O primeiro julgamento público na China que usou uma interpretação inédita da lei para criminalizar “fofoqueiros” começou em 11 de abril em Pequim. O blogueiro Qin Zhihui foi acusado de usar a internet para espalhar boatos e foi indiciado pelo Ministério Público estatal por “difamação” e “prejudicar a sociedade”.
O réu de 30 anos, conhecido online como “Qin Huohuo”, chamou a atenção do público em agosto passado, quando foi colocado em detenção criminal pela polícia de Pequim por postar em mídias sociais o que as autoridades alegam ser “informações falsas”.
No entanto, a verdade simples e objetiva pode não é a prioridade das autoridades comunistas chinesas: Observadores disseram que o julgamento é principalmente mais um sinal da determinação das autoridades em purgar a internet do falatório sobre a corrupção oficial e outros males sociais.
Embora o Partido Comunista Chinês esteja promovendo uma grande campanha anticorrupção, o foco da propaganda são sempre funcionários individuais. Permitir que cidadãos comuns expressem livremente suas opiniões sobre a corrupção sistêmica do regime chinês poderia rapidamente causar problemas e inconveniências para as autoridades.
“As autoridades estão realmente abusando do poder para alcançar o objetivo de purgar e ‘retificar’ a internet”, disse Wen Yunchao, um pesquisador da mídia chinesa baseado nos Estados Unidos e ex-professor-visitante na Universidade de Columbia.
‘Erradicando’ rumores
A prisão de Qin no ano passado ocorreu enquanto o regime anunciava planos para “erradicar fundamentalmente os rumores na internet”, sinalizando a repressão às mídias sociais e a constrição do espaço online em que chineses podem falar livremente na sociedade.
A regra anunciada na época disse que quem publique “informações falsas” que sejam visualizadas mais de 5 mil vezes ou compartilhadas mais de 500 vezes pode enfrentar acusações criminais, dependendo do impacto social.
O Ministério Público chinês, no caso de Qin, disse que ele tinha postado mais de 3 mil rumores online que atraíram demasiada atenção e comentários negativos contra o governo, “o que prejudicou seriamente a sociedade”.
Um exemplo dado foram os comentários de Qin sobre o Ministério das Ferrovias (que mais tarde foi dissolvido por causa de corrupção) e o tema da indenização das vítimas de uma grave colisão de trem que ocorreu em 23 de julho de 2011.
Qin escreveu que o regime chinês deu uma grande compensação de 200 milhões de yuanes (US$ 32 milhões) para passageiros estrangeiros presentes no acidente, o que as autoridades disseram não ser verdade. Mais de 12 mil internautas compartilharam essa informação num período de uma hora, muitos acrescentando suas próprias palavras de ressentimento contra as autoridades.
Uma série de outras postagens de Qin falava sobre a corrupção de figuras públicas conhecidas. Ele acusou, por exemplo, Yang Lan, uma rica empresária de mídia, de falsificar doações; e Guo Meimei, uma jovem que ficou famosa por postar fotos posando ao lado de carros esportivos caros, de usar dinheiro desviado da Cruz Vermelha da China. Qin disse que em ambos os casos ele teria usado “informações falsas” para prejudicar a reputação das duas mulheres.
Mas nem Yang Lan ou Guo Meimei abriram processo contra Qin. Em vez disso, o Ministério Público o acusou diretamente de “difamação” e de “prejudicar a sociedade”. Se o que ele escreveu é verdadeiro ou falso, a forma do regime lidar com isso deu a impressão inequívoca de que uma campanha para esmagar a liberdade de expressão está em andamento.
Prejudicando a sociedade?
A lei chinesa diz que “prejudicar a sociedade” deve envolver atos que são diretamente prejudiciais, em vez de indiretamente, e que as vítimas de difamação só podem ser indivíduos e não governos.
“Se Qin Huohuo vivesse num país democrático, é óbvio que ele poderia enfrentar ações cíveis, no máximo, para dar compensações e pedir desculpas”, disse Wen. “Mas seria impossível uma organização estatal processar alguém como ele.”
Confissão
Como em casos anteriores de processos contra internautas, Qin confessou sua culpa. Seu aparente remorso e culpa foi especialmente enfatizado na China Central de Televisão (CCTV) e na Xinhua, mídias estatais porta-vozes do regime chinês. “É por minha inteira culpa que estou aqui hoje”, disse ele. “Espero que meu caso possa dar aos outros um aviso que não façam essas coisas estúpidas que eu fiz”, disse ele em sua declaração judicial.
Qin também agradeceu profusamente à sociedade, ao tribunal, à polícia, aos advogados, à mídia, a seus pais e etc. Seu comportamento submisso provavelmente servirá para reduzir o castigo. A sentença ainda não foi proferida. “Qin não teve escolha senão confessar devido à enorme pressão”, disse Wen Yunchao. “As autoridades também precisam que Qin tenha uma atitude como essa, para mostrar as realizações de sua purgação da internet.”
Dois pesos e duas medidas
Observadores acharam difícil não identificar um contraste óbvio e indesejável entre a acusação de Qin por rumores e as declarações claramente falsas feitas regularmente pelas autoridades chinesas que nunca são punidas por isso.
O internauta Yuyue Yunqi escreveu: “Quem julgará o governo de Lanzhou por propagar boatos?” Uma reportagem recente mostrou que um volume de 20 vezes o limite regulamentado de benzeno cancerígeno foi encontrado na água da cidade de Lanzhou, província de Gansu, após o governo local anunciar que “a água atende aos padrões estatais de consumo”.
As autoridades chinesas são conhecidas por esconder epidemias de doenças como a gripe aviária e minimizarem o número de mortes de desastres naturais ou acidentes. Nenhuma ação judicial foi movida nesses casos, afirmaram os internautas.
Dois comentários amplamente encaminhados no microblog QQ diziam: “A lei só serve para as pessoas com poder”, e “O governo pode espalhar rumores, mas as pessoas comuns não.”