Implicações políticas do julgamento por homicídio de Bo-Gu Kailai

09/08/2012 03:00 Atualizado: 09/08/2012 03:00

Gu Kailai e Bo Xilai. (Arquivo Epoch Times)Quando o regime chinês exigiu recentemente uma promessa “para proteger o 18º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) com nossas vidas”, ele também anunciou a abertura do caso de assassinato de Bo-Gu Kailai/Neil Heywood. Isso significa que Zhongnanhai, o núcleo da liderança chinesa em Pequim, está ansioso por resolver este caso e que o líder chinês Hu Jintao quer dizer a seus inimigos políticos, estejam eles visíveis ou ocultos: o caso de Bo-Gu Kailai é apenas um caso criminal, que no máximo implicaria o desgraçado Bo Xilai, o ex-chefe do PCC em Chongqing. Concluir o caso rapidamente é a esperança de todos.

Há três questões principais de importância política a serem consideradas neste caso.

Primeira questão: O caso de Gu Kailai tem algo a ver com Bo Xilai. Mas qual a profundidade do envolvimento de Bo Xilai e porque o Congresso do PCC está ameaçado?

Para os adversários políticos de Bo Xilai, o melhor desfecho do caso seria acusar Bo Xilai como um conspirador no assassinato de Heywood, cortando assim todas as rotas de retorno para Bo Xilai. O sobrenome “Bo” foi adicionado ao nome de sua esposa Gu Kailai para indicar que os dois estão envolvidos no caso. No entanto, parece improvável que tal acusação aconteça.

O pior crime de Bo Xilai pode ter sido encobrir o crime de sua esposa; seu menor delito, segundo a sociedade chinesa, seria deixar de disciplinar sua esposa.

Falhar em disciplinar sua esposa é a melhor desculpa para minimizar efeitos políticos negativos que este caso traz sobre o regime. Quanto a quem será responsabilizado, Bo Xilai poderia ser separado de Gu Kailai ao declarar que “não sabia”. Isso permitiria maior margem para manobra política.

Essa separação é viável? É inteiramente possível. Quando a esposa de Mao Tsé-tung, Jiang Qing, foi considerada culpada pela Revolução Cultural e a “líder da maior gangue antirrevolucionária” dentro do PCC, Mao continuou sendo o “líder supremo do povo chinês”. Apesar de ser o marido da “pior gangster antirrevolucionária”, Mao não foi sequer acusado de “ter falhado em disciplinar sua esposa”.

Agora, a questão é, se aqueles que ameaçam o 18º Congresso e aqueles que estão forçando todo o PCC e os militares a “protegerem o 18º Congresso com suas vidas” têm na verdade a capacidade de fazer isso acontecer.

Apesar da liderança mais alta do regime poder conseguir tratar o caso Bo-Gu Kailai como um caso isolado, o tom político permanece e não pode ser simplesmente ignorado. Não importa qual será o veredito, isso influenciará o futuro político de Bo Xilai, bem como as disputas internas entre as facções no 18º Congresso. Isso moldará até mesmo a forma como familiares de altos oficiais do PCC, que se tornaram podres de rico através de seus negócios, serão tratados.

Há uma coisa que sempre tenho prestado atenção: Desde que o PCC tomou o poder, apenas durante a Revolução Cultural os guardas vermelhos foram chamados a “prometer sacrificar nossas vidas” e isso foi para proteger a liderança do presidente Mao.

Uma chamada de promessa de sacrifício da própria vida para proteger o Comitê Central da Revolução Cultural foi de curta duração.

Nunca antes foi pedida uma promessa de se sacrificar por qualquer Congresso do PCC.

Mesmo durante o 9º Congresso, quando Mao estava envolvido numa luta de poder intensa com o então vice-presidente Lin Biao, nenhum slogan foi emitido pedindo às pessoas para sacrificarem suas vidas para proteger o 9º Congresso.

Então, que força é essas que está ameaçando o 18º Congresso? Isso é o que é verdadeiramente desconcertante.

Segunda questão: Como pode o regime chinês deter a corrupção?

“Uma família, dois sistemas” tem sido o modo de operação de famílias com grande visibilidade política desde que a reforma econômica foi iniciada. Nem todos os familiares de oficiais de alto escalão têm compreensão de negócios. No entanto, o poder político de um oficial é o “dedo de ouro” que pode transformar sujeira em ouro.

A economia de mercado da China é metade mercado, metade intervenção administrativa. É uma economia de poder com o poder político de um lado e o mercado de outro. Para transformar o “poder” em dinheiro, é preciso o “mercado”. Apenas casando o poder e o mercado, pode-se ficar rico rápido.

Tal união pode ser melhor implementada através do esquema de “uma família, dois sistemas”: O chefe da família possui o poder político, enquanto a esposa, filhos ou irmãos lucram no mundo dos negócios. Este tipo de conexão sanguínea é mais confiável do que amigos, colegas ou pessoas da mesma cidade. Na verdade, a maioria das famílias de oficiais de alto escalão tem essa configuração.

Nos últimos anos, algumas grandes mídias ocidentais, como o British Financial Times, a Reuters e o New York Times, reportaram sobre relações de negócio de familiares comunistas usando nomes reais e falsos.

O seguinte é uma citação da edição de abril de 2010 do Fórum Popular, um desdobramento do Diário do Povo, uma mídia estatal porta-voz do regime chinês. O artigo, intitulado, “Nova geração de famílias ricas da China”, reconheceu que a maioria das famílias ricas da nova geração da China está nas mãos de famílias “vermelhas”. “Essas famílias têm profundas raízes políticas e financeiras, fácil acesso aos bens sociais e, assim, começam de um nível muito mais elevado. A maioria de suas empresas está envolvida em áreas relacionadas ao comércio, matéria-prima, energia ou imóveis, que exigem a inspeção e aprovação governamental.”

Sem o apoio do poder político, como poderiam se tornar impérios vermelhos?

Tais acordos não funcionariam em países democráticos, porque há mídia independente exercendo a função de monitoramento. Mas na China, tal acordo é possível porque o PCC controla toda a mídia. Tomemos o primeiro-ministro Wen Jiabao como exemplo, ele afirma ser ignorante dos negócios de sua esposa Zhang Peili e filho Wen Yunsong, que teriam prosperado como resultado de pessoas querendo agradar Wen Jiabao.

Bloomberg publicou recentemente os bens da irmã e cunhado do vice-presidente Xi Jinping. Xi Jinping foi inocentado de maneira semelhante. Alguns disseram que Xi Jinping não tem nada a ver com os negócios de sua irmã, embora alguns tenham dito que Bloomberg está mentindo.

A filha do ex-primeiro-ministro Li Peng, Li Xiaolin, tem o apelido de “princesa CEO”. Mas ela abertamente afirma que seu sucesso foi apenas devido a seu próprio trabalho árduo e habilidades. Sua frase famosa é, “Ativos além da habilidade não significam nada.”

Se Gu Kailai assumir uma postura forte, é inteiramente plausível que ela diga que atuava sob a bandeira do marido e fez tudo sem seu conhecimento. Nesse caso, Bo Xilai estaria protegido e teria apenas que levar a culpa por não disciplinar bem sua mulher.

Terceira questão: Como o regime recuperará os 6 bilhões de dólares que foram transferidos por Bo-Gu Kailai para o exterior?

Entre todos os problemas, este é o mais grave. A maioria dos altos oficiais tem bens no exterior. Muitos acreditam que os 6 bilhões de dólares que Bo-Gu transferiram para o exterior terão de ser devolvidos à China após o caso ser encerrado.

Em 1º de fevereiro de 2011, a “lei dos bens do ditador” da Suíça entrou em vigor. Como resultado, os bens transferidos por ditadores, como Mubarak do Egito e Kadhafi da Líbia, são congelados e devolvidos a seus respectivos países.

Mas, mesmo que o dinheiro de Bo-Gu estivesse na Suíça, o país não devolveria o dinheiro à China. De acordo com uma fonte minha muito confiável, a Suíça não vê o regime chinês como uma ditadura, mas como uma liderança conjunta constituída pelos nove membros do Comitê Permanente do Politburo. Portanto, como um membro do Comitê Permanente do Politburo e chefe do PCC em Chongqing, Bo Xilai não é considerado um ditador.

Bancos nos Estados Unidos e alguns países europeus mantêm um “banco de dados de figuras públicas”, em que os ativos de oficiais chineses de alto escalão são registrados. No entanto, desde que o regime chinês é um sistema corrupto do topo até a base, oficiais em todos os níveis transferem seus ativos para o exterior através de canais diferentes e sob disfarces diferentes, não há como os bancos nos Estados Unidos e na Europa rastrearem cada canal. Não há precedente de recuperar ativos de não-ditadores.

Como os ativos de Bo-Gu no exterior serão tratados será uma lição valiosa para muitos oficiais chineses.

Claro, Pequim ainda tem que divulgar exatamente quanto dinheiro Bo-Gu Kailai transferiu com a ajuda de seus amigos britânicos e franceses. A alegação de 6 bilhões de dólares foi informação vazada por fontes para a imprensa estrangeira. O montante poderia ter diminuído para 600 milhões. Afinal, os nove membros do Comitê Permanente do Politburo estão todos no mesmo barco e têm que olhar um pelo outro para se manterem por cima. No entanto, assassinar um estrangeiro é um assunto pessoal de Bo-Gu Kailai, por isso não há necessidade de protegê-la contra a acusação de assassinato.

O caso de Bo-Gu Kailai teve o efeito de um tornado no círculo maior de poder do regime chinês, atraindo a atenção da mídia estrangeira e ameaçando o 18º Congresso. Se eventualmente o caso for caracterizado como tal e tal camarada não ter disciplinado sua esposa, como isso será gravado nos livros de história do PCC?

He Qinglian é uma proeminente autora e economista chinesa. Atualmente baseada nos EUA, ela escreveu “China’s Pitfalls”, que diz respeito à corrupção na reforma econômica chinesa na década de 1990, e “The Fog of Censorship: Media Control in China”, que trata da manipulação e restrição da imprensa. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea.