O jogo de acusações na luta de poder do regime comunista chinês

29/01/2014 19:48 Atualizado: 29/01/2014 19:48

Em 21 de janeiro, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos publicou um artigo baseado em documentos confidenciais que mostram que parentes próximos de alguns altos dirigentes chineses possuíam ativos secretos em centros financeiros offshore. O momento foi marcante.

O artigo foi divulgado no momento que chefe do Partido Comunista Chinês (PCC), Xi Jinping, declarou publicamente que “um ferreiro deve ser fisicamente forte para forjar ferro”, “mostraremos tolerância zero à corrupção” e “abaixo com o Mestre Kong”. (Mestre Kong é o apelido do ex-chefe da segurança interna chinesa, Zhou Yongkang.)

Implicados no artigo estavam o ex-líder Deng Xiaoping, o ex-líder Hu Jintao, o ex-primeiro-ministro Wen Jiabao, o ex-primeiro-ministro Li Peng, entre outros. Muitos notaram que o ex-líder Jiang Zemin, o político poderoso aposentado Zeng Qinghong e Zhou Yongkang não foram mencionados.

Este artigo, que visava funcionários do mais baixo aos mais altos escalões, era um contra-ataque poderoso contra a campanha anticorrupção em andamento, com a facção liderada por Zhou Yongkang e Jiang Zemin travando uma guerra política de vida ou morte.

Guardando segredos

A novela política “Tiannu” fornece um exemplo útil de por que o Partido Comunista muitas vezes mantém seus segredos. O romance faz alusão ao prefeito de Pequim, Chen Xitong, que foi derrubado por Jiang Zemin por corrupção.

Um personagem do romance, um “guarda do palácio” de Chen que comete todos os tipos de crimes, diz: “Não será fácil prejudicar o meu pai [Chen Xitong]. Se alguém pressioná-lo demais, ele vazará algo que pode abalar o céu e a terra! Então, será que seu superior não tentará a protegê-lo? Caso contrário, todos cairão juntos.”

No entanto, por fim, Chen Xitong cai sem vazar qualquer coisa que possa abalar o céu e a terra. O prefeito de Shanghai, Chen Liangyu, caiu de forma semelhante quando Hu Jintao o derrubou. Assim também ocorreu com Bo Xilai, o ex-chefe do PCC em Chongqing. No final das contas, a única pessoa que prejudicou e derrubou com sucesso seu superior foi Wang Lijun, o chefe de polícia de Chongqing e braço-direito de Bo Xilai.

Por que Chen Xitong, Chen Liangyu e Bo Xilai não recorreram à tática de arrastar seus inimigos políticos com eles?

Por um lado, talvez eles estivessem familiarizados com os segredos sujos de seus inimigos políticos, mas eles simplesmente não tinham provas concretas. Ou talvez eles tivessem provas, mas simplesmente não tiveram um canal ou momento adequado para expor essas informações. Fora isso, não há outra explicação.

Se alguém foi até eles com uma cenoura e um pedaço de pau, eles poderiam ver uma potencial saída. Poderia ser-lhes oferecida uma vida fácil na cadeia ou uma licença médica condicional após apenas dois anos de prisão, ou seus filhos e esposa não seriam implicados, ou apenas parte de seu dinheiro sujo seria confiscado.

Depois de cair, se você lutar, você pode sofrer punição ainda pior. Se você insistir demais, você pode acabar pagando com a vida ou ferir sua família. Então, se você preza por sua vida e não quer trazer prejuízo para seus filhos, você pode desistir de revidar.

Chen Liangyu teria recebido um tratamento favorável na cadeia. Chen Xitong foi posto em liberdade condicional médica e viveu confortavelmente numa casa de campo pelo resto da vida. Bo Xilai, que se atreveu a se defender no tribunal, mas não atacou seus inimigos, poderia estar protegendo seu filho Bo Guagua.

Fonte anônima

Em contraste, a situação de Zhou Yongkang é completamente diferente. Bo Xilai recebeu prisão perpétua. Isso não significaria que Zhou Yongkang pode ser condenado à morte? Seu filho Zhou Bin também foi trancado na cadeia. Assim também foram muitos dos subordinados de Zhou.

Zhou Yongkang tem sido empurrado para um abismo profundo. Como Zhou não pode afundar muito mais, por que ele não tentaria algo, mesmo que fosse apenas um chamariz fútil?

De acordo com um artigo da Deutsche Welle sobre o vazamento das informações bancárias offshore em 2012, uma pessoa anônima enviou as informações para o Consórcio de Jornalistas Investigativos.

Devido ao enorme volume de informações, o Consórcio convidou jornalistas de todo o mundo para percorrer os dados em conjunto, incluindo jornalistas do Ming Pao de Hong Kong.

O jornal Ming Pao é conhecido por seu jornalismo independente. No entanto, a recente substituição de um editor-chefe de longa data por um pró-comunista e as repercussões posteriores disso para todo o departamento editorial nos faz questionar se o Ming Pao não foi infiltrado pelo PCC.

