Estudos de restos de esqueletos e de assentamentos humanos revelam que determinada população migrou há mais de 14 mil anos pela costa do Pacífico; hoje seus herdeiros são os povos Kawashkar, Yamana e Selk’nam
O antropólogo Eugene Aspillaga, professor de antropologia e bioarqueologia da Universidade do Chile, fez um relato dos estudos mais recentes sobre a população humana pré-histórica mais antiga conhecida no Cone Sul da América, com mais de 11 mil anos de história, e destacou que pelo menos uma parte significativa veio da Ásia, passando gradualmente pela costa do Pacífico, trazendo consigo o conhecimento do uso e manejo de embarcações.
No Chile, podemos encontrar uma herança direta desses povos pré-históricos nos povos indígenas mais meridionais, originários de povos da Sibéria da região do Rio Lena e do nordeste da Ásia ao redor do rio Amur.
Em entrevista ao Epoch Times, o professor Aspillaga explicou que, do ponto de vista genético do DNA mitocondrial, as primeiras populações chilenas têm haplótipos que correspondem a dois países asiáticos e são os mesmos que permanecem até hoje em remanescentes de indígenas Kawashkar, Yamana e Selk’nam que habitam as áreas do arquipélago de Magalhães, no Chile.
Ao contrário de outros fluxos migratórios para o interior, na costa do Pacífico, algumas populações de caçadores-coletores que se alimentavam principalmente de frutos do mar mudaram-se da América do Norte para o extremo do Cone Sul, destaca o acadêmico. Isto contrasta com a visão geral dos antropólogos, que descrevem os habitantes pré-históricos da América do Sul apenas como caçadores de mastodontes e de outros animais extintos.
A importante descoberta de um esqueleto de mais de 11 mil anos em Los Vilos, conduzida por antropólogos da Universidade do Chile, e a descoberta de um assentamento humano em Monte Verde, Puerto Montt, ao sul do país, possibilitou aos acadêmicos chegar a novas conclusões.
“Recentemente, um esqueleto foi encontrado perto de Los Vilos, no Norte Chico, e esse esqueleto é um dos mais antigos da América. Tem cerca de 11.300 anos, nós o datamos e avaliamos várias vezes, então, essa é uma data bastante confiável. É o esqueleto mais antigo do nosso país, e um dos mais antigos da América, com datação direta e não por associação”, disse o antropólogo.
“O mais interessante sobre este personagem é que nós trabalhamos com arqueólogos que analisaram isótopos estáveis e descobriram que, durante toda sua vida, ele alimentou-se basicamente dos recursos marinhos, em especial de leões marinhos”, disse o cientista.
Eugenio Aspillaga explica que, embora apenas um indivíduo tenha sido identificado, isso é significativo quando se considera que esta é uma população norte-americana que já povoava esta área há 11.300 anos atrás. “Haviam pessoas que estariam tirando proveito dos recursos marinhos de forma muito mais sistemática do que se pensava anteriormente, quando acreditava-se que as populações alimentavam-se da fauna extinta, ou seja, de mastodontes, cavalos americanos, musgo, e no entanto, constatou-se que não”.
O fato de terem se alimentado de recursos costeiros “abre a possibilidade de fortalecer as teorias do povoamento da América desde o Círculo Polar Ártico e o norte da Ásia e a costa norte da Ásia”, disse o antropólogo.
A análise menciona que cerca de 18 a 20 mil anos atrás, já existiam pescadores subindo pelas margens do rio Amur – no leste da Ásia – para caçar focas. Ao passar pelo Estreito de Bering, desceram pelo Pacífico norte-americano e continuaram ao longo da costa, onde o clima é mais ameno do que no interior.
“É possível que os primeiros restos da Baixa Califórnia, em algumas ilhas onde surgiram os primeiros assentamentos humanos, contradigam a teoria de que caçadores terrestres na América do Norte são representados pela cultura Clovi, como os primeiros colonos na América”, diz o Professor Aspillaga.
“Não é que não existiram, mas eles são outro grupo de indivíduos e, provavelmente, até mesmo posteriores à primeira onda de caçadores-coletores que puderam vir para o continente via navegação de cabotagem”.
Para o estudioso, a ideia de que há milhares de anos as pessoas se especializavam em um tipo de animal ou outro “é um pouco rígida, tendo em vista que o homem tende sempre a se adaptar às circunstâncias e, portanto, se utiliza dos recursos que tem disponíveis à mão”.
“No litoral havia leões marinhos e no interior havia mastodontes que, em algumas circunstâncias, eram mais fáceis de caçar e em outras não”, disse Aspillaga, descartando uma visão estática adotada por algumas correntes.
Ainda é uma incógnita a época em que entraram na América. “Há datas próximas de 14 mil anos, 15 mil anos ou mais no continente americano. No Chile, temos evidências de pessoas de 11 mil anos atrás. Temos esqueletos humanos, e se considerarmos Monteverde, temos uma data de 14 mil anos.”
Monteverde foi descoberto em 1976 pelo arqueólogo americano Tom Dillehay, que encontrou, a 30 quilômetros da cidade de Puerto Montt, restos de um assentamento humano com casas cobertas de madeira e peles, de 14 a 15 mil anos atrás. A região foi indicada para ser parte do patrimônio da humanidade pela UNESCO.
Processo migratório
Para Eugenio Aspillaga, possivelmente os primeiros habitantes chegaram ao Chile de forma independente do grupo que viajava para o sul pela orla costeira.
“Isso não significa que não tiveram contato ou não se miscigenaram”, diz ele. Embora de um lado houvesse um grupo bastante móvel que provavelmente conhecia o uso de embarcações e se movia ao longo da costa até as ilhas do sul do Chile, também havia outro grande número de indivíduos indo para o sul ao longo do planalto andino, o qual, em seguida, desceu pelo lado argentino dos Pampas até o arquipélago da Terra do Fogo.”
Uma análise das características genéticas do restante da população indígena hoje chamada Selk’nam e Kawashkar revelou sequências dos grupos C e D do DNA mitocondrial, os quais são os mesmos encontrados nos restos dos primeiros habitantes do Cone Sul do continente e no resto do Chile, do período inicial “, disse o antropólogo.
“É claro que com 11 ou 14 mil anos de diferença houveram mudanças, mas há vestígios de sua origem nessa área”, diz Aspillaga. “Apesar dos haplótipos C e D serem encontrados em populações indígenas americanas contemporâneas, especialmente no Cone Sul do continente, são os haplótipos A e B os mais frequentes”, disse Aspillaga.
É possível que as populações americanas se originem de duas regiões da Ásia. Do norte da Sibéria desde o rio Lena até o oriente, e outra da região do rio Amur. Estes são muito diferentes de uma terceira migração asiática, cuja população entrou através das áreas dos esquimós do norte do Canadá, com uma ramificação das línguas Na-Dené do noroeste da América do Norte, que inclui as línguas atabascanas como as dos apaches, navajos e outros grupos.
As populações do rio Lena se estendem desde as montanhas Baikal da Rússia cruzando a Sibéria até o noroeste. Atualmente, no inverno, o rio permanece congelado.
Por outro lado, o rio Amur hoje é uma das fronteiras naturais entre a China e a Rússia. Depois de mais de quatro mil quilômetros de extensão, o rio desemboca no mar de Okhotsk. Em suas margens floresceram até a atualidade os povos Tungus, com grupos de evenki (folclore, habitação), nanai (casas, barcos) e ulch, além dos Daur, os nivkhes e os antecessores dos Manchures e Jurchen: os Mukri ou tribos Moho (homens da água).
Para muitos desses povos, a pesca era a principal fonte de subsistência, característica recorrente nas aldeias do sul do Chile.
Neste lento processo migratório de mais de 14 mil anos, o professor Aspillaga explica que as populações sul-americanas desenvolveram culturas mais complexas. Elas praticaram a agricultura e formaram vários grupos indígenas como os Mapuches no Cone Sul, os Atacameños no Chile e os povos da Bacia Amazônica ao norte. “Estes povos são produto de um processo evolutivo que durou um longo tempo. Não são necessariamente os descendentes diretos dos primeiros povoadores”, disse o antropólogo.
É provável que quando havia um excedente populacional, um grupo familiar podia mover-se para outro vale à procura de novas terras, acrescenta Aspillaga.
Quando um grupo se instalava em uma área habitada por caçadores-coletores, podiam ocorrer várias situações: “os caçadores-coletores se deslocavam para outras áreas onde podiam realizar suas atividades; realizavam-se alianças econômicas; podia haver reciprocidade; podia ocorrer a miscigenação e também podiam haver conflitos. Pode ter acontecido tudo isso no passado, em épocas diferentes, e esse processo gerou as diferenças dos distintos grupos em todo o continente americano”, disse o antropólogo chileno.
Povos canoístas
Os povos que se mudaram para o sul do Chile eram “grupos altamente móveis, e grande parte de sua vida transcorreu dentro de suas canoas”, destaca o Museu de Arte Pré-colombiana. Em terra, ocuparam diversas vezes as mesmas praias, onde depositavam os resíduos dos moluscos que consumiam.
Em algumas praias, faziam paredes com as conchas e construíam um tipo de habitação. Em geral, as casas eram construídas com galhos e cobertas com peles para protegerem-se do frio e do vento do sul.
Nas aldeias, o trabalho era dividido de acordo com o sexo e a idade. As mulheres e crianças mergulhavam e os homens caçavam. Nos rituais de iniciação, faziam pinturas corporais.
Eugenio Aspillaga conta que começou a se dedicar-se ao estudo dos caçadores-coletores e caçadores do extremo sul “porque pareciam ser os que forneceriam maiores analogias com os caçadores que povoaram o continente.”
“Tal abordagem provou-se correta no sentido de que essas populações têm algumas características dos primeiros habitantes. Refiro-me aos canoístas do extremo sul e aos caçadores terrestres como os Selk’nam.”
“Eles têm algumas características que podiam ter sido dos caçadores-coletores que chegaram pela primeira vez à América, pois são de fato seus descendentes”, conclui Aspillaga.
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