Um conhecido “jovem herói” que salvou sete colegas no grande terremoto de Sichuan, em 2008, foi a julgamento em 3 de novembro sob a acusação de “crimes de fraude, falsificação de selos de órgãos do Estado e por forjar selos corporativos”, informou a imprensa chinesa.
Lei Chunian, nascido em 1992, foi saudado como um “jovem herói” e amplamente promovido pelo regime chinês, após o terremoto de magnitude 7,9 que atingiu Wenchuan, na província de Sichuan, em 12 de maio de 2008.
Agora, Lei está sendo acusado de cometer fraudes em cinco ocasiões, no período compreendido entre janeiro e setembro de 2013, envolvendo cerca de 460 mil yuanes (US$ 75.262), conforme noticiado pela estatal Sichuan News. De acordo com um estudo da Universidade de Pequim, a renda familiar média anual na China em 2012 foi de 13 mil yuanes (US$ 2.126).
O antigo ‘herói’ deverá enfrentar mais de 10 anos de prisão devido à “gravidade das acusações”, diz o promotor. Lei Chunian disse ao promotor que ele não tem um emprego e todo o dinheiro que ganhou enganando terceiros foi desperdiçado, disse a Sichuan News.
Nenhum familiar ou amigo de Lei apareceu no julgamento, apenas várias vítimas. As vítimas disseram, conforme o Sichuan News, que a atitude da Lei no tribunal foi decepcionante, relatando que ele não demonstrou qualquer arrependimento por seus atos.
Lei tornou-se uma celebridade após ter sido intensamente divulgado o episódio em que ele salvou a vida de colegas há seis anos. O Partido Comunista Chinês (PCC) oportuna e frequentemente opta por promover ‘figuras heróicas’ como uma forma de fazer brilhar a imagem do PCC e louvar sua liderança.
No trágico desastre do terremoto de Wenchuan, em que mais de 87 mil pessoas pereceram, essa propaganda da promoção dos “jovens heróis” foi bem-sucedida em desviar a opinião pública que procurava apontar o governo como o responsável pelo desastre.
Ao mesmo tempo, o Estado procurou manter a notícia de seu papel no desastre longe dos olhos e ouvidos do público. Milhares de crianças em idade escolar morreram devido a construções de má qualidade, mas os relatos de escolas mal construídas foram barrados pela censura, não sendo publicados na mídia.
Na história de heroísmo atribuída a Lei Chunian, quando iniciou o terremoto, ele correu de volta para dentro da escola, urgindo seus colegas que saíssem. Sua ação foi elogiada pelo Estado como corajosa e altruísta, embora muitos chineses tenham considerado as ações de Lei como perigosas e impróprias para um terremoto.
“É muito irracional e perigoso. Esse tipo de ação não ser incentivada. Nos livros de ensino de segurança da escola, os alunos são orientados a correr para as escadas, ao invés de fazerem o contrário disso… É irresponsável fazer com que as crianças pensem que tal ação ‘heroica’ é a norma”, escreveu em seu blog o comentarista e escritor político chinês He Sanwei.
No entanto, Lei Chunian foi homenageado pelo Estado como um dos vinte “heróis da juventude na luta contra o terremoto” e se tornou um dos portadores da tocha dos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008. Devido às honras recebidas, ele foi então aceito por uma escola fundamental, sem exames, e todas as suas mensalidades escolares ficaram isentas, noticiou a mída chinesa.
A mídia estatal chinesa se uniformizou nos informes sobre Lei, publicando entrevistas exclusivas, tornando-o protagonista em documentários. Lei Chunian também discursou em várias organizações locais e estatais.
Após essa intensa promoção, os crimes de Lei Chunian se tornaram um tapa na cara das autoridades do PCC. A mídia estatal chinesa tem tentado seu melhor para retratar Lei Chunian como o próprio responsável por não ser capaz de portar-se bem depois de experimentar honras súbitas e fama. Ao mesmo tempo, alguns internautas chineses atribuem a responsabilidade ao sistema social pelo comportamento de Lei Chunian, já que promoveu indevidamente uma criança a tal posição.
“Sua queda está relacionada ao fato de fazer amizade com pessoas erradas, falta de persistência e a ausência da necessária orientação de outras pessoas para sua vida… a fama e o poder rapidamente obtidos são a maneira mais rápida de arruinar alguém”, diz uma postagem no microblog oficial Diário do Povo, uma mídia estatal porta-voz do PCC.
A chocante inversão de papéis do jovem tem atraído muita discussão na internet chinesa, onde muitos internautas refletem sobre o sistema comunista, a moral da sociedade e as reações da mídia em relação ao caso.
O internauta “Idoso da cidade de Xian” escreveu discordando da postagem do Diário do Povo: “O verdadeiro criminoso é um ambiente social que incentiva a impaciência, ambição e sucesso rápido. A fim de promover os assim chamados ‘valores’, eles [as autoridades], de maneira forçada, transformaram um adolescente inocente numa referência moral, que foi corrompido pelo mundo adulto. O valor de referência moral finalmente caiu, e o herói é deixado de lado.”