A Deutsche Welle também informou que, no verão de 2013, os jornalistas de todo o mundo, incluindo alguns de Pequim, se reuniram em Hong Kong para conhecer e rever estes materiais altamente sensíveis. A reunião durou por seis meses, durante os quais uma mídia chinesa optou por retirar-se.

Esta reunião analisou alguns dos materiais mais sensíveis que seria bastante prejudicial a alguns dos principais líderes chineses, incluindo Xi Jinping, Hu Jintao e Wen Jiabao. Que mídia chinesa de Pequim participou nesta reunião? A suposição razoável seria uma mídia que tivesse laços estreitos com a facção liderada por Zhou Yongkang, Jiang Zemin e Zeng Qinghong.

Publicidade do Freegate

Houve outra coisa também muito estranha. Em 21 de janeiro, dia em que o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos tornou público suas descobertas, o governo chinês começou imediatamente a censurar qualquer coisa relacionada a este noticiário.

Essa não é a parte estranha. No mesmo dia, dois terços da internet chinesa ficaram offline. As autoridades chinesas disseram inicialmente que um ataque externo causou uma queda geral da internet. No entanto, uma postagem no Weibo, uma plataforma de mídia social popular na China, afirmou que o órgão responsável pela internet tinha acidentalmente paralisado a internet chinesa.

A mídia estatal Global Times publicou um artigo com o título “O ataque misterioso à internet chinesa aponta para a empresa que fornece software anticensura”. O artigo afirmava que o nome da empresa é Dynamic Internet Technology e explicou que a empresa fornece softwares como o Freegate, que permite aos usuários contornar a censura na internet do regime comunista chinês.

O Epoch Times, a Voz da América e a Radio Free Asia são alguns dos websites censurados que os internautas chineses podem acessar se usarem o software gratuito fornecido pela empresa.

Este artigo indiretamente encorajava os leitores chineses a saberem mais sobre a Dynamic Internet Technology e a fazer o download do software gratuito Freegate, para que tivessem acesso a informações censuradas online. Assim, mais pessoas poderiam ler os materiais tornados públicos pelo Consórcio, reforçando o ataque contra Xi Jinping, Hu Jintao e Wen Jiabao.

Perturbando o equilíbrio

O cenário seguinte é autossugestivo. Em fevereiro de 2012, Wang Lijun fugiu para o consulado-geral dos Estados Unidos em Chengdu, o que resultou no caso contra Bo Xilai. Em março ou abril de 2012, Bo Xilai foi destituído de suas posições no Partido Comunista.

Zhou Yongkang então sentiu-se profundamente ameaçado e secretamente enviou alguém para ajudar na investigação das contas offshore. O Consórcio recebeu um disco rígido enviado anonimamente e repleto de dados.

Em dezembro de 2013, Zhou Yongkang foi preso. Agora, Zeng Qinghong e Jiang Zemin estão envolvidos – eles são os aliados mais próximos de Zhou. E eles estão preocupados. Como eles podem se preparar para o futuro em que eles serão os alvos?

Durante o mandato de Jiang Zemin e Hu Jintao no poder, certo equilíbrio de poder foi mantido. As detenções de Zhou Yongkang e Bo Xilai são por crimes políticos que ameaçavam acabar com o equilíbrio de uma vez por todas, pois eles tentaram usurpar o poder por meio de um golpe de Estado. Agora, o movimento contra Zhou Yongkang também pretende acabar com o equilíbrio de poder por meio da eliminação de sua facção.

No comunismo de hoje, a corrupção é tão generalizada que se opor a corrupção é apenas um jogo político usado para se livrar de pessoas que não seguem a linha do Partido, seja removendo pessoas da base até o alto escalão ou vice-versa.

Mas a corrupção tem um eleitorado teimoso dentro do Partido. Se apenas uma pessoa no topo é corrupta, e todos os outros têm as mãos limpas, é mais provável que eles não concordem ou compactuem com seus crimes. Mas quando a grande maioria tem o rabo preso e um líder se opõe à corrupção, outros podem se sentir ameaçados e se unir em defesa própria para colocar alguém no poder que os faça se sentir seguros.

Depois do massacre da Praça da Paz Celestial em 4 de junho de 1989, o mais alto escalão do Partido Comunista usou o terror para equilibrar o poder político. Todos foram tratados como responsáveis pela morte dos estudantes e ninguém diria nada em oposição ou expressaria um ponto de vista diferente. Na ausência desse equilíbrio pelo terror, a luta pelo poder no alto escalão do Partido foi reaquecida.

Neste momento de desprezo total pelos direitos humanos na China, a recusa do Partido Comunista de ser regido pelo estado de direito e pela lei e a oposição do regime de partido único à democracia, vencer a luta pelo poder político supremo revela-se nitidamente a única meta existencial do comunismo.

Hu Ping é editor-chefe da Primavera de Pequim