Kangxi, o imperador que governou com virtude, benevolência e tolerância

03/03/2014 09:00 Atualizado: 03/03/2014 09:45

Atualmente, muitos pensam que os imperadores chineses governavam com um sistema arcaico e com crueldade, porém, na realidade, está crença se originou há pouco mais de 60 anos, logo após o Partido Comunista Chinês destruir as tradições e reescrever a história da China para assim poder justificar sua “revolução” diante do povo chinês e o resto do mundo. Na verdade, houve alguns imperadores déspotas e cruéis, porém foram muitos os que na história aplicaram nobremente os valores que os grandes pensadores chineses transmitiram através dos séculos: governar com virtude, benevolência e tolerância, seguindo o Tao; se o imperador não cumpria estes princípios básicos, o próprio povo se levantava para tirá-lo.

Um grande exemplo é encontrado em um dos imperadores mais queridos e lembrados da história da China, o Imperador Kangxi (1654-1722), que subiu ao trono imperial da Dinastia Qing com a idade de 8 anos e governou durante 61 anos. Kangxi era um governante nobre, generoso e compassivo, determinado a construir uma nação. Durante seu reinado, a China chegou a ser uma nação grandiosa e forte, com a maior população, a cultura mais gloriosa e a economia mais próspera da época.

Desde pequeno, Kangxi foi muito exigente consigo mesmo. Começou a se instruir aos 5 anos e estudava dia e noite. Gostava de caligrafia e podia recitar de memória os ensinamentos de Confúcio e Mêncio; pessoalmente escreveu um cartaz que dizia: “Confúcio, um modelo para todas as gerações” e o colocou no palácio. Sempre estava lendo, compondo poemas ou escrevendo ensaios. Inclusive aos 60 anos, lia constantemente e era muito versado em literatura, história, geografia, matemática, medicina, entre outras disciplinas, inclusive os estudiosos o admiravam pelo seu profundo conhecimento.

Quando Kangxi assumiu o trono, a China não era um país unificado, sofria constantes rebeliões internas e contínuas invasões estrangeiras. As pessoas viviam na miséria e não podiam viver em paz. Aos 16 anos, já possuia extraordinária sabedoria e coragem, e tinha uma clara visão sobre a situação do país. “Uma pessoa de grande compaixão não tem inimigos no mundo.” Baseado neste princípio de Mêncio, ele dizia a seus ministros, “A forma de acabar uma rebelião é ser tolerante, generoso e nobre. Podemos ganhar o coração das pessoas mediante a benevolência, para governar uma nação é necessário tolerância.”

Com estas premissas, pôde depor governantes déspotas e autoritários, por fim acabou com as rebeliões. Ele também deteve a invasão russa na fronteira norte, conquistou a ilha de Taiwan e unificou a China. Kangxi utilizava a diplomacia com benevolência, assim teve êxito em reunificar os mongóis que se renderam voluntariamente “ajoelhando-se três vezes e tocando o solo com a cabeça nove vezes”, um antigo ritual para demonstrar sumo respeito ao imperador.

Quando Galdan, o chefe da tribo mongol se rendeu, Kangxi disse a seus ministros, “Para governar uma nação, deve-se tratar as pessoas com benevolência, não se deve usar a coerção. Galdan é opressor e violento, porém foi tratado com tolerância e misericórdia. Galdan é astuto e malicioso, porém lhe mostramos honestidade e confiança.” Os oficiais suplicaram ao imperador que aceitasse um título honorífico, porém Kangxi simplesmente disse, “O povo já experimentou a violência da guerra e viveu sob penosas circunstâncias. Eu só os ajudo em suas necessidades e não aceito títulos pouco práticos.”

Ao contrário, ele sabia o que era essencial para governar. Quando uma parte da Grande Muralha foi derrubada com as guerras, Kangxi disse a seus engenheiros, “Quando um imperador governa uma nação, apóia-se em seus recursos internos e não depende só de barricadas. A Grande Muralha foi construída durante a Dinastia Qin e constantemente reparada durante as Dinastias Han, Tang e Song, mas não impediu as invasões estrangeiras. Defender uma nação é cultivar a virtude e tratar as pessoas respeitosamente. Quando as pessoas estão felizes, a nação se harmoniza e as fronteiras ficam fortificadas.”

As pessoas eram a primeira prioridade do imperador; sempre estava atento a suas dificuldades e orientava seus oficiais a tratar seu povo da mesma maneira que queriam ser tratados. Quando escolhia uma pessoa para um posto governamental, mantinha um rigoroso e alto critério de seleção. “Quando se escolhe um funcionário público, a moralidade da pessoa, a honestidade, a imparcialidade e o espírito generoso vêm primeiro, seus talentos e habilidades vêm depois. O ideal é que a pessoa possua virtude e talento. No entanto, é mais importante que possua mais virtude que talento, porque o talento de uma pessoa deve se basear em suas virtudes. Portanto, quando possui mais virtude que talento, é um verdadeiro homem de boas ações e sentimentos nobres. Se possui mais talento que virtude, é um homem rancoroso.”

Também teve de lidar com oficiais pouco virtuosos e corruptos como Mu Ersai, governador da província de Shanxi, que aceitou subornos e por isso foi executado. “O crime de um oficial corrupto é diferente de qualquer outro crime, por isso, não devo ser indulgente, do contrário, não servirá como elemento de mudança de postura.”

Como fomentava um ambiente honesto e reto, quando os oficiais de seu reinado governavam um condado ou província, a vida de seus habitantes realmente melhorava.

Outra virtude de Kangxi era sua austeridade. Joachim Bouvet, um missionário jesuíta francês que visitou a China naquela época, escreveu ao rei Luís XIV, “A indiferença de Kangxi aos ganhos mundanos e sua simplicidade e simples estilo de vida não tem precedentes na história. Come duas vezes ao dia, de forma muito simples. Veste roupas comuns. Nos dias de chuva, o vemos com uma jaqueta de feltro, que é considerada roupa simples e tosca na China. Durante o verão, o vemos vestir uma roupa simples de linho comum, que também é usada pelas pessoas comuns. Não tem nenhum desejo extravagante. Sua indiferença aos ganhos mundanos é inimaginável, e se reflete nas roupas que veste e em seu estilo de vida.”

Nos dias de hoje, o caminho escolhido para se governar um país é o oposto, e os resultados estão à vista. Embora a tecnologia, as ciências sociais e econômicas estejam avançadas, a virtude dos homens se corrompeu, e as leis e ideologias não podem se contrapor ao alto grau de corrupção, conflitos sociais, pobreza, hostilidade entre países e delinquência, porque não podem ir à raiz do problema. A sociedade continua sua queda sem despertar para o fato de que a solução reside no interior das pessoas; quando podemos utilizar nossas habilidades em benefício dos demais, sem buscar o benefício próprio, encontraremos o rumo para um mundo de paz e real prosperidade.

Este artigo pertence a série “Histórias da antiga China”; para ler outros artigos da série, clique aqui.