O lado negro da indústria de barriga de aluguel na China

05/08/2014 13:33 Atualizado: 05/08/2014 16:15

Na China, há muito dinheiro envolvido na oferta de bebês a casais sem filhos por meio de mães de aluguel, e uma indústria crescente e não regulamentada que surgiu para atender a demanda. Reportagens recentes da mídia estatal chinesa expuseram os grandes lucros, a exploração de mães de aluguel e os abortos seletivos por sexo que têm acompanhado este negócio.

Perda de um filho

Li Xiaofeng, de 50 anos, e sua esposa Xia Wenna, de 47, receberam um casal de gêmeos em maio por meio de uma agência de mães de aluguel na cidade de Wuhan, província de Hubei, Centro da China, segundo a mídia estatal Diário Metropolitano de Chutian.

O casal teve uma única filha que morreu afogada num acidente em fevereiro passado. Ela estava no primeiro ano da faculdade na época. A tragédia abateu os pais, e a sra. Xia sofreu com crises mentais desde então, segundo o artigo.

Após saber sobre o serviço de barriga de aluguel em Wuhan, o casal deixou seus empregos na província de Sichuan, no Sudoeste da China, e mudou-se para Wuhan em junho passado. Todo o processo de obtenção dos gêmeos custou ao casal quase 1 milhão de yuanes (US$ 162 mil). O sr. Li disse que todo o gasto valeu a pena, e ele está muito feliz que sua esposa se recuperou, disse o artigo.

Muitos dos clientes que procuram as agências fornecedoras de bebês são como o sr. Li e sra. Xia.

A política do filho único foi relaxada em dezembro de 2013 para permitir que casais possam ter um segundo filho. Antes de a política ser afrouxada, se um casal perdesse seu único filho, eles não só teriam de lidar com o trauma emocional, mas também com uma velhice sem o apoio de descendentes.

‘Zona cinzenta’

O Diário de Chutian fez uma investigação de um mês, com jornalistas visitando agências de barriga de aluguel em Wuhan e passando-se por mãe de aluguel ou clientes interessados no serviço. O artigo diz que os preços atuais para obter um bebê por meio dessas agências variam de 380 mil a 2 milhões de yuanes (c. US$ 61 a 324 mil).

Mães de aluguel são pagas cerca de 140 mil yuanes (c. US$ 22 mil) após o nascimento e entrega do bebê. As agências também compram óvulos por 20 a 30 mil yuanes (c. US$ 3,24 a 4,86 mil), segundo a reportagem.

Um funcionário de uma agência de barriga de aluguel em Wuhan indicou que há pelo menos 5 mil casos de barriga de aluguel bem-sucedidos na China a cada ano, sendo cerca de 2 mil destes em Wuhan.

Chen Hu (um pseudônimo), que recentemente fechou sua agência de barriga de aluguel em Wuhan, disse a um repórter que há cerca de 100 agências de barriga de aluguel em Wuhan e mais de 30 operam em grande escala, com dezenas de funcionários, mais de 100 mães de aluguel contratadas por agência e clientes de todo o país.

As agências de barriga de aluguel cooperam com instituições médicas. “As agências, hospitais e mães de aluguel estão na verdade interessados na carteira dos clientes”, disse Chen.

Um funcionário da Secretaria de Saúde e Planejamento Familiar de Hubei disse ao jornal que a China atualmente não tem legislação para regular as agências de barriga de aluguel, assim, as agências funcionam numa zona cinzenta que é difícil de monitorar e controlar.

Arrependimento

Liu Min (um pseudônimo), de 29 anos, contou ao jornal sua experiência trágica como mãe de aluguel nos últimos três anos. “O que eu sofri não pode ser compensado com dinheiro”, disse a sra. Liu em lágrimas a um repórter.

A sra. Liu teve quatro abortos e nenhum caso de sucesso desde 2011 quando começou a trabalhar para uma agência de barriga de aluguel em Wuhan. Os três primeiros abortos ocorreram não muito tempo depois de engravidar e a última gravidez durou seis meses.

Ela disse que lhe injetaram hormônio progesterona diária e frequentemente por 75 dias após a inserção de um óvulo fecundado, para assegurar o sucesso da gravidez. Ela também teve de tomar uma série de medicamentos, como um suplemento para a espessura uterina, etc. “Tomar remédios é como ter refeições”, lembra a sra. Liu.

Após seus vários abortos, a sra. Liu foi informada por um médico que há muito pouca chance de ela engravidar novamente e que uma nova gravidez colocaria sua vida em risco.

A sra. Liu disse ter recebido mais de 100 mil yuanes (US$ 16,2 mil) pelo serviço, mesmo que tivesse abortado sucessivamente, porque a agência pagava periodicamente as mães de aluguel – 10 mil yuanes após três meses de gravidez, mais 10 mil yuanes após cinco meses, mais 20 mil yuanes após o sexto mês e 60 mil yuanes após o nascimento do bebê –, segundo a reportagem.

A sra. Liu lamenta profundamente o dano a sua saúde, o que a levou a querer alertar outras desavisadas relatando à imprensa sua experiência.

Meninas abortadas

Devido à política do filho único, muitos casais não querem arriscar que a mãe de aluguel tenha uma menina e exigem que as agências lhes forneçam apenas meninos. As agências levam as mães de aluguel a hospitais parceiros e as submetem a exames de identificação do sexo fetal.

Se um feto é identificado como menina, a mãe de aluguel terá um aborto induzido e receberá 20 mil yuanes (US$ 3,24 mil) como compensação, disse ao repórter a sra. Huang, uma mãe de aluguel que aguardava o resultado de seu teste nas próximas semanas.

A identificação do sexo fetal é ilegal na China, mas o aborto de meninas continua sendo um problema crônico no país. A atual taxa de natalidade entre sexos na China é de 116,9 meninos para cada 100 meninas, segundo a mídia estatal Xinhua. A média mundial é de 101 para 100.