A ineficiência do nacionalismo

29/01/2014 10:03 Atualizado: 29/01/2014 10:03

Em tempos de Wii e de 3DS já não sei se faz sentido a pergunta, mas nos idos do Atari, às crianças de oito a doze anos costumava-se perguntar o que pesava mais, se um quilograma de chumbo ou um de algodão. Sem pestanejar, os mais afoitos respondiam que era óbvio que o quilo de chumbo pesava mais, afinal se tratava de um metal, portanto mais pesado do que o algodão.

Essa lembrança me ocorre sempre que analiso as propostas de intervenção do estado na economia defendidas pelos nacionalistas — de esquerda ou de direita. Pois eles, afoitamente, também propõem soluções equivocadas para problemas simples quando argumentam convictamente que interessaria mais ao Brasil — essa ficção jurídica — que aqui se produzissem bens industriais sofisticados tecnologicamente (e, supostamente, de “maior valor agregado”) ao invés de bens primários ou commodities agrícolas, pecuárias ou minerais, como tem sido a tendência desde as reformas dos anos 1990.

Falam em “primarização da pauta exportadora”, em “desindustrialização do país”, em crescente e negativa “especialização da produção nacional em bens intensivos em recursos naturais”. Querem, na verdade, criticar o fato de que muitos dos itens que compõem a pauta exportadora brasileira — bens que não pertencem à sociedade, em abstrato, mas a empresas privadas — têm preços unitários relativamente mais baixos do que os de alguns itens que são importados pelo conjunto dos brasileiros. Raciocinam, como as crianças do exemplo citado, que se um país importar automóveis e exportar soja empobrecerá.

Diante dessas críticas, e lembrando-me do tempo em que eu jogava futebol de botão, sugiro a pergunta: se, ao final de um ano, cinco empresas diferentes registrarem balanço positivo de R$ 10 bilhões cada uma, qual terá lucrado mais, a que produziu soja in natura, a que processou e embalou água de coco, a que prestou serviços de vigilância privada, a que produziu e distribuiu pneus, ou a que montou jatos regionais? Os R$ 10 bilhões lucrados por alguma delas valem mais do que os mesmos R$ 10 bilhões lucrados por qualquer uma das demais?!

Um analista astuto poderia argumentar que bastaria ao governo investigar e responder as seguintes questões para eleger verdadeiros “campeões nacionais”: Qual entre as cinco empresas empregou mais gente? Qual pagou os maiores dividendos aos acionistas? Qual apresenta melhores perspectivas de crescimento e internacionalização? Qual emprega as melhores práticas gerenciais? Qual a menos desonesta em termos tributários e no cumprimento das regulações a que está submetida? Qual comprou mais de outras empresas estabelecidas no País? Qual gerou mais externalidades positivas — formação de capital humano, difusão de tecnologias e modelos de gestão mais eficientes, poluiu menos, investiu mais, etc.? Essas são algumas das perguntas-chave que definem tanto os benefícios para “a sociedade” dos mesmos R$ 10 bilhões lucrados por cada uma delas quanto as chances de que, no futuro, os setores/empresas privilegiados pelo governo venham a ser os mais lucrativos e “socialmente úteis”.

Tal investigação requereria que o processo de escolha dos setores e empresas que merecem tratamento privilegiado do governo fosse caracterizado por (i) informação perfeita; (ii) plena neutralidade política, ideológica e regional dos tomadores de decisão; (iii) prevalência de critérios meritocráticos na administração pública em detrimento de todos os tipos de particularismo (clientelismo, corrupção, nepotismo, etc.); e (iv) eficiência administrativa. Mas nada disso existe na prática, nem aqui, nem nos países mais avançados e nem nos que crescem mais rapidamente do que o Brasil. Quando alguém defende que o Estado brasileiro escolha empresas a serem privilegiadas por meio de crédito subsidiado e reserva de mercado, eu rapidamente penso em Sarneys, Barbalhos, Calheiros, Magalhães, Delúbios, Valérios, Lulinhas, etc.

Diante das óbvias “falhas de governo”, o mínimo que se pode esperar de um analista isento e astuto é avaliar riscos e custos de oportunidade daquilo que propõe e/ou observa. Isso requer considerar como efetivamente se tomam decisões no âmbito dos governos e das empresas, além de contabilizar tudo o mais que necessariamente deixará de ser realizado a partir do momento em que o governo eleger um objetivo prioritário e, com vistas a realizá-lo, alterar regulações e destinar recursos escassos extraídos da sociedade. Sem tal esforço, as propostas são meras fantasias irresponsáveis.

Como não há informação perfeita, neutralidade política, eficiência administrativa e nem prevalência do mérito dentro do estado, escolher campeões nacionais facilmente se converte em transferir recursos para os amigos. Esses amigos se apresentam na forma de (a) empresas de políticos, de seus parentes e dos empresários ou executivos que apoiaram ou financiaram suas campanhas; (b) empresas que produzem bens ou serviços considerados “estratégicos” por alguma ideologia simplória usada para explicar os complexos processos de circulação de renda e inovações na economia, ou de vínculos que se estabelecem entre as empresas de uma mesma cadeia produtiva; (c) empresas que obtém acesso privilegiado aos que tomam essas decisões e que são mais eficazes em convencê-los de sua potencialidade.

A doutrina que diz ser necessário ao estado eleger campeões nacionais entre as empresas privadas do País está baseada na falsa premissa de que é possível dizer sem maiores riscos quais os setores da economia nos quais um lucro de R$ 10 bilhões (de nosso exemplo inicial) se converterá em maiores benefícios para o conjunto da sociedade. Posta em prática, tal doutrina faz com que empresas obtenham recursos de terceiros — coletados pelo estado na forma de impostos, dívida pública ou emissão inflacionária, ou impostos pelo estado por meio de regulações — por razões que nada têm a ver com sua competência operacional ou gerencial. São, por isso mesmo, decisões antieconômicas, que promovem ineficiências alocativas de recursos escassos (como não se pode fazer tudo, as escolhas sobre o que priorizar significam deixar de fazer muitas outras coisas). Elas desestimulam a busca por inovações (técnicas e gerenciais) pelos supostos campeões (os quais lucram pelos privilégios recebidos do estado e não pelo aumento de sua eficiência e produtividade), e eliminam a liberdade dos consumidores (indivíduos e empresas) para comprar produtos melhores e mais baratos de fornecedores globais.

Agora, para encerrar, o que pesa mais: um quilograma de chumbo ou um de algodão?

Carlos Pio é doutor em Ciência Política, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Professor Titular do Instituto Rio Branco e autor do livro “Relações Internacionais – economia política e globalização” (Brasília, Funag/Ibri, 2001).

Esse conteúdo foi originalmente publicado no site Instituto Ordem Livre