Após cinco anos, os esforços para contar ao mundo sobre a extração ilegal de órgãos na China continuam…
A história é difícil para o estômago – horrível, pelo menos. O que começou como rumor, no entanto, veio a se desdobrar numa campanha de brutalidade e terror perpetrada pelo regime chinês.
O advogado internacional de direitos humanos David Matas estava em seu escritório quando a história apareceu em março de 2006. Ela chegou a sua caixa de e-mails juntamente com uma enxurrada de atualizações de direitos humanos que ele lê diariamente.
Ali era contada a história de uma mulher sob o pseudônimo de “Annie”, cujo marido sofria de pesadelos, como consequência do terror que ele havia causado a mais de duas mil pessoas.
Annie disse que seu marido, um cirurgião, foi contratado pelo regime chinês para remover as córneas de praticantes do Falun Gong vivos, cortando os olhos abertos com seu bisturi, enquanto eles ainda estavam vivos. O resto dos órgãos também era arrancado de seus corpos, tudo para alimentar um mercado de tráfico ilegal de órgãos.
Quando ele disse a sua esposa Annie o que estava fazendo, ela o deixou e fugiu para os Estados Unidos para revelar o crime que estava ocorrendo.
Matas tinha reservas em relação à notícia, embora ele tenha dito: “Eu sabia o suficiente sobre o Falun Gong para saber que eles estão sendo perseguidos, então me ocorreu que poderia ser verdade”, em entrevista por telefone de um hotel de Genebra.
A história adormeceu em sua mente até dois meses depois. Matas foi solicitado para investigar as alegações juntamente com o ex-secretário de Estado canadense para a Ásia-Pacífico David Kilgour.
“Eu sabia que esta era uma questão difícil de avaliar”, disse Matas. “Quando comecei, eu não tinha ideia se a acusação era verdadeira ou falsa, mas eu sabia de minha experiência no mundo dos direitos humanos que seria difícil encontrar alguém para olhar isto.”
Investigar as alegações de que o Partido Comunista Chinês (PCCh) está sistematicamente coletando órgãos de praticantes do Falun Gong vivos seria difícil. Eles não podiam entrevistar as vítimas, uma vez que estavam todos mortos, não havia corpos porque eram todos cremados, e o governo chinês não permite que os defensores dos direitos humanos operem dentro de suas fronteiras.
Matas descreveu a situação como “um enigma difícil”, mas seu trabalho diário de tentar provar ou refutar as alegações de refugiados lhe forneceu um lugar para começar. “Eu lido com pessoas que vêm com as roupas nas costas e uma história”, disse ele.
Matas e Kilgour, porém, começaram a trabalhar e foram capazes de encontrar 51 pistas de provas que os levaram a concluir que as alegações eram verdadeiras. “Vendo que isto está acontecendo com um grande número de cidadãos inocentes na China no século XXI, isto simplesmente me horrorizou”, disse Kilgour, em entrevista por telefone do Canadá.
Suas provas incluíam chamadas para os hospitais em que os indivíduos se identificaram como norte-americanos interessados em comprar os órgãos de praticantes do Falun Gong, assim, funcionários do hospital consequentemente alegaram ter órgãos disponíveis de praticantes.
A China afirma que obtém seus órgãos de prisioneiros executados, mas Kilgour e Matas encontraram discrepâncias entre o número de execuções registradas e o número de transplantes. Eles concluíram que os praticantes do Falun Gong foram a mais provável fonte de 41.500 transplantes realizados entre 2000 e 2005.
Eles publicaram o primeiro relatório em julho de 2006, que seria seguido de um relatório expandido e, em seguida, de seu livro, “Colheita Sangrenta: A morte de praticantes do Falun Gong por seus órgãos“, publicado em outubro de 2009.
Uma prática ceneralizada
Quando a pesquisa de Kilgour e Matas foi lançada, o escritor e pesquisador independente Ethan Gutmann estava se dirigindo a Bangkok para entrevistar praticantes do Falun Gong que haviam escapado recentemente da China. Embora tivesse dúvidas no início, através de suas próprias pesquisas, ele chegou à mesma conclusão que os outros tiveram.
Gutmann iria entrevistar mais de 100 praticantes do Falun Gong, incluindo 50 refugiados de presídios e campos de trabalhos forçados do PCCh, enquanto pesquisava a perseguição do regime contra o grupo de meditação pacífica.
Durante uma entrevista por telefone do Reino Unido, Gutmann disse, “houve um momento diferente”, quando ele percebeu que as alegações eram verdadeiras. Ele estava entrevistando uma mulher mais velha que descreveu os testes feitos em praticantes do Falun Gong em prisões e campos de trabalho que incluíam caros exames de sangue e de averiguação da saúde dos órgãos.
“Eles faziam este exame e não havia nenhuma justificativa clara para o exame. Não era um exame médico de verdade, era só para examinar os órgãos”, disse Gutmann.
