Julgamento de Bo Xilai deve ignorar crimes que denunciam o regime chinês

21/08/2013 12:29 Atualizado: 21/08/2013 12:29
Bo Xilai, o ex-secretário do Partido Comunista Chinês em Chongqing, na sessão de encerramento do Congresso Popular Nacional em Pequim (Mark Ralston/AFP/Getty Images)
Bo Xilai, o ex-secretário do Partido Comunista Chinês em Chongqing, na sessão de encerramento do Congresso Popular Nacional em Pequim (Mark Ralston/AFP/Getty Images)

O aguardado julgamento de Bo Xilai, o ex-membro do Politburo chinês que se desgraçou politicamente de forma espetacular no ano passado, será realizado em 22 de agosto, segundo os últimos relatos oficiais. Mas os crimes de que Bo Xilai está sendo acusado – “suborno, corrupção e abuso de poder” – são apenas uma pequenina parte de seus atos, segundo relatórios oficiais e analistas políticos.

Colheita forçada de órgãos, tráfico de cadáveres e uma tentativa de golpe de Estado estão entre as atividades atribuídas a Bo Xilai, mas estes crimes não serão tratados no julgamento cuidadosamente encenado.

As declarações oficiais do ano passado acusaram Bo Xilai de seis crimes, três a mais do que a acusação atual. A investigação oficial aprovada pelo Politburo do Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC), parte da qual foi publicada em agosto de 2012, disse que Bo Xilai havia “violado a disciplina organizacional e de pessoal”, manteve relações sexuais impróprias com mulheres e era suspeito de estar envolvido em “outros crimes”.

“Julgamento internos deste tipo às vezes tocam em segredos nacionais e do PCC, há coisas que certamente eles não podem divulgar”, disse Gao Yu, um jornalista veterano e comentador sobre a China, numa entrevista à NTDTV. “As partes que aparecem no julgamento aberto, as três acusações, são aquelas que ele reconheceu e confessou.”

Entre os crimes que não serão abordados no tribunal está uma tentativa de golpe de Estado que o Epoch Times soube por meio de fontes na China e sobre o qual também foi reportado por várias mídias de língua chinesa no estrangeiro. Bo Xilai estaria tramando um golpe com o ex-chefe da segurança pública Zhou Yongkang e outros membros do alto escalão do PCC.

O Washington Free Beacon citou um oficial sênior dos EUA dizendo que o ex-braço direito de Bo Xilai, Wang Lijun, “possuía grande conhecimento sobre a atual luta pelo poder na China e sobre os esforços dos linha-dura como Zhou Yongkang e Bo Xilai para perturbar a sucessão de Xi Jinping”. Em fevereiro de 2012, Wang Lijun tentou desertar para o consulado dos EUA em Chengdu, onde foi interrogado por mais de 24 horas em custódia dos EUA.

As atividades de Bo Xilai, disse uma declaração oficial da mídia estatal Xinhua, “danificaram enormemente à reputação do PCC e do país e tiveram um impacto extremamente vil dentro e fora da China, causando grandes prejuízos à causa do PCC e do povo”.

O lado “vil” das atividades de Bo Xilai, em sua maioria, não foi reconhecido ou apareceu em qualquer declaração oficial.

Por exemplo, Bo Xilai era o secretário do PCC na província de Liaoning, no nordeste da China, e anteriormente prefeito de Dalian, a segunda maior cidade de Liaoning, no momento em que a colheita forçada de órgãos de prisioneiros da consciência, especificamente de praticantes do Falun Gong, teria ocorrido em grande escala na região. Ele também estaria por trás da facilidade com que várias fábricas de plasticização corporal – que enchem cadáveres com plástico para exposição – foram capazes de operar e obter corpos da Secretaria de Segurança Pública em Dalian.

Bo Xilai era um protegido político bem conhecido do ex-líder chinês Jiang Zemin, que em 1999 lançou a campanha violenta contra o Falun Gong, um grupo de mais de 70 milhões de praticantes de qigong, uma forma tradicional de exercício chinês e disciplina moral.

Jiang Weiping, um jornalista chinês que escreveu de forma agressiva sobre Bo Xilai, quando este era prefeito de Dalian, foi preso logo depois por oito anos por “revelar segredos de Estado e incitar a subversão”. Jiang Weiping disse numa entrevista que Bo Xilai foi instruído por Jiang Zemin para “mostrar sua firmeza em lidar com o Falun Gong… isso será seu capital político”. A história foi contada a Jiang Weiping por uma testemunha.

Bo Xilai supervisionou a expansão dos campos de trabalho forçado em Liaoning e em 2004 presidiu a província com uma das maiores taxas de mortalidade de praticantes do Falun Gong na China. A província de Liaoning foi também a pioneira em diversos métodos brutais de tortura, incluindo tortura sexual, que foram depois difundidos para outros campos de trabalho forçado.

De acordo com Ethan Gutmann, um autor e investigador que está escrevendo um livro sobre a perseguição ao Falun Gong, Bo Xilai desempenhou um papel importante na perseguição quando estava em Liaoning e Dalian.

Gutmann escreve: “Quando Bo Xilai ascendeu a governador de Liaoning, ele ordenou uma enorme expansão das instalações de detenção de todos os tipos, principalmente em locais como Jinzhou, Dalian e o agora famoso campo de trabalho Masanjia perto de Shenyang.”

“Uigures, certas seitas cristãs domésticas, como a Luz do Oriente, e tibetanos podem ter sido alvo da colheita de órgãos, mas testemunhas relatam consistentemente que Liaoning se tornou famosa como uma grande prisão para jovens praticantes do Falun Gong ‘sem nome’, que se recusaram a se identificar para evitar a perseguição de suas famílias.”

Em 1999, Bo Xilai deu um certificado e uma medalha a Gunther von Hagens, cuja atividade era a plasticização de corpos e cuja fontes – fossem com consentimento ou não de prisioneiros executados ou da consciência – têm sido motivo de controvérsia.

Wang Lijun, que estava intimamente associado a Bo Xilai na província de Liaoning, esteve pessoalmente envolvido na colheita de órgãos. Num discurso sincero que foi excluído online após o Epoch Times informar a respeito, Wang se gabava de realizar “milhares” de transplantes “no local”, um processo que ele descreveu como “excitante”. Especialistas consultados dizem que a maioria das vítimas eram provavelmente prisioneiros da consciência, devido às circunstâncias envolvidas em suas observações.

Zhang Jian, um comentarista independente sobre assuntos contemporâneos na China, disse à NTDTV que seria “impossível” abordar a colheita de órgãos e o tráfico de cadáveres e acusar Bo Xilai numa audiência pública, porque seria uma enorme acusação contra o próprio regime chinês.

Isso também vale para explicar a leveza da punição que Bo Xilai deverá receber: apenas 15 anos, segundo a BBC China e outras mídias chinesas no estrangeiro. Houve um acordo feito entre o lado de Bo Xilai e as autoridades, disse Zhang. Se ele recebesse sentença de morte, os segredos do PCC poderiam ser expostos no estrangeiro pelos associados de Bo Xilai.

“Bo Xilai tem tantos segredos que as pessoas de fora não sabem”, disse Zhang. “E muitos desses segredos são o calcanhar de Aquiles do Partido Comunista Chinês.”