Na opacidade teimosa de políticos comunistas chineses há poucas maneiras de as pessoas saberem o que está acontecendo nos mais altos níveis do poder. Mas, por décadas, tem havido um termômetro bastante confiável: a primeira página do jornal.
Recentemente, este princípio foi demonstrado de maneira mais contundente do que o habitual, quando o Diário de Pequim, em 31 de março, declarou que “o secretário-geral não deveria ser a maior autoridade sobre o Comitê Central do Partido”, e que “a liderança coletiva deveria ser enfatizada”.
Na época, Hu Jintao, secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCCh), estava no Camboja.
Então, quatro dias depois, isso se inverteu (Hu, a essa altura, tinha retornado). O artigo sobre “liderança coletiva” foi excluído do site, e um editorial de destaque foi publicado no lugar dizendo, “Mantenha firme na mente as sérias instruções do secretário-geral.” Esta frase, e “Vamos satisfazer as sérias instruções do secretário-geral”, apareceram quatro vezes no pequeno artigo de 1.000 caracteres.
Os analistas chineses acreditam que estes editoriais concorrentes, que estabelecem várias linhas políticas, são uma forma de medir a luta da elite nos círculos superiores de poder do PCCh. Desde que Wang Lijun, ex-chefe de polícia de Chongqing, tentou desertar no consulado dos EUA em fevereiro, e seu chefe Bo Xilai foi demitido, a luta entre as facções opostas no PCCh se intensificou.
O artigo de 31 de março do Diário de Pequim foi escrito por Wang Yunsheng, um professor-adjunto da Escola de Estudos Marxistas da Universidade de Renmin da China. Ele foi intitulado “Quando nosso Partido começou a chamar seu líder supremo de ‘secretário-geral’?”
Na última parte do artigo, Wang disse, “Nosso Partido sempre enfatiza e implementa a liderança coletiva. Embora o secretário-geral seja a posição mais alta da liderança no Partido, não é o órgão de liderança mais alto.”
Wang citou a Constituição do Partido para reforçar seu ponto de vista. Seu editorial argumentou que, na verdade, o papel do secretário-geral é meramente “presidir o trabalho diário do secretariado e convocar reuniões dentro do Partido.”
O fato de que o Diário de Pequim publicou o artigo é significante, pensam os analistas. O chefe do Partido de Pequim é Liu Qi, membro da facção do ex-líder Jiang Zemin. Jiang, agora aparentemente em seu leito de morte, era o campeão de Bo Xilai, o ex-chefe do Partido de Chongqing agora deposto, e Zhou Yongkang, o czar da segurança. Analistas acham que Liu Qi pode ter tentado oferecer algum apoio de retaguarda ideológica para Zhou através do editorial bem-cronometrado.
O apoio de Liu Qi a Jiang Zemin é mostrado mais proeminentemente em seus esforços em perseguir os praticantes do Falun Gong, uma prática espiritual chinesa. Jiang lançou a campanha em 1999, e promoveu seus comparsas, como Bo Xilai e Zhou Yongkang, que realizariam a perseguição de forma mais confiável. Ele inseriu esses oficiais no Comitê Permanente do Politburo para manter a campanha e evitar que seu legado, o movimento de mobilização política, fosse derrubado.
Os leitores das notícias na internet chinesa observaram de perto o duelo e os editoriais contraditórios. “Estou tão confuso que minha cabeça está tonta”, escreveu um leitor no website Sina Weibo.
O blogueiro Wang Xinfeng escreveu, “Estes artigos me ajudam a entender que os boatos sobre lutas internas são realmente muito verdadeiros.”
Outro internauta simplesmente escreveu, “Um furacão está chegando.”