No dia 11 de fevereiro deu-se mais uma audiência pública promovida pela Comissão Estadual da Verdade no Rio de Janeiro. A Comissão da Verdade tem como objetivo principal examinar as graves violações de Direitos Humanos praticadas por agentes do Estado no período entre 1946 e 1988, e especialmente as ocorridas no período da ditadura militar, entre os anos de 1964 e 1985.Entre outras coisas, a Comissão tem como objetivo a identificação de instituições, locais, estruturas e circunstâncias ligadas à prática de violações de direitos humanos no Brasil durante este período.
Participaram da audiência a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, o presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, Wadih Damous, o procurador-geral do município de Petrópolis, Marcos São Thiago, o teólogo Leonardo Boff, a integrante da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, Nadine Borges, e Maria Theresa Goulart, viúva do presidente João Goulart.
A audiência abordou temas como a transformação do ex-centro de tortura militar clandestinoda cidade de Petrópolis (RJ), conhecido como Casa da Morte, em um núcleo de promoção do direito à memória e à verdade, e também mostrar que o uso da violência em manifestações, como aquela que causou a morte do cinegrafista da Rede Bandeirantes, Santiago Andrade, é um erro.
Referindo-se à morte do cinegrafista, a ministra declarou: “Nós, defensores de direitos humanos, não podemos aceitar que se substitua o uso da palavra, da voz, pelo uso de um artefato que pode causar a morte”.
Leonardo Boff, a partir de uma visão mais humanitária, focalizada na responsabilidade pessoal de cada indivíduo, disse que “a superação do mal que existe dentro de todos os seres humanos é fundamental para estabelecermos uma relação saudável com a natureza, para a implementação da democracia e da paz”.
Quanto aos resultados gerais da Comissão, Wadih Damous afirmou: “A Comissão tem procurado cumprir com as expectativas de revelar as graves violações de direitos humanos no período da ditadura”.
Uma audiência como essa pode realmente promover a reflexão e o aprendizado sobre o grave erro que é o uso da violência, seja praticada por agentes do Estado como policiais, militares e outros, para reprimir manifestações e expressões populares pacíficas, como a praticada por civis para a reivindicação de seus direitos. É preciso aprender que a violência sempre está associada ao descontrole e à falta de lucidez. E para alcançarmos a justiça verdadeira é preciso de lucidez, integridade e sensatez.
Um hino político numa Comissão apartidária
Um fato estranho ocorreu no final da audiência do dia 11. Na sala onde estava ocorrendo a audiência foi feita uma apresentação, em frente à mesa organizadora. Um professor e seu coral de alunos cantaram a Internacional socialista, um hino comunista.
A Internacional foi criada como um poema-manifesto, depois da derrota da Comuna de Paris, em 1871. Ela passou a ser o hino de referência para todos os socialistas, comunistas e anarquistas em todo o mundo. Também se tornou o hino oficial da URSS entre os anos de 1917 e 1941, e ainda hoje é o hino oficial do Partido Comunista do Brasil.
Que o Partido Comunista do Brasil ou outros partidos de esquerda a cantem como seu hino político-ideológico em suas próprias reuniões, não há problema algum, já que vivemos numa democracia. Mas é de se estranhar que um hino que contém uma ideologia política particular seja cantado numa cerimônia pública apartidária, que representa o Estado brasileiro, e onde comparecem representantes do Estado e da população civil, que não necessariamente acreditam, concordam e apoiam as ideologias de esquerda.
Essa é uma atitude desonesta em relação aos preceitos democráticos e demonstra o tipo de intenções que alguns grupos de esquerda vêm tendo em relação ao controle das instituições políticas brasileiras: mostra o desejo intenso de impor à ordem política e social vigente de uma ideologia particular, de forma autoritária.
Isso não só configura uma atitude politicamente mal intencionada, como demonstra a conivência de alguns representantes do Estado – ou mesmo a vontade dos mesmos – de transformar as instituições e ferramentas democráticas, como a própria Comissão da Verdade, em meios de indução política e manipulação social.
Alberto Fiaschitello é cientista social formado pela Universidade de São Paulo (USP) e terapeuta naturalista