos meus telefonemas agora”, disse ele.

O China Business Journal publicou um artigo intitulado “A misteriosa verdade sobre a filantropia de Chen Guangbiao”, levantando a questão sobre se algumas doações de Chen foram de fato “mentiras” destinadas a chamar a atenção, em vez de verdadeiros esforços filantrópicos.

O Diário Metropolitano do Sul e o Semanário Popular do Sul, dois jornais de tendência liberal da província de Guangdong conhecidos por sua reportagem investigativa, também verificaram o histórico de Chen. Eles publicaram artigos detalhados que mostram que os esforços de resgate alegados por Chen – que envolveriam tratores roubados de uma província vizinha –, após um desastroso terremoto na província de Sichuan em 2008, não poderiam ter sido na escala afirmada. Muitas das doações que ele prometeu também não se cumpriram, disseram os jornais.

“Especialista em demolição” (forçada)

Uma das reivindicações mais marcantes de Chen em seu cartão comercial agora famoso foi intitular-se de “Maior especialista em demolição e preservação ambiental da China”. Para as pessoas em sua cidade natal, a vila de Tianganghu, no condado de Sihong, província de Jiangsu, ele é mais conhecido por sua especialidade em demolições forçadas.

Sua vila nativa entrou em pânico em 2006, segundo moradores entrevistados pelo Diário Metropolitano do Sul, quando Chen voltou à cidade com promessas de construir um mercado rural de 8 hectares. “Para construir o mercado, muitas pessoas foram forçadas a deixar suas casas e ficaram sem teto”, disse um morador a um repórter do jornal.

O novo mercado e os edifícios comerciais e residenciais próximos pertencem todos a Chen Jingbiao, o irmão de Chen Guangbiao, disse o artigo. E mostrava uma fotografia de um acordo oficial de habitação.

Depois que o novo mercado foi construído, o antigo mercado rural foi transferido para o centro da cidade. Chen queria que este fosse demolido, segundo o artigo, mas as pessoas lá se recusaram a mudar porque “o negócio sempre fora muito bom no velho mercado e o novo não funcionava bem e era ruim para os negócios”, segundo moradores citados no artigo.

Por volta das 3 da madrugada de 1º de dezembro do mesmo ano, 13 viaturas de polícia e mais de 100 policiais cercaram o antigo mercado. Mais de 30 moradores foram espancados pela polícia, quatro foram encaminhados para o hospital e 11 foram presos por sete dias, segundo o artigo.

Um morador de 71 anos se enforcou no antigo mercado após a demolição, porque ele perdeu a pouca renda que fazia com seu estande, segundo a aldeã Zou Ying, a nora do idoso.

“A informação em nossa cidade é tão restrita. Só depois que eu saí da cidade é que eu soube que havia várias mídias que até elogiam-no [Chen Guangbiao]”, disse Wangzhi, um aldeão que virou peticionário, pedindo reparação pelo que ocorreu. “Nós vítimas nos sentimos tão tristes e sofridas ao ver e ouvir isso”, disse ele. “É como colocar sal em nossa ferida.”

Centro para idosos vira resort de luxo privado

O maior projeto de doação de Chen em 2007 foi um centro para idosos, também construído na cidade natal de Chen, que custou 26 milhões de yuanes (US$ 4,3 milhões). Várias mídias locais e provinciais descreveram o centro como “o maior de todos os tempos em Jiangsu” e “um centro para idosos de primeira classe em todo o país”.

No entanto, as únicas pessoas que vivem no centro para idosos são o pai, a mãe e o irmão de Chen Guangbiao, segundo o Diário Metropolitano do Sul.

“Meu filho construiu esta casa”, disse com orgulho Chen Lisheng, o pai de Chen Guangbiao, a um repórter, segundo o artigo. “Isso também pertence a nossa família”, disse o pai de Chen, enquanto apontava para o centro residencial e comercial desocupado do outro lado da rua, também parte do mesmo centro para idosos.

Os aldeões disseram ao Diário que nunca puderam entrar no centro para idosos que teria sido construído para eles.

Ameaças de morte

Após as reportagens exporem as conexões de Chen com funcionários do governo e suas doações problemáticas, uma série de jornalistas chineses recebeu e-mails com ameaças e comentários ofensivos em suas contas no Weibo, disseram eles em entrevistas e artigos. O Weibo é uma plataforma de mídia social na China similar ao Twitter.

Ye Wentian, um repórter do China Business, postou em sua conta no Weibo: “Por causa das denúncias sobre Chen Guangbiao nos últimos dias, Fang Hui e Yan Yaobin do China Business, Chen Lei do Semanário Popular do Sul e eu recebemos e-mails com ameaças de morte e imagens de cadáveres.” Ye pediu a Chen que esclarecesse se ele estava por trás disso.

Zhao Hejuan, uma jornalista conhecida, disse ter recebido imagens de cadáveres em seu e-mail juntamente com ameaças. Ela disse que era uma “atividade organizada especificamente contra nós”, e relacionou as ocorrências com os artigos sobre Chen Guangbiao.

Chen Lei, um repórter do Diário Popular do Sul, escreveu um artigo investigativo sobre Chen intitulado “Por trás da auréola do ‘Filantropo Número Um’ Chen Guangbiao: Relações pessoais, filantropia e negócios”. Ele foi um dos repórteres que recebeu as fotos de cadáveres por e-mail.

Chen Lei disse à emissora NTDTV: “Ele tem excelentes relações com o Departamento Central de Propaganda.” A Fast Company informou em 29 de setembro sobre uma diretiva do governo que dizia simplesmente: “Todos os jornais estão proibidos de publicar notícias negativas sobre Chen Guangbiao.” O Departamento de Propaganda é a agência do regime comunista chinês que vigia e censura os meios de informação na China e que costuma enviar tais diretrizes.

Chen Lei disse que depois de seu artigo sobre Chen Guangbiao, ele recebeu um telefonema ameaçador dele. “Eu informei o Departamento Central de Propaganda sobre sua história”, disse Chen Guangbiao. “‘Ele se atreveu a publicar a história’, essas foram as palavras do Departamento de Propaganda”, afirmou Chen na ligação gravada.

“O Comitê Provincial de Guangdong e o Departamento de Propaganda estão muito bravos com isso agora”, continuou Chen. “Essas não são palavras minhas, de Chen Guangbiao. Essas são palavras dos líderes.”