Ele ouviu os mesmos testes serem descritos repetidas vezes. Para se certificar de que eles não estavam apenas dizendo o que ele queria ouvir, ele apenas casualmente perguntava sobre os testes. “Ficou claro que eles não estavam instruindo uns aos outros e era claro que eles não perceberam o significado”, disse ele.
A fim de cobrir os custos dos exames, Gutmann estima que o PCCh teria de retirar os órgãos de uma em cada 40 pessoas que eles examinassem apenas para igualar os valores. Se eles quisessem lucro, eles seriam obrigados a matar um em cada 5 ou 10.
Baseado em suas descobertas, ele acredita que o PCCh pode ter matado 65 mil praticantes do Falun Gong para extrair seus órgãos. Ele disse que a estimativa se aproxima daquelas encontrados por Matas e Kilgour. “É surpreendente, porque estamos trabalhando com métodos completamente diferentes. Eu não estou usando os números do governo chinês”, disse Gutmann.
Ele descreveu suas descobertas num artigo de novembro de 2008, “China’s Gruesome Organ Harvest”, publicado na revista Weekly Standard, assim como num artigo publicado em seu blog East of Ethan, “Quantos foram colhidos?”
Através de novas pesquisas, no entanto, ele descobriu que a prática do PCCh de matar adeptos religiosos por seus órgãos era mais ampla do que anteriormente se acreditava.
Ele descobriu que os cristãos, os tibetanos e os uigures também foram vítimas.
Ele também foi capaz de provar a origem da prática do regime, o que ele vai descrever num próximo artigo na Weekly Standard. “Isto prova que os uigures foram os primeiros presos políticos a terem seus órgãos extraídos na China em 1997 após o incidente de Gulja. A escala foi, provavelmente, bastante pequena, mas nós não sabemos. O que sabemos é que definitivamente aconteceu”, disse Gutmann.
Ainda assim, ele observa que a escala do crime parece ser maior entre praticantes do Falun Gong. Enquanto uma evidência apontava para um incidente em que um ônibus cheio de tibetanos foi objeto de exames de órgãos, centenas de praticantes do Falun Gong eram frequentemente analisados.
Continua na próxima página… Revelando um crime…
Revelando um crime
O trabalho de Matas e Kilgour ganhou uma nomeação para o Prêmio Nobel da Paz, e eles continuam a percorrer o mundo para revelar suas descobertas para os governos e em conferências.
O regime chinês, desde então, parou de vender órgãos abertamente a estrangeiros, mas a prática ainda é permitida entre os chineses locais. Apenas hospitais registrados têm permissão de realizar transplantes, mas Matas observa, “Isto só funciona para o sistema civil, não o militar, e os militares são os principais culpados pela morte dos [praticantes] Falun Gong por seus órgãos, portanto, esta não é realmente uma solução.”
Em geral, as respostas do PCCh a respeito dos resultados eram “absurdas”, como Matas as descreve, “Se estivéssemos errados, o governo poderia ter facilmente nos desmentido. O que recebemos são apenas bobagem”, disse ele.
Inclusive, entre as tentativas do regime para refutar as descobertas há um documentário da Phoenix TV de Hong Kong, em que um médico é entrevistado, o mesmo médico que antes havia admitido a venda de órgãos de praticantes do Falun Gong numa chamada telefônica mencionada por Matas e Kilgour.
No documentário, o entrevistador lhe entrega uma transcrição da entrevista e ele nega ter mencionado sobre a venda de órgãos de praticantes do Falun Gong. Matas observa que o documentário não menciona a gravação do telefonema em que o médico confirmou o fato, uma gravação que tem sido preservada como evidência.
As coisas só se tornaram mais ridículas. Durante um debate entre Matas e um cônsul político chinês na Embaixada da China em Israel, o oficial chinês disse que o relatório foi baseado em rumores. Ele tentou provar isto fabricando evidências e em seguida refutando as provas que ele criou.
Matas observa que entre os governos e grandes organizações, seus resultados ganharam “mais aceitação à medida que buscamos isto”, acrescentando que ele e Kilgour ainda “não viram uma abordagem firme ao lidar com o assunto da maneira como gostaria de ver.”
Ele acredita que isto se deve em parte à natureza do caso. “Você pode criticar a China de algumas formas e eles dirão: ‘sim, você está certo, nos dê algum tempo’, mas se você criticá-los sobre a perseguição ao Falun Gong, eles perdem a cabeça, sairão da sala e não falarão mais com você.”
Segundo Gutmann, “Eventualmente, haverá uma massiva reforma na China ou o colapso do PCCh, e muito provavelmente também haverá registros a respeito que alguém irá preservar… e as pessoas vão se voltar e dizer ‘por que não fizemos nada?’ e não haverá uma boa resposta para isto.”