Aquilo que chamamos de “Eu” é basicamente uma forma de consciência, é o ego. Ou seja, um estado consciente que experimenta as circunstâncias e objetos com os quais entramos em contato.
Essa consciência experimenta e classifica as experiências segundo suas percepções do prazer (bem-estar) e da dor (mal-estar). Por exemplo, quando um bebê sente fome, isso se manifesta nele através de um relativo mal-estar orgânico. Ele, então, deseja desfazer-se desse mal-estar e quer uma solução para este desconforto, e assim se manifesta contra esse estado, tornando-se agitado, podendo inclusive chorar ou ficar irritadiço. Assim que é alimentado pelo leite materno, seu corpo começa a sentir saciedade, o mal-estar vai desaparecendo e ele passa a ficar confortável e em paz novamente.
Então, esse Eu, devido às suas percepções sobre o prazer e a dor, vai classificando as experiências como positivas e negativas durante toda a sua vida. Essas classificações se transformam, ao longo do tempo, em conceitos estabelecidos, em memórias emocionais contínuas. Estas, por sua vez, transformam-se em estruturas psicológicas que condicionam o indivíduo em todas suas relações que ocorrerão em seu futuro, de modo que ele passa a reagir através de respostas-padrão, condicionadas por essas memórias.
A educação básica, estabelecida sobre os aspectos do prêmio e da punição, seja no lar ou na escola, condiciona igualmente os padrões de resposta emocional dos indivíduos. Da mesma forma, os traumas e as experiências extremamente gratificantes também criam conceitos profundos e arraigados, e condicionam fortemente as reações dos indivíduos aos eventos futuros.
E não só os seres humanos são condicionados dessa forma, mas todos os seres vivos. Os animais, as plantas, as bactérias, os vírus, etc., são todos condicionados pelos estímulos da dor e do prazer, desenvolvendo igualmente aos humanos respostas-padrão de comportamento. Qualquer um de nós já observou isso em animais de estimação, ou nas reações de outros seres vivos. Assim, as reações básicas ao prazer e à dor são universais – como demonstrou Pavlov em seus estudos sobre os reflexos condicionados de animais e humanos.
Para os seres humanos, esse nível de percepção e de reações condicionadas é o nível mais rudimentar da consciência. É nesse nível que se formam os desejos e as aversões, as rejeições e as dependências, e também as paixões, os apegos e os vícios. E desses estados de preferências e rejeições condicionadas – que são derivadas desse instinto primário de preservação e de preocupação com a satisfação do Eu – surge o egoísmo.
É devido a esse instinto primário de preservação do ego que todas as reações antissociais são criadas: o ódio, a violência, o individualismo, a avareza, a ganância, a falta de empatia, a crueldade, a mentira, a traição e outras. Todos os estados emocionais negativos também surgem disso: a mágoa, o rancor, a vingança, a inveja, o ciúmes e outros.
Nesse nível rudimentar de consciência e respostas condicionadas, os resultados só podem ser os conflitos e as disputas entre os indivíduos, e as impossibilidades de comunhão grupal, de socialização e de projetos coletivos verdadeiros. Os interesses pessoais sempre estarão em primeiro lugar, e, mesmo em supostos projetos e ações coletivas, os interesses individuais serão os motivos fundamentais que mobilizarão as pessoas. Porém, estarão travestidos como ideologias comunitárias, socializantes e até humanitárias.
Nós realmente desejamos um mundo melhor, desejamos mudar coisas e fazer reformas sociais. Porém, assim que nossos mais profundos apegos, desejos e interesses pessoais são ameaçados, ou têm que ser sacrificados, ficamos paralisados. Nossas iniciativas estancam e, mesmo cheios de dores e remorsos, abandonamos nossas propostas iniciais. Em alguns casos, não abandonamos nossa proposta inicial, mas tentamos mudar algumas partes do projeto, mentindo sutilmente para nós mesmos e para os outros, para tentarmos manter nossos interesses preservados.
Enfim, como foi demonstrado, nenhum problema interpessoal, social ou mundial pode ser resolvido nesse nível rudimentar de consciência, e a história tem mostrado isso através dos milênios: mesmo com todas as propostas ideológicas ou doutrinárias políticas, econômicas, sociais, religiosas, psicológicas e filosóficas, os conflitos humanos, as guerras, as injustiças, as tiranias, a exploração, a crueldade, a opressão e a violência continuam.
Mas, existe algum outro tipo de consciência, de ações e respostas que possam ser úteis e realmente efetivas para a resolução desses conflitos, e promoverem a união humana e a convivência coletiva harmônica?
Veremos no próximo artigo.
Alberto Fiaschitello é terapeuta naturalista e cientista social