Se você já foi enganado num jogo de conchas, você sabe como é o sentimento de decepção quando você descobre que a bolinha não está lá. A mesma coisa está ocorrendo agora na China.
De acordo com um artigo da Reuters, as autoridades no Porto de Qingdao, no Nordeste da China, pararam os embarques de alumínio e cobre devido a uma investigação. O motivo? O metal supostamente guardado no armazém parece não estar lá.
“Há uma corrida de pessoas indo para lá neste exato momento para se certificar que seu metal, que eles julgavam estar assegurado por um recibo de depósito, realmente existe”, disse uma fonte, baseada na Cingapura, à Reuters.
Empresas chinesas e estrangeiras usam os armazéns no porto para armazenar temporariamente os carregamentos de metais e outros produtos para importação e exportação e confiam nos armazéns para assegurarem seus bens até que sejam enviados para seu destino final. Eles recebem um recibo do armazém para confirmar a propriedade dos bens.
Re-hipotecagem
Como tudo na China, no entanto, a história é um pouco mais complicada. Porque o sistema bancário é principalmente controlado pelo Estado e limita o crédito para determinados setores, outros financiadores e empresas têm encontrado maneiras de emprestar e pedir emprestado dinheiro por conta própria, o chamado ‘sistema bancário paralelo’.
Isso funciona assim: Uma empresa envia cobre (ou outros metais) para o armazém e recebe um recibo. A empresa pode então depositar este recibo com outra empresa ou banco que não são controlados pelo Estado para receber um empréstimo de curto prazo. Até aí estaria tudo bem, porque o empréstimo está assegurado pela quantidade de metal no armazém. Caso o mutuário fique inadimplente, o credor tem a penhora sobre esses bens, que são “hipotecados” ou penhorados como garantia.
Mas a bola não para por aqui. Num processo chamado re-hipotecagem, o recibo de depósito original será hipotecado várias vezes com diferentes credores. Desde que ninguém na esplêndida cadeia fique inadimplente e todos paguem seus empréstimos no tempo devido, aparentemente nada demais ocorreu.
Os proprietários do metal obtêm de volta suas mercadorias e os credores recebem seus empréstimos acrescidos de juros. Na prática, os recibos são usados três ou quatro vezes, com apenas um carregamento de mercadorias como garantia.
Se um mutuário na cadeia ficar inadimplente, o credor tentará reclamar a garantia apenas para descobrir que vários outros também têm direitos de reivindicar esses ativos (as mercadorias no armazém). Isso é exatamente a razão por que as autoridades estão conduzindo a investigação em Qingdao.
Um funcionário de uma empresa com operações no Porto de Qingdao disse à Reuters: “Nós ouvimos que a discrepância é de 80 mil toneladas de alumínio e 20 mil toneladas de cobre, mas também ouvimos que os volumes são na verdade muito maiores. Eles estão ausentes ou nunca existiram. Houve emissão tripla da documentação.”
Uma vez que a confiança no sistema falhe, os credores exigirão seus empréstimos subitamente, o que fará os mutuários se acotovelarem por dinheiro. Alguns dos mutuários não serão capazes de pagar seus empréstimos, provocando uma corrida ao banco (armazém), apenas para descobrir que a concha nunca esteve lá, muito menos a bolinha sob ela.
*Imagem de “jogo de passe-passe” via Shutterstock