É costume brasileiro acusar o governo e empresas estatais de serem complacentes, ineficientes na geração de riqueza, de não inovarem, de ficarem sempre esperando o dinheiro cair das mãos do Estado. Pois saibam que esse definitivamente não é o caso da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, a CET. Trata-se de uma empresa cujo acionista majoritário é a Prefeitura (o restante acionistas privados) e que, mesmo assim, não para de inovar.
A CET, como qualquer empresa, precisa de dinheiro. Uma pequena parte dele (14%) entra por meio de serviços vários como venda de zona azul. Os 86% restantes vêm do Fundo Municipal para Desenvolvimento do Trânsito (FMDT), cujo dinheiro, por sua vez, vem das multas coletadas na cidade pela própria CET. Desse fundo, 67,5% volta para ela (como pagamento por serviços de engenharia) e o restante fica com a Prefeitura.
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A CET, portanto, não é daquelas empresas que ficam esperando dinheiro da Prefeitura. Ela dá dinheiro à Prefeitura. E o dinheiro dela não cai do céu; vem do trabalho duro e incansável de encontrar, autuar, multar e cobrar seus clientes, os motoristas e motociclistas da cidade. E não pense que é fácil! Ela tem que se desdobrar em criatividade e, principalmente, muito trabalho duro. A empresa não tem medo de inovar para cumprir cada vez melhor sua real missão: a coleta de multas.
A Prefeitura é parceira nessa história, posto que ela também compõe parte do seu orçamento com projeções (ou seriam projetos?) de multas. A meta de 2014 era R$ 1,2 bilhões; ainda não se sabe quanto é a de 2015, mas o certo é que ela nunca é revista para baixo.
A pior coisa que pode acontecer para a CET é que os motoristas paulistanos se tornem rígidos conhecedores e seguidores das regras de trânsito. No dia em que isso ocorrer, a fonte seca. Por isso é sempre preciso mudar, inovar, surpreender os clientes com novidades inesperadas e que, se possível, dificultem seu movimento, aumentando a chance de novas infrações.
A criatividade começa na elaboração e na aplicação das regras de trânsito. Um sistema simples e liberal, com limites que se aproximem das velocidades naturais das vias e que permitam o fluxo contínuo de pessoas, não seria muito útil à arrecadação. É preciso aumentar as oportunidades de receita: semáforos por todos os lados, proibições de estacionar e parar, limites de velocidade bem abaixo do natural; e, talvez até mais importante, a constante mudanças dessas regras todas. Um dia é 70, outro 60, no outro 50 km/h. Se bem orquestrada, a mudança de velocidade de uma via importante pode gerar uma receita extra. Outra manobra sagaz, na mesma linha, foi mudar a tolerância dos radares sem comunicar à população; antes era de 10 km/h, depois passou para 7 km/h, sem aviso. As multas quase dobraram.
A sinalização também pode ajudar nesse sentido: quanto mais ambígua a extensão na qual uma placa vale, melhor. Às vezes pode fazer sentido deixar de fiscalizar uma área, acostumar as pessoas a descumprir a lei, e depois chegar de surpresa, colhendo as multas fáceis. É o que fazem com alguma frequência, por exemplo, na escola do meu filho. Na hora da saída, a maioria dos pais precisa parar, por um ou dois minutos, na frente da guia rebaixada de alguma das lojas de roupa da rua; os lojistas, ademais, não se importam, pois realmente não há outra opção. Para a CET, isso não importa; continua sendo infração. Por isso, volta e meia aparece um fiscal para colher a receita que é, por direito, da Companhia.
Um exemplo arrojado de experimentalismo foi visto há poucas semanas na região da Av. Paulista. Uma placa proibia o estacionamento de segunda a sábado apenas em determinados horários. A CET quis estender a proibição a todos os horários; e para marcar a mudança usou uma gambiarra: cobriu os antigos horários com um plástico preto. Os motoristas, sem saber que aquele pedaço de saco de lixo colado em cima da placa consistia uma real mudança da regra, continuaram a parar nos horários em que antes eram permitidos. Indagado, um agente solícito explicou que, mesmo se a chuva derrubar alguns dos plásticos, continuam valendo as placas com a gambiarra em ordem.
A mudança no extintor de incêndio exigido nos carros, obra do governo federal, veio em boa hora. Todos sairão ganhando: os fabricantes do extintor, as redes de postos de gasolina que o vendem tiveram aumento de demanda, e – claro – a CET, que terá um robusto aumento nas receitas quando a data-limite chegar e nem todos tiverem comprado esse importante objeto da segurança veicular.
Mas nem só de vitórias é a trajetória da CET. Como toda empresa que vive e navega na selva do mercado, há investimentos que fracassam. Grandes ganhos trazem consigo grandes riscos. Foi o que infelizmente aconteceu no ano passado com o uso dos radares móveis.
Para tornar o trânsito de São Paulo mais lento, decidiu-se reduzir o limite de velocidade da Av. Paulista de 60 para 50 km/h. A avenida símbolo da cidade, ademais, não tem radares de velocidade. Pensando nessa carência, ao invés de instalar radares fixos, que precisam ser bem visíveis, a CET resolveu investir em radares portáteis, radares-pistola que os agentes carregam de forma mais discreta. Com a redução do limite (pouco sinalizada), a quantidade de carros em excesso de velocidade iria às alturas. Parecia lógico, assim, colocar fiscais na rua para emboscar motoristas e motociclistas.
Infelizmente, o plano não deu certo. As muitas antenas da avenida interferiram no funcionamento dos radares-pistola, e a receita deles caiu brutalmente. O número de multas advindas deles em 2014 foi 96% menor do que em 2013. São os percalços da vida; lições do capitalismo.
Em todo o caso, o futuro da empresa é promissor. Só em 2014 o número total de multas subiu 4,5%. E ainda há muito o que crescer, como a instalação maciça de novos radares – inclusive escondidos em pontes e viadutos – vem mostrando. Isso para não falar em horizontes de ação totalmente novos, que exigirão a cooperação do governo em todas as suas instâncias. Chip em automóveis, chapa para as bicicletas; quem sabe até ressuscitar a velha multa para pedestre. O céu é o limite. Com muita criatividade, fé e trabalho duro, a CET – e outros tantos braços da indústria da multa pelo país afora – segue sendo mestra na arte de extorquir a população de forma eficiente e total.
Editado por Epoch Times