O senador e ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP) se despediu, nesta quinta-feira (18) à tarde, do Congresso Nacional, aonde chegou em 1955. Sarney, que neste ano não concorreu à reeleição, fez um último discurso, longo e carregado de menções históricas, na tribuna do Senado.
Quando agradeceu ao povo do Maranhão, Sarney mencionou índices econômicos e sociais do Estado e queixou-se da forma como a mídia o representa. Disse que o Maranhão, seu Estado natal, “está numa vanguarda” do país.
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Apesar do plenário estar praticamente vazio (quase não havia senadores presentes), havia muitos funcionários da Casa, que aplaudiram o peemedebista. O senador aproveitou a última declaração de sua carreira política para listar alguns temas que, de acordo com ele, precisam ser discutidos urgentemente.
Um deles é a utilização da máquina pública para alcançar objetivos particulares. “Instituiu-se uma confusão entre cargos, empresas e setores da administração que corrompeu o sistema em vigor”, falou o parlamentar, com quase seis décadas ininterruptas na base governista e dezenas de seguidores empossados em cargos no governo federal, especialmente no setor elétrico.
Sarney condenou o atual sistema político brasileiro e defendeu a reforma política. Em meio a este cenário ele chamou, disfarçadamente, o golpe militar de 1964 de “revolução”. “Terminaram as lideranças no Brasil. Talvez a coisa pior que a revolução fez no Brasil foi ter acabado com os partidos no Brasil”, disse o parlamentar.
“Há muito eu defendo o voto distrital (…) Ele (voto uninominal) é o responsável… é uma reminiscência do século 19, que vem das ideias lançadas por Assis Brasil e esse voto uninominal é a causa do que nós temos (hoje) e constitui a grande causa do atraso do Brasil”, afirmou. O voto uninominal é o voto dado pelo eleitor direto no candidato escolhido, e não em uma lista, conforme divulgado no site de notícias UOL.
O senador disse que embora tenha feito progressos econômicos e sociais, o Brasil regrediu na política. “Na área política, nós tivemos atrasos e esse é o grande entrave que o país sofre hoje (…) Chegou a um ponto que não podemos permitir mais esse impasse. Não podemos tolerar mais. O sistema político brasileiro é responsável por todo o resto do que acontece em nosso país”, disse o senador.
Sarney também condenou o que chamou de “multiplicação” de partidos políticos. “Temos de evitar a proliferação dos partidos que hoje constituem verdadeiros registros eleitorais e só funcionam em negociações materiais”, afirmou. “A maior parte deles é dirigida por comissões provisórias, maneira encontrada para criar feudos pessoais”, disse o parlamentar.
O parlamentar, que já havia se declarado anteriormente contrário à reeleição, criticou novamente o dispositivo. “Precisamos levar a sério o problema da reeleição. Que precisa acabar, estabelecendo-se um mandato maior. Sou da opinião de que o mandato de quatro anos é muito pequeno. Nós devemos aumentá-lo para cinco ou talvez até para seis anos”, afirmou.
O ex-presidente também comemorou a conciliação entre Cuba e os Estados Unidos, anunciada nesta quarta-feira: “Foram 40 anos perdidos. Nem os Estados Unidos nem Cuba ganharam alguma coisa com isso que ocorreu”. Sarney foi o responsável pela retomada das relações do governo brasileiro com o cubano, em 1986.
Versos poéticos fecharam o discurso de Sarney: “Saio feliz, sem nenhum ressentimento. Ai, meu Senado, tenho saudades do futuro!”. Em seguida, ele foi elogiado por parlamentares da base e da oposição.
Antes de sair do Congresso, Sarney ainda deu uma entrevista na qual falou de sua carreira. Ele comemorou o recorde de longevidade política: serão 60 anos de vida pública em 2015, quando ele deixará oficialmente o mandato. “Eu me tornei o político mais longevo da história do País. Inclusive consegui passar na frente do Visconde de Abaeté, que tinha 58 anos de vida pública”.
O senador e ex-presidente, cotado para assumir o Ministério da Cultura, rejeitou a possibilidade de ter um cargo no governo Dilma Rousseff e disse ter se arrependido de assumir cargos públicos depois que deixou o Palácio do Planalto.
Segundo ele, é preciso impedir ex-presidentes de ocupar cargos públicos, mesmo sendo os eletivos, após saírem do comando do país. “Quem foi presidente da República não pode ter outro cargo. Eu me arrependi de ter voltado”, disse ele.
Mesmo não tendo nenhuma ambição política futura – “Agora é pegar os meus livros e reler” –, Sarney ainda nega o que as imagens da TV Amapá mostraram sem querer: o ex-presidente, com o adesivo de Dilma Rousseff no peito, votando em Aécio Neves. “Não falarei mais disso. Eu já disse que votei na Dilma. A televisão disse que o filme é falso, que é uma montagem”, afirmou, lembrando:
“A TV pertence ao Sarney”.