Gao Yu, uma jornalista chinesa veterana bem-conhecida, que estava desaparecida há duas semanas, foi recentemente exibida na emissora estatal chinesa CCTV e mostrada sentada numa delegacia de polícia confessando-se culpada de crimes e pedindo punição do Estado.
Gao está sendo acusada de vazar segredos de Estado aos canais de mídia no exterior. A transmissão de 8 de maio tem preocupado muitos observadores, dentro e fora da China, devido aos métodos empregados pelas autoridades para reprimir a dissidência.
A polícia de Pequim prendeu Gao, de 70 anos, em 24 de abril, sob as ordens de uma força-tarefa especial estabelecida em Pequim após um “documento confidencial central” ser publicado num website no estrangeiro em agosto passado, segundo a Xinhua, uma mídia estatal porta-voz do Partido Comunista Chinês (PCC).
Gao declarou-se culpada de obter e passar esse documento secreto, uma ação que ela disse “lamentar profundamente” e pela qual ela está “disposta a aceitar punição legal”. Ela disse ter obtido o documento em junho passado, digitado em seu computador e em seguida enviado para o exterior, disse a reportagem.
Gao foi mostrada sendo conduzida até uma pequena sala de polícia reservada, usando um colete laranja de detenta, onde ela fez sua confissão. Seu rosto foi desfocado por algum motivo.
“Eu acho que o que fiz envolve a lei e prejudicou os interesses do Estado”, disse ela, enquanto nervosamente esfregava as mãos. “Foi muito errado.” Enquanto isso, um policial balançava a cabeça afirmativamente. “Eu aceito sinceramente a lição e me declaro culpada”, disse ela.
Nenhuma reportagem oficial esclareceu que documento foi vazado, mas há uma grande semelhança com o infame “Documento Nº 9”, reportado amplamente no ano passado.
O “Documento Nº 9”, publicado em agosto do ano passado pelo grupo de mídia Ming Jing, baseado em Hong Kong, transmitia as novas diretrizes ideológicas do Departamento Central de Propaganda do Partido Comunista Chinês. O texto exigia que as universidades chinesas se mantivessem longe de sete temas, incluindo: os valores universais; a liberdade de imprensa; os direitos dos cidadãos; a sociedade civil; os erros históricos do Partido Comunista; a independência judicial; e “a elite burguesa”.
Observadores do sistema político chinês viram o documento e a campanha associada a ele como uma regressão histórica.
Nenhum artigo oficial explicou totalmente o “Documento Nº 9”, mas alguns websites do governo local tentaram discutir o assunto em maio do ano passado. Embora as notícias tenham sido posteriormente expurgadas pelos censores, uma imagem de tela de uma circular que anunciava que funcionários do Comitê de Construção Rural da cidade de Chongqing estudaram o documento foi preservada na internet.
Além da natureza sigilosa do documento, analistas políticos veem a prisão e punição de Gao Yu como um ataque aberto à imprensa na China. Bao Tong, um ex-conselheiro político do líder chinês reformista Zhao Ziyang, deposto durante as turbulências de 1989 na Praça da Paz Celestial, disse que houve uma série de “coisas bizarras” a respeito das acusações contra Gao. “Se coletar e apresentar informação é crime, por que existe o jornalismo?”, questionou Bao Tong.
Gao trabalhou na indústria de mídia na China desde 1979, e por duas vezes foi condenada à prisão por seu trabalho. A primeira ocasião foi em 3 de junho de 1989, quando ela foi presa e detida por mais de um ano por suas reportagens sobre o movimento estudantil que antecederam o massacre da Praça da Paz Celestial em 3 e 4 de junho.
Então, em outubro de 1993, Gao foi novamente presa e condenada a seis anos de prisão por “revelar segredos de Estado”. Em fevereiro de 1999, ela recebeu liberdade condicional devido a problemas de saúde. Ela também ganhou uma série de prêmios internacionais por seu trabalho de jornalismo, incluindo a Pena de Ouro da Liberdade da World Association of Newspapers, o Prêmio de Coragem em Jornalismo da International Women’s Media Foundation, o Prêmio Mundial da Liberdade de Imprensa UNESCO-Guillermo Cano, entre outros.
Alguns dos trabalhos de Gao geraram intensa controvérsia fora da China. Numa coluna da edição online chinesa da Deutsche Welle em janeiro deste ano, Gao escreveu que uma força-tarefa de segurança secreta do Partido Comunista em 2012 “enviou materiais a Bloomberg News sobre cada membro do Comitê Permanente”, exceto dois. A Bloomberg posteriormente naquele ano publicou revelações, alegando basear-se em documentos acessíveis publicamente, sobre a riqueza da família do líder chinês Xi Jinping.
O uso de confissões forçadas em rede nacional de televisão foi amplamente utilizado durante a Revolução Cultural dos anos 1960 e 1970, e muitos intelectuais chineses compararam o tratamento de Gao Yu e de outros àqueles dias. O método é usado pelo Partido Comunista tanto para humilhar o indivíduo em questão como para alertar outros que pensem em cometer os mesmos atos.
Outros que foram sujeitados da forma semelhante incluem Charles Xue, um empresário e investidor chinês-americano, conhecido pelo apelido de Xue Manzi. Durante sua detenção em setembro passado, ele foi forçado a confessar ter visitado prostitutas. Xue ganhou reputação por seu discurso acentuadamente crítico ao Partido Comunista e pelos milhões de seguidores online que ele acumulou. Ele pedia a liberdade de expressão e a democracia na China.
Chen Yongzhou, um repórter de um jornal de Guangzhou, também foi levado à China Central de Televisão para admitir ter recebido suborno para reportar “notícias falsas” sobre corrupção na empresa estatal Zoomlion. Antes de Chen ir a julgamento ou mesmo ser acusado formalmente de qualquer coisa, ele foi forçado a confessar seus crimes em cadeia nacional de televisão, uma ordem de eventos que alguns advogados na China criticaram, mas que o sistema legal chinês e o regime ignoraram.