Embora a mídia estatal chinesa tenha afirmado que o julgamento do político chinês desgraçado Bo Xilai mostrou abertura e transparência sem precedentes, especialistas sobre o Partido Comunista Chinês (PCC) disseram que foi mais um julgamento-espetáculo: as principais preocupações do PCC foram certificar-se de que o julgamento não perturbaria o equilíbrio do poder político no regime, minimizando assim os danos ao PCC.
Numa reunião do Politburo no final de setembro de 2012, a liderança do PCC anunciou a decisão de transferir o caso de Bo Xilai para os órgãos judiciais, após a leitura de um relatório de investigação apresentado pelo Comitê Central de Inspeção Disciplinar (CCID), o órgão anticorrupção do PCC.
O relatório mostrou que Bo Xilai abusou de seu poder e tinha grande responsabilidade no incidente de Wang Lijun, em que seu vice tentou desertar para um consulado norte-americano, e no encobrimento do assassinato do empresário britânico Neil Heywood, supostamente realizado por Gu Kailai, a esposa de Bo Xilai. Ele também teria recebido subornos pessoalmente e por meio da família e teria mantido relações sexuais impróprias com várias mulheres. A investigação também descobriu evidências que sugerem seu envolvimento em outros crimes, segundo a mídia estatal Xinhua.
No entanto, os promotores reduziram as acusações a “suborno, peculato e abuso de poder”. De acordo com Heng He, uma comentarista política da NTDTV, uma emissora independente em língua chinesa, o julgamento de Bo Xilai despolitizou seu caso e ignorou todas as acusações políticas para se concentrar apenas nas acusações criminais.
A principal preocupação do PCC é equilibrar cuidadosamente o poder político, disse Heng He. Assim, a tentativa de despolitizar o caso é para minimizar os danos ao PCC. Heng He diz que Bo Xilai e os promotores teriam chegado a um consenso sobre despolitizar seu caso, razão pela qual ninguém cruzou a linha em fazer acusações mais amplas ou comentários sobre a natureza do regime de partido-único na China.
A razão de Bo Xilai ousar desmentir as declarações anteriormente feitas na investigação é por causa de seu pedigree de príncipe – um descendente da elite fundadora do PCC –, disse o comentarista político e econômico He Qinglian num artigo recente. Bo Xilai tem muitos adeptos entre os príncipes, disse a Sra. Heng He. Desde sua prisão, houve relatos dizendo que o líder chinês Xi Jinping, que também é um príncipe, tinha feito esforços para apaziguar os príncipes apoiadores de Bo Xilai, incluindo o ex-vice-ministro Chen Yuan, presidente do “China Development”; Liu Yuan, um general e comissário político da Academia de Ciências Militares do Exército da Liberação Popular (ELP) e filho do ex-chefe de Estado Liu Shaoqi; e Zhang Haiyang, um general do ELP.
Outra razão, segundo Heng He, é que Bo Xilai está ciente de que as evidências coletadas pelo CCID não podem ser usadas no tribunal. Bo Xilai conhece as lacunas no sistema legal melhor do que o Ministério Público, disse Heng He.
Julgamento-espetáculo
He Qinglian disse que esse foi um julgamento de fachada, tipicamente realizado para altos oficiais do PCC. Em geral, os julgamentos envolvendo oficiais de alto escalão do PCC tem de ser ensaiados, disse Heng He. O julgamento do ex-secretário do PCC em Shanghai e membro do Politburo, Chen Lianyu, foi “ensaiado cuidadosamente, com atenção aos mínimos detalhes” e “até mesmo quando deixar Chen fazer uma pausa e usar o banheiro foi meticulosamente planejado com antecedência”, segundo o advogado de Chen, escreveu o comentarista num artigo.
Heng He também comentou que este julgamento-espetáculo teve veredito pré-determinado e que as autoridades quiseram dar espaço a Bo Xilai para argumentar algumas questões triviais, fazendo parecer um julgamento real em vez de ensaiado; Bo Xilai aproveitou essa margem no tribunal, visando defender e preservar seu “legado político”, caso ele consiga fazer um retorno no futuro.
Os promotores provavelmente pensam que as acusações de suborno e fraude são boas o suficiente para garantir que Bo Xilai não será capaz de se reerguer e assim estão protegendo o PCC, disse Heng He.
No entanto, é uma tarefa extremamente difícil coletar evidências sobre suborno e peculato na China. Em todos os casos de corrupção, um oficial do PCC geralmente não coloca seu dinheiro desonesto no banco e sempre afirma ser inocente. A esposa do criminoso, filhos ou familiares costumam receber o dinheiro de suborno em nome dele, muitas vezes em dinheiro, acrescentou Heng He.
A comentarista também comentou que o julgamento não demonstrou abertura e transparência, pois nenhuma câmera ou repórter foi autorizado no tribunal e os registros do tribunal foram censurados antes de serem publicados no Weibo.
Ela também duvida que Xi Jinping ganhará qualquer vantagem política por armar um “julgamento aberto” como este, pois a maioria das pessoas está convencida de que este foi um julgamento-espetáculo e isso não agradará esquerdistas ou direitistas.