Reportagem de Thais Fascina e Daniele Brant, Folha de São Paulo de segunda-feira (6), focaliza com destaque a situação dos endividados que se encontram com seus compromissos vencidos, sob diversos aspectos, dois deles os principais: os abalos psicológicos com reflexo na saúde em geral, e sua enorme quantidade. São nada menos que 54 milhões de homens e mulheres, correspondendo a praticamente 40% da população adulta brasileira. Há pessoas inclusive que saem por aí acessando crédito por diversas fontes, o que termina levando-as a selecionar as que pagam num mês e quais consideram ser possível adiar e parcelar.
Um erro terrível, porque os juros cobrados pelos atrasos são muito altos, várias vezes mais elevados do que os reajustes salariais. Some-se a isso os casos de perda de emprego, o que torna o panorama simplesmente assustador. Dentro de tal processo, verdadeiro redemoinho, torna-se cada vez mais difícil e arriscado poderem se livrar da submersão. A qual conduz a uma série de consequências.
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Oferta exagerada
O processo tem várias causas: oferta exagerada de crédito, sem que as fontes financiadoras levem em conta o esgotamento da capacidade do comprador em poder pagar as várias prestações que assume simultaneamente. O peso da publicidade na apresentação das propostas que as mensagens transformam em ofertas. Os juros embutidos (e não aparentes) na comercialização dos produtos. Os oferecimentos de crédito, inclusive a consumidores que já têm cadastro negativo, são verdadeiras ciladas que conduzem à fantasia, pois tais operações financeiras não podem ser verdadeiras. Ocultam armadilhas, no mínimo, não se devendo descartar outras singularidades. Como garantias à base da posse de imóveis ou automóveis, em lances triangulares. Não têm lógica.
E na essência desses golpes, evidencia-se sempre um mistério. Como o do financiamento sem juros. Não pode ser. Afinal de contas, estamos falando de um país cujos juros mensais (menores) dos bancos estão em torno de 4% ao mês numa inflação de quase 8% (7,7) de março de 2014 a março de 2015. Isso, tratando-se da inflação oficial. Porque, de fato, existe a inflação real, muito mais alta, a que pesa realmente em nosso bolso. Basta acentuar os preços dos alimentos, dos transportes, dos combustíveis, das tarifas elétricas.
Antes dos reajustes
Agravando a situação dos endividados inadimplentes, surge a questão de que as elevações do custo de vida antecedem – não sucedem – , os reajustes salariais. Assim, os aumentos ocorrem diariamente e se adicionam à obrigação dos juros pelas prestações em atraso. Surge então um processo devastador com reflexos na própria estrutura social, jogando para baixo o próprio mercado de consumo. Custo de vida subindo antecipadamente, juros progressivos, várias fontes de endividamento, onde e quando vai a roda parar? Não se sabe. A culpa, no caso geral, não cabe exclusivamente ao governo, mas a uma parte da população que, fascinada pelas “ofertas”, acaba assumindo compromissos impossíveis de resgatar.
Qual uma bola de neve rolando, a tendência é se avolumar cada vez mais. A publicidade, como disse há pouco, tem grande peso no processo e nos desdobramentos dele. E a única explicação (inevitável) é que a inadimplência torna-se lucrativa para uns poucos. Caso contrário ela seria combatida de forma frontal. E teria acabado. Mas se continua, a única tradução é a presença de fortes interesses econômicos em mantê-la. Mas – eis a questão essencial – até quando?