Desde o dia 20 de agosto, a Força de Segurança Nacional está no município de Buerarema, Sul da Bahia, com o objetivo de frear a escalada de violência contra o povo indígena Tupinambá, mobilizado pelo reconhecimento de seus direitos territoriais. Os ataques começaram na noite de quarta-feira (14), quando um caminhão que transportava estudantes da Escola Estadual Indígena Tupinambá Serra do Padeiro foi alvejado em uma emboscada. Ninguém foi baleado, mas estilhaços do para-brisas, que se quebrou, feriram dois estudantes. Nos dias subsequentes, não-índios atearam fogo em veículos de órgãos públicos e em um ônibus escolar.
Apesar da presença policial, a violência continua. No sábado (24), indígenas que vivem na zona urbana de Buerarema tiveram suas casas e bens pessoais incendiados. As imagens, que circularam em blogs regionais, são impactantes. Os Tupinambás vêm recebendo ameaças cotidianas e tiveram parte de sua produção agrícola (cacau e farinha de mandioca) roubada; não-indígenas que os apoiam sofreram tentativas de linchamento; comerciantes identificados com os índios tiveram suas lojas atacadas. Por razões de segurança, os indígenas não têm saído da aldeia, o que impede o acesso a serviços de saúde e acarreta significativos prejuízos econômicos, ao impossibilitar a comercialização da produção agrícola.
Disputa territorial
Os recentes ataques inscrevem-se em um quadro de intenso conflito territorial. O processo de identificação da Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença teve início em 2004, como resultado de prolongada pressão por parte dos indígenas. Cinco anos depois, a Fundação Nacional do Índio (Funai) aprovou o relatório circunstanciado que delimitou a TI em cerca de 47 mil hectares, estendendo-se por porções dos municípios de Buerarema, Ilhéus e Una, no sul da Bahia. Descumprindo os prazos estabelecidos legalmente, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ainda não assinou a portaria declaratória da TI, para que o processo então se encaminhe para as etapas finais. De acordo com dados da Funasa para 2009, cerca 4.700 Tupinambás vivem na área.
Em 2004, os Tupinambás iniciaram o processo de recuperação de seu território tradicional, reocupando terras que lhes haviam sido tomadas. A penetração massiva de não-indígenas no território tupinambá teve início no final do século 19, quando a região tornou-se a principal fronteira agrícola do Estado da Bahia, com o estabelecimento da cultura do cacau. Entre os anos de 1920 e 1940, esse processo se intensificou. Os indígenas que não migraram para as zonas urbanas mantiveram-se em pedaços de terra muito diminutos, ou passaram a trabalhar em fazendas de cacau, em condições extremamente precárias, em alguns casos, inclusive como mão-de-obra escrava.
As ações de recuperação territorial levadas a cabo pelos indígenas – conhecidas como “retomadas de terras” – têm o intuito de pressionar o Estado para fazer o processo de demarcação avançar, mas também são realizadas para resolver problemas concretos das famílias, que em muitos casos viviam em situação de pobreza extrema, passando fome. Além disso, elas atendem a princípios da cosmologia dos Tupinambás: aquelas terras são habitadas por entidades não-humanas conhecidas como “encantados” e os indígenas têm o dever de proteger o território.
Desde o início de sua mobilização, os Tupinambás sofrem intensa violência. Além de terem sido alvos de emboscadas realizadas por ocupantes não-índios, foram vítimas, principalmente entre os anos de 2008 e 2010, de recorrente violência policial, em que se comprovou a utilização de armamento letal, prisões ilegais de lideranças e tortura (com choques elétricos). Representantes do poder público, como o deputado federal Geraldo Simões (PT) e a deputada estadual Ângela Souza (PSC), em declarações à imprensa regional, contribuem para a difusão do preconceito contra os Tupinambás e para a incitação à violência. O radialista Rivamar Mesquita, da Rádio Jornal de Itabuna, também é conhecido por suas frequentes declarações anti-indígenas. Esses fatos motivaram denúncias por parte de entidades como a Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia e a Anistia Internacional.
A ilegal e abusiva demora no processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença levou à proposição, pelo Ministério Público Federal, de ações civis públicas responsabilizando o Estado por não cumprir sua atribuição legal de proteger os direitos indígenas, conforme determinam a Constituição Federal de 1988 e tratados internacionais de que Brasil é signatário, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A atual conjuntura política tem se revelado profundamente desfavorável aos povos indígenas e comunidades tradicionais – como se sabe, o governo de Dilma Rousseff mantém estreita relação com lideranças do agronegócio e, recentemente, determinou a paralisação de processos de demarcação de Terras Indígenas em curso.
Campanha
Nesta segunda (26), foi lançada uma campanha pela urgente conclusão do processo de demarcação da TI Tupinambá de Olivença, incluindo um abaixo-assinado. Na ocasião, pesquisadores que atuaram junto aos Tupinambá divulgaram uma carta pública (protocolada junto aos órgãos federais competentes), enfatizando que apenas a finalização do processo demarcatório fará cessar as violações aos direitos indígenas em curso e a tensão na região.
Esse conteúdo foi originalmente publicado pelo site Repórter Brasil