“É juridicamente impossível o Estado reparar quem assumiu o papel de violador dos direitos humanos”, corroborou o presidente da Comissão de Anistia
A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça negou nesta terça-feira (22) por 12 votos a zero, o pedido do ex-praça da Marinha José Anselmo dos Santos, conhecido por “cabo Anselmo”, de anistia e indenização de 100 mil reais pelo Estado.
A sessão foi realizada no auditório Tancredo Neves, do Ministério da Justiça, e contou com a participação de representantes da sociedade civil, especialistas e vítimas do regime militar.
Um dos episódios mais controversos da ditadura, o ex-militar reivindicava, além da condição de anistiado político, reparação econômica por ter sido preso e exilado antes de passar a colaborar como agente do regime infiltrado na resistência, o que assume ter feito.
Para o presidente da comissão e secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, porém “há impedimento legal nesse tipo de reparação. É juridicamente impossível o Estado reparar quem assumiu o papel de violador dos direitos humanos”, declarou.
Segundo o relator do processo e ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda, está comprovada a atuação de José Anselmo dos Santos em violações dos direitos humanos e por isso, analisa, o ex-marinheiro não pode ser anistiado. “Essa comissão reconhece a declaração de anistiado político e pedido de desculpas do Estado a quem foi perseguido. Anselmo atuou e contribuiu de forma sistemática para a tortura, perseguição de pessoas e perpetração de outros ilícitos”, afirmou o relator.
Miranda declarou que seria um contrassenso o Estado brasileiro pedir desculpas a quem colaborou e promoveu a prática de crimes contra a humanidade. “Seria premiar quem deu causa à barbárie. Não cabe reconhecer anistia e indenizar uma pessoa que participou ou concorreu em atos como esse”.
Uma das testemunhas presentes, o jornalista Mário Magalhães, tornou público durante a sessão o áudio de uma entrevista concedida pelo ex-diretor do Dops da Guanabara, Cecil Borer, morto em 2003. No áudio da entrevista, concedida a Mário em 2001, Borer afirmou que Anselmo trabalhava para o regime já desde 1964: “Trabalhava para a Marinha, trabalhava para mim, trabalhava para a americana [em referência à CIA]”.
Anistias concedidas
Na mesma sessão a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça declarou, por unanimidade, a condição de anistiados políticos a Ana Lúcia Valença de Santa Cruz Oliveira e a Anivaldo Pereira Padilha, pedindo oficialmente desculpas, em nome do Estado brasileiro, pelas ações contra eles durante a ditadura militar.
Para Ana Lúcia, foi aprovada indenização em prestação única de 100 mil reais. Anivaldo receberá reparação econômica mensal de 2.484 reais por ruptura de vínculo laboral, tortura e exílio sofrido durante o regime militar. Ele receberá ainda 229.397 reais de indenização retroativa referente ao período de 14 de abril de 2005 até a data do julgamento. Por conter relatos de tortura e nomes de torturadores, seu processo também será encaminhado à Comissão da Verdade.
“Só eu sei a dor que foi sair daqui, deixando-a (a companheira) grávida de poucos meses, podendo ser morta junto com meu filho, que eu só pude conhecer em 1979, após a anistia, quando voltei ao Brasil”, relatou. A criança a que se refere o anistiado, é o atual ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
Com informações da Agência de Notícias do Ministério da Justiça.