A China lançou recentemente uma ampla campanha contra a prostituição, com editoriais de destaque na imprensa estatal e a repressão de centenas de prostitutas que foram humilhadas diante das câmeras. Nenhuma organização de mídia na China tem permissão para questionar a campanha, segundo as diretivas oficiais de propaganda e censura que recentemente vazaram online.
O objetivo da estrondosa repressão é mostrar que os líderes do Partido Comunista Chinês (PCC) são sérios sobre atacar a corrupção – e que a prostituição seria um grande foco de corrupção.
Simultaneamente, no entanto, os analistas questionam se a repressão está de fato sendo conduzido com seriedade. Nas últimas décadas, a prostituição tem crescido tanto que parece simplesmente impraticável acabar com ela completamente. E se tornou uma indústria fundamental do país agora.
Atacando Dongguan
A cidade industrial de Dongguan, no Sul da China, foi o primeiro alvo das prisões e propaganda. A imprensa oficial parabenizou a polícia pelo trabalho duro de prender quase mil prostitutas e clientes em cerca de 200 localidades.
Isto é apenas uma fração da indústria do sexo em Dongguan, no entanto: a indústria do sexo lá gerou um volume de negócios de 50 bilhões de yuanes (US$ 8,2 bilhões) no ano passado, cerca de um sétimo do PIB da cidade, disse uma fonte familiarizada com a indústria numa entrevista ao Oriental Morning Post, um jornal em Shanghai.
O crescimento econômico de Dongguan tem sido acima da média nacional desde os anos 1990, quando a indústria local do sexo decolou, disse o artigo. Mas Dongguan também é um polo de fabricação e montagem.
A fonte disse ao Oriental Morning Post que há 250-300 mil prostitutas em Dongguan, atuando em empreendimentos como saunas, clubes de lazer, salões de beleza, casas de massagem e bons hotéis. Centenas de milhares mais estão em indústrias associadas, como joias, cosméticos e transporte.
Prostituição nacional
Dongguan é talvez um exemplo extremo do que se passa em toda a China. Embora a indústria do sexo não seja considerada nos relatórios da Secretaria Nacional de Estatísticas, alguns pesquisadores dentro e fora da China têm observado o problema.
Wu Hai, um CEO hoteleiro na China, publicou em 2012 uma “Análise da Indústria do Sexo na China e seu impacto na administração hoteleira”, que revelou alguns números surpreendentes.
O relatório indica que o valor total da prostituição a cada ano é de cerca de 500 bilhões de yuanes (US$ 82 bilhões), e que há cerca de cinco milhões de trabalhadores do sexo. O preço das transações sexuais varia dependo do lugar, mas a média nacional é de 200 yuanes (US$ 33) por incidente, diz o relatório.
A Organização Mundial de Saúde diz que a China tinha uma estimativa de 4 a 6 milhões de profissionais do sexo em 2008, e que a indústria tem se expandido rapidamente desde 1990.
‘Grande demais para falhar’
He Qinglian, uma economista chinesa que vive agora nos Estados Unidos, disse que a indústria do sexo representa uma fatia enorme na economia chinesa. Na verdade, ela é “grande demais para falhar”, escreveu He Qinglian numa análise recente do serviço chinês da Voz da América.
“Se a economia da China não pode criar novos postos de trabalho para essas pessoas de base, um setor que está ligado à carreira de 5 a 7 milhões de pessoas e a vida de 20 a 30 milhões de pessoas (incluindo familiares que trabalhadores do sexo precisam apoiar) retornará tenazmente, mesmo que algumas autoridades queiram reprimi-lo.”
Ativistas chineses pediram a descriminalização da indústria do sexo, à luz da recente repressão e da natureza arraigada da prostituição.
He Qinglian disse que a descriminalização diminuiria a ameaça das tríades ou máfias sobre os trabalhadores do sexo, os encorajaria a se submeter a exames regulares de saúde e possivelmente diminuiria os casos de sexo grupal, frequentemente relatados como solicitados por funcionários chineses corruptos.
‘Zona cinzenta’
A rápida industrialização e modernização da China após a Revolução Cultural foi a semente para o crescimento da indústria do sexo, segundo Pan Suiming, presidente e professor do Instituto de Sexualidade da Universidade Renmin da China.
As reformas no final de 1970 levaram a um grande número de chineses ingressando do comércio do sexo, após perderem suas terras no campo. O afluxo de prostitutas serviu uma população rica em rápido crescimento, escreveu Pan em sua “História e a indústria do sexo”.
Corrupção oficial foi outro grande estímulo para o crescimento da prostituição na China. Funcionários do Partido Comunista pagam por seus encontros sexuais com fundos públicos e a corrupção sexual é uma constante em transações oficiais na China. A lei chinesa diz que a prostituição é ilegal, mas ela é tão desenfreada que torna a lei praticamente sem sentido – exceto quando as autoridades desejam realizar uma campanha política.
“A indústria do sexo na China se tornou uma zona cinzenta entre a lei e a realidade”, disse Zhang Tianliang, um analista independente da política chinesa, numa entrevista. “Por um lado, o Partido Comunista quer se esquivar ao não legalizar a indústria do sexo. Por outro lado, funcionários do Partido de todos os níveis desfrutam desses locais, o que torna difícil proibi-los.”
A proteção de funcionários e da polícia é outra razão por que a repressão é sempre de curta duração. “A repressão à prostituição sempre pune as prostitutas, que não têm ligações políticas ou poder”, disse Zhang. “Muitas das multas dessas repressões vão para os bolsos de pessoas em posições-chave. E o comércio do sexo em muitos lugares é controlado por pessoas em posições políticas